Uma sequência de imagens de satélite de alta resolução analisadas pelo consórcio de entidades MapBiomas confirmaram o avanço do garimpo ilegal na região próxima a Alter do Chão, no Pará. A explosão da atividade no médio curso do rio Tapajós é a provável causa da mudança da cor da água de Alter do Chão, uma das praias mais procuradas do Brasil, balneário localizado há 37 km da zona urbana de Santarém, no oeste paraense.
Nos últimos meses, a coloração da água do Tapajós, que é azul-esverdeada, tornou-se barrenta, piorando a partir de meados de dezembro de 2021, quando uma grande faixa junto à Ilha do Amor, principal praia de Alter do Chão, passou a apresentar coloração turva.
“Mudanças na coloração das águas do Tapajós e de sua foz estão se tornando cada vez mais frequentes e mais intensas, e coincidem com expressivo avanço da atividade garimpeira na região”, afirmou o consórcio MapBiomas, que sobrevoou a região, em nota técnica publicada nesta segunda-feira (24).
Segundo o texto, tudo indica que a lama dos garimpos de afluentes do Tapajós como o Jamanxim, o Crepori e o Cabitutu explicam a longa faixa de sedimentos que tomou o rio neste ano e é visível em todo seu baixo curso até à foz.
Por conta das cheias do rio, as águas normalmente ficam mais escuras. Mas, segundo o Mapbiomas, só a opacidade cíclica e natural dessa época de início de elevação do nível da água não justifica as alterações identificadas em Alter do Chão e em outros pontos do rio neste ano.
O consórcio destaca ainda que é possível perceber pelas imagens de satélite que a pluma de lama já estava presente no rio paraense em julho, mês da seca, quando não há influência do rio Amazonas.
O levantamento apontou que a área de garimpo na Amazônia cresceu dez vezes nas últimas três décadas, e 2020 (último ano para o qual há dados) registra o recorde da série histórica. A pandemia provocou uma explosão no preço do ouro, que em 2020 atingiu pela primeira vez US$ 2.000 a onça troy (unidade de venda de ouro, equivalente a 31,1 gramas). Sem fiscalização e monitoramento dos órgãos responsáveis, isso provocou uma corrida desenfreada do ouro na Amazônia.
EXPLOSÃO DO GARIMPO
Um estudo do Greenpeace revela que 73% das áreas liberadas para mineração entre janeiro e setembro de 2021 atingiram áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas). As Terras Indígenas Saí Cinza e Munduruku, no Sudoeste do Pará, por exemplo, respondem sozinhas pelo alarmante avanço de quase 2.300% de extensão de rios atingidos pelo garimpo nos últimos cinco anos.
“Há uma explosão do número de garimpos na Amazônia toda, e com especial destaque no médio Tapajós. Você tem um incentivo vindo do aumento do preço do ouro, decorrente da própria pandemia, mas tem um incentivo principal negativo, nefasto no meu entendimento, da posição do governo Bolsonaro, que tem se manifestado desde o início em prol de normas mais flexíveis em relação aos garimpos, da expansão dos garimpos. E isso causa uma espécie de ‘liberou geral’ para quem está em campo. É como: pode fazer porque o governo vai te apoiar”, critica Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, e representante Observatório do Clima.
As consequências do avanço descontrolado da atividade garimpeira não se resumem aos danos ambientais, que por si só já são desastrosos. A Universidade Federal do Oeste do Pará identificou níveis de mercúrio no sangue dos moradores, dez vezes acima do recomendado. Garimpeiros usam mercúrio para separar o ouro dos rejeitos.
A PF instaurou inquérito para investigar os motivos da alteração na tonalidade das águas no rio Tapajós. A investigação foi aberta na quinta-feira (20) e também vai colher amostras da água turva em diferentes pontos do rio para posterior análise e laudo pericial.
A corporação também indicou que técnicos do Ibama e da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, com apoio do Corpo de Bombeiros, iniciaram na quarta-feira (19) uma inspeção de emergência no Tapajós. Amostras foram coletadas e encaminhadas para análise após a água apresentar coloração turva – não característica na região.
O Ministério Público Federal enviou requisições ao Ibama e à Secretaria do Meio Ambiente para que informem quais medidas estão adotando para conter os danos ao rio.
Em 2021, Alter do Chão ganhou o prêmio de melhor destino turístico do país na 31ª edição do prêmio UPIS de turismo. Já em 2009, o jornal inglês “The Guardian” classificou a vila como uma das mais belas praias do Brasil. As premiações deram visibilidade nacional e internacional, contribuindo para a elevação do padrão turístico da região, o que triplicou o número de visitantes.
O turismo é responsável pelo incremento de R$ 140 milhões por ano na cidade de Santarém, onde se localiza a vila balneária, que recebe 200 mil turistas ao longo do ano. Esse valor corresponde a 18% do orçamento anual do município.
FALTA FISCALIZAÇÃO
O consórcio de instituições ambientais MapBiomas avalia que esse avanço da mineração de ouro nas áreas de proteção se deve, em parte, ao fato da fiscalização do Ibama ter sido fragilizada nesse período. A situação pode se agravar já que o presidente Bolsonaro enviou à Câmara o PL 191/2020, que abre todas as terras indígenas do país ao garimpo e à mineração industrial.
Para chegar ao ouro, os garimpeiros reviram fundo dos rios com dragas ou desviam seu curso, cavando barrancos enormes com pás carregadeiras. A destruição pode se estender por quilômetros do curso do rio. Em todos os casos, a lama é descartada na própria água, a jusante da exploração (no sentido da correnteza do rio).
O garimpo ilegal vem atuando com muita força na gestão de Jair Bolsonaro. No final de novembro último, centenas de dragas e balsas atracaram no rio Madeira, no município de Autazes (distante 113 quilômetros de Manaus) para extrair ouro. De acordo com um levantamento do Greenpeace, 300 barcas estavam explorando ouro na região sem licença ambiental para a atividade. As embarcações permaneceram por cerca de três semanas no local. Uma operação conjunta da Polícia Federal com a participação de diversos órgãos resultou na expulsão dos exploradores criminosos.
A Agência Nacional de Mineração (AMN), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, responsável pela concessão de lavras de terras para a atividade garimpeira, faz vistas grossas para ações ilegais. No ano passado, dois traficantes apontados pela PF de chefiar o tráfico de drogas na região de Tapajós (PA), receberam do governo federal licença para explorar ouro numa área de mais de 810 hectares na Amazônia. A área equivale a cerca de 800 campos de futebol.
No ano de 2019, um relatório do Instituto Escolhas baseado em dados do Instituto Socioambiental (ISA) apontou que o garimpo foi a principal causa da degradação ambiental da Terra Indígena Munduruku. Está área fica há cerca de 300 quilômetros de Alter do Chão. Dos 1.926 hectares de desmatamento registrados na TI, 71% haviam sido causado por atividades de mineração ilegal. Dos 197 hectares de degradação registrados nos primeiros meses de 2020, 90% foi devido a esse tipo de atividade.
Ainda no ano de 2019, uma ação foi ajuizada com laudo elaborado pela Polícia Federal (PF) e pela Ufopa, para pedir à Justiça providências contra a completa precariedade no controle da exploração do ouro no país. O Ministério Público Federal apontou que só em quantidade de sedimentos lançados nas águas do Tapajós, pela mineração ilegal de ouro, chegou a um total de sete milhões de toneladas por ano. A cada 11 anos, a quantidade desses resíduos despejados é equivalente à da barragem da Samarco que rompeu em Mariana (MG) em 2015, destruindo a calha do rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo.