CLÍVER ALCALÁ*
Clíver Alcalá, um militar que acompanhou Hugo Chávez desde que este fundou um movimento político com raiz no Exército, em 1982, até sua morte, em 2013, afirma que Nicolás Maduro “é um tirano” que cada dia tem mais dificuldades para conservar o poder. “Está cercado por seus próprios colaboradores”, afirma o general reformado e ex-assistente militar de Chávez.
As críticas de Clíver Alcalá soam forte dentro do chavismo. Não só porque ele provém da formação desse movimento, mas pelo seu posto dentro da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB): general em condição de retiro.
Em entrevista ao jornal colombiano EL TIEMPO, Alcalá afirma que na FANB se reproduz o generalizado mal-estar social que grassa na Venezuela contra o regime de Maduro, e que o presidente é tão consciente desse fato que desconfia da instituição militar.
Isso é tão verdadeiro, diz, que as tropas e oficiais que participam nos atos aos que Maduro assiste levam rifles sem munições. E até os generais e almirantes que se reúnem com o Presidente são submetidos a revistas humilhantes para corroborar que não tentarão atentar contra ele. Seguem os principais trechos da entrevista do general venezuelano.
El Tiempo – A greve geral convocada pela oposição pelo ‘pacotaço’ econômico que entrou em vigor esta segunda-feira pode pôr o regime de Maduro contra a parede?
Alcalá – Sem dúvida põe Maduro contra a parede. Mas também há o risco de se aprofundarem os problemas de desabastecimento que o povo venezuelano vive. São momentos difíceis para a Venezuela pela teimosia de um grupo criminoso. Entramos em situação de definições. Ou se consegue a saída (do Governo) ou eles se instalam.
El Tiempo -Que novos detalhes se conhecem sobre o atentado contra Maduro?
Alcalá – Muitos duvidaram desse atentado porque Maduro tem mentido muito ao país. Mas tudo indica que o atentado foi real e tem sido aproveitado pelo Governo para ir contra militares que considera desleais (entre os detidos estão o general Alejandro Pérez Gámez e o coronel Pedro Javier Zambrano), e contra pessoas que quer eliminar politicamente, como os deputados Juan Requesens e Julio Borges. Estão inventando acusações contra eles.
El Tiempo – Maduro duvida da lealdade das Forças Armadas venezuelanas?
Alcalá – É que na Força Armada se expressa o mesmo descontentamento que há nas famílias venezuelanas. Agora Maduro está desconfiando desses grupos anárquicos que o apoiaram, com certo poder econômico, e da estrutura militar. Está cercado por seus mesmos colaboradores e não pode reclamar porque isso não é um governo, mas um grupo de delinquência organizada.
El Tiempo – Já não confia nem em sua guarda pessoal?
Alcalá – Não. Nem nos políticos que estão em torno dele.
El Tiempo – De quem fala exatamente?
Alcalá – Maduro tem já uma desconfiança total. Sabe-se que inclusive o promotor que substituiu Luisa Ortega (Tarek William Saab) está buscando uma embaixada porque ninguém quer subir em um palco com Maduro. Perderam o respeito a ele e a seu pessoal.
El Tiempo – O que sabe sobre os autores do atentado contra Maduro?
Alcalá – Não posso assegurar nada sobre os responsáveis do atentado de 4 de agosto, porém a Venezuela é um país com metástase, e há tanto descontentamento que isso pode gerar reações individuais desesperadas de muitas pessoas e grupos.
El Tiempo – Isso inclui gente das Força Armadas?
Alcalá – Claro. Causa suspeita e estranheza que gente próxima a Maduro também não estivesse na tribuna no dia do atentado.
El Tiempo – Como quem?
Alcalá – Diosdado Cabello (o poderoso número dois do regime), que normalmente acompanha Maduro em todos os atos, não esteve no palco em 4 de agosto. Sei que há uma pugna de poder entre eles, porque estão assinalados internacionalmente e tem perdido recursos que no passado não lhes custou muito roubar. Por esse dinheiro tem entrado em disputa.
El Tiempo – Há muitos atritos entre Maduro e Diosdado Cabello?
Alcalá – Há atritos entre todos eles. Os embaixadores do país, os funcionários das embaixadas e os agregados militares levam mais de seis meses sem receber. Não se pode pedir lealdade a quem você não está leal. Tenho informação de que mais de 70% dos deputados da Assembleia Constituinte [da base de apoio do Governo] não estão satisfeitos porque já vão completar um ano na função, em outubro, e não têm feito nada. Há diferenças tremendas entre eles.
El Tiempo – As dificuldades internas do Governo poderiam levar à queda do regime?
Alcalá – Com a situação tão precária, sim. Nos últimos dias o poder aquisitivo, que já tinha baixado muito, perdeu outros 25%. Pela inflação (que segundo o FMI será de um milhão por cento este ano) é verdade que Maduro fez tirar cinco zeros à moeda, mas isso não resolverá nada. A gasolina subirá de preço, há apagões todos os dias em muitas cidades, uma grande delinquência, e a escassez de alimentos e medicamentos é cada vez pior.
El Tiempo – Você disse que esse mal-estar se expressa dentro das Forças Armadas. Os militares podem acabar propiciando uma saída de Maduro do poder nos marcos da Constituição?
Alcalá – Todas as instituições no país estão destruídas, e dessa destruição não escapam as Forças Armadas, graças a Maduro e a Vladimir Padriño López (o ministro de Defesa). Na Venezuela há quase 2.000 generais, mais generais que coronéis. A pirâmide está invertida e todo mundo desconfia de todo mundo. Nós vivemos na Venezuela uma constante explosão social que não acaba de estourar porque as pessoas estão mais pendentes de resolver as questões da vida diária.
El Tiempo – Mas, em algum momento esse inconformismo pode se traduzir em uma demanda de mudança desde a própria institucionalidade militar?
Alcalá – É que a cúpula militar é parte do grupo de malfeitores que tem montado uma estrutura de crime organizado para controlar o Estado. Por isso a solução na Venezuela não passa por um homem, mas por uma junta restauradora, com um prazo para a reconstrução. A magnitude do dano na Venezuela não é para que seja resolvido por um homem ou uma mulher, mas por um grupo de venezuelanos que represente a sociedade e em que convirjam todos os setores, incluindo as Forças Armadas.
El Tiempo – Uma recente pesquisa da Analitic mostra os políticos da oposição com muito baixa imagem. Se a isso somamos a divisão entre as forças opositoras, como então podem enfrentar a Maduro?
alcalá – A grande vantagem de Maduro é a divisão dos venezuelanos que o repudiam por ser ditador. Essas divisões foram fomentadas pelo mesmo Governo e as tem manipulado muito bem. Este é um Governo que faz muito bem o ruim.
El Tiempo – Maduro tem medo de sua própria gente?
Alcalá – Sim. Tem medo de que sua própria gente o mate. Maduro convocou uma reunião com os generais (sexta-feira, 10 de agosto) para lhes dizer que o atentado era da Colômbia e de (Juan Manuel) Santos, e ao entrar, esvaziavam os bolsos dos generais, lhes examinavam o corpo para ver se tinham armas, lhes tiravam os telefones. A generais e almirantes…
El Tiempo – Como você soube isso?
Alcalá – Através de generais que me chamaram e me contaram. Um deles me disse: “passei o momento pior de minha vida, funcionários policiais me revisaram para entrar em um ato com o Presidente”. Esse é o nível de desconfiança de Maduro.
El Tiempo – E se sabe que um atentado pode vir dos próprios militares, porque saiu a atribuir-lhes isso a Colômbia e a Santos?
Alcalá – Porque nos últimos eventos Santos fez colocações contra Maduro. A Santos restavam três ou quatro dias (na presidência) e Maduro decidiu não atacar o novo presidente (Iván Duque) e sua linha política, mas ao que ia embora, como para ver se pode acertar algo com o presidente Duque.
El Tiemo – Que papel joga Diosdado Cabello nestes momentos na Venezuela?
Alcalá – Há uma pugna muito forte entre quatro grupos. Os dois principais são o de Maduro, que controla as maiores fontes de ingressos do Governo; e o de Diosdado, que controla grande parte da cúpula militar. Os outros grupos têm menos poder. São o de Tareck El Aissami (ministro de Indústrias e vice-presidente da Área Econômica) e o dos irmãos Delcy e Jorge Rodríguez (ela é a vice-presidente e ele, ministro de Comunicação). Todos têm muito poder econômico. Nos últimos cinco anos saquearam 150 bilhões de dólares.
El Tiempo – De que maneira se manifesta a pugna entre estes grupos?
Acalá – Eles só se unem quando são atacados desde fora ou têm que enfrentar situações internas. Mas a pugna é muito dura. Por exemplo, há uns dias se divulgou um vídeo do deputado Juan Requesens (acusado de participar no atentado contra Maduro), em que ele aparece detido em condições deploráveis (aparentemente drogado). A informação que tenho é que esse vídeo foi vazado por um general muito próximo de Diosdado. Maduro pediu uma investigação, mas o general Gustavo González López (diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência) lhe disse que não. Maduro está muito débil.
El Tiempo – Que saída propõe para Venezuela?
Alcalá- Temos que convergir os diferentes setores venezuelanos em um projeto de transição e mudança. A convergência é a única maneira de evitar que se siga destruindo a nação e sua soberania.
*Companheiro do então tenente-coronel Hugo Chávez no levante do Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR 200) contra o governo neoliberal de Carlos Andrés Perez, o general reformado Clíver Alcalá foi comandante da Região Estratégica de Defesa Integral (REDI) na fronteira com a Guiana