“Aqui tem esse negócio. É um serpentário”, disse o general Luiz Eduardo Ramos
A entrevista do general Luiz Eduardo Ramos, ministro responsável pela articulação política no governo Bolsonaro, à Folha de São Paulo, na quarta-feira (11) é reveladora de como funciona o núcleo mais íntimo do bolsonarismo. “Aqui tem esse negócio: é um serpentário, quanto mais próximo do presidente, mais você é alvo”, disse o general, que se gaba de gozar da intimidade da família Bolsonaro desde 1973.
A “intimidade” do general com o núcleo familiar do “serpentário” não mudou em nada a desarticulação política do governo. O Planalto vem colhendo seguidas derrotas no Congresso Nacional, o que revela que Ramos, assim como os que o antecederam, não está conseguindo, ou, quem sabe, não está querendo exercer articulação política alguma.
Outros que já abandonaram o barco bolsonarista também descrevem de forma parecida o inferno que eles vivenciaram nos últimos tempos naquilo que o general Ramos chama de “serpentário”.
O general Santos Cruz, um dos generais mais respeitados do país, foi um dos primeiros a serem atingidos pelas “serpentes” e considerou os ataques que recebeu das milícias digitais e dos filhos de Bolsonaro, com a anuência do pai, como “desrespeitosos e inaceitáveis”.
“Atacar as pessoas em sua intimidade, isso acaba virando uma guerra de baixarias”, disse o general.
“Não é porque você tem liberdade e mecanismos de expressão, Twitter, Facebook, que você pode dizer o que bem entende, criando situações que atrapalham o governo ou ofendem a pessoa. Você discordar de métodos de trabalho é normal, até publicamente. Discordâncias são normais, de modo de pensar, modo de administrar, modo de fazer política, de fazer coordenação”, acrescentou.
Santos Cruz acabou sendo demitido por Bolsonaro por ter se recusado a financiar os sites bolsonaristas com verbas públicas.
Recentemente o ninho de cobras se agitou tanto que houve um temor que o veneno se espalhasse por todo o país.
Uma verdadeira guerra de bandos foi aberta na disputa pelo controle do fundo partidário, que em 2019 movimentou em torno de R$ 70 milhões, e que chegará a R$ 350 milhões, quando for somado ao fundo eleitoral de 2020.
De um lado ficou o bando de Luciano Bivar, deputado de Pernambuco, e presidente da legenda, envolvido no escândalo das deputadas laranjas, e de outro lado o bando de Jair Bolsonaro, que acabou abandonando o partido.
Este último afirmou nesta quarta-feira (11/12) que o PSL é um partido cheio de traíras. “O partido que eu deixei para trás é cheio de traíras”, disse ele.
Outro que saiu atirando no ninho das serpentes dos bolsonaros foi o general Maynard Santa Rosa. Ele se demitiu da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Bolsonaro no início de novembro.
Em entrevista no início deste mês, ele disse que o presidente Bolsonaro “vai entender mais para a frente que governar é muito mais que uma ação entre amigos. Isso, infelizmente, ele vai entender a duras penas”.
O general viu sua secretaria ser esvaziada enquanto bunkers de milicianos digitais eram reforçados dentro do próprio Palácio do Planalto. “O presidente se cercou de um grupo de garotos que têm entre 25 e 32 anos que fazem uma espécie de cordão magnético em torno e filtram o acesso”, disse Maynard.
O general Santa Rosa avalia que a forma como ele e o general Santos Cruz form forçados a deixar o governo “enfraquece aquela esperança do estamento militar na recuperação do país”. “Torço para que o governo dê certo, mas se acontecer vai ser por acaso”, disse o general. O militar afirmou no final da entrevista que “não houve consideração” do governo com ele.
O general Juarez Aparecido de Paula Cunha, que assumiu a presidência dos Correios, foi atingido diretamente pela metralhadora giratória do próprio Bolsonaro. Ele foi demitido pela imprensa. O motivo da demissão foi a recusa do general em encaminhar as discussões sobre a privatização dos Correios, exigidas por Paulo Guedes.
O general se recusou a sair do cargo. Virtualmente demitido pelo presidente, ele foi trabalhar normalmente. Ao invés de limpar as gavetas, o general avisou para um auditório lotado que não ia até a formalização da demissão: “Só vou sair daqui a hora que chegar oficialmente. Aí eu saio, senão, não saio, não”. Terminou a palestra aplaudido e vestindo boné de carteiro.
Esta é só uma pequena parte do que o general Luiz Eduardo Ramos chamou de “serpentário”, ou mais conhecido também como “ninho das serpentes”.
O ex-ministro Gustavo Bebiano, que se engalfinhou com Carlos Bolsonaro, classificado nesta quarta-feira (11) pelo empresário que sediou a campanha, Paulo Marinho, como “uma pessoa perturbada”, afirmou logo após sair do governo que “o presidente revela uma absoluta falta de lealdade com seus próprios soldados”.
“Algumas pessoas dizem que o Jair tem deixado seus soldados para trás. Acho que é muito pior. Acho que ele próprio atira nos seus soldados. E pelas costas”, assinalou. “E não é só a demissão, mas a forma como se faz. Sempre de maneira desrespeitosa, jocosa, provocativa, tentando denegrir a imagem do outro”, acrescentou o ex-ministro.
Outra que experimentou do próprio veneno foi a deputada Joice Hasselmann, ex-líder do governo na Câmara Federal. Ela participou do esquema das milícias digitais que espalharam o ódio e o preconceito por todo o país na escalada bolsonarista até o Planalto.
Agora, que ela rompeu com as víboras, virou alvo delas. Em depoimento à CPI das Fake News, na semana passada, a deputada disse que “Eduardo Bolsonaro está amplamente envolvido” nas milícias digitais. Ela ainda afirmou que assessores parlamentares, outros deputados federais e estaduais e membros do Palácio do Planalto fazem parte do “gabinete do ódio” montado para atacar opositores.
Entre os diversos dados, a deputada exibiu na tela reproduções de um grupo chamado “SECRETO2 G.O”, no qual os seus integrantes coordenam os ataques nas redes sociais. O levantamento apresentado aponta que, somadas, as redes de Eduardo e de Jair Bolsonaro são seguidas por mais de 1,8 milhão de robôs, que seriam usados para impulsionar as informações falsas e difamatórias.
“Nós temos quase dois milhões de robôs em apenas duas contas de Twitter. Eu quero crer que o presidente não sabe disso. Mas pelo que vocês vão ver nas conversas do grupo do gabinete do ódio, o deputado Eduardo Bolsonaro está amplamente envolvido e é um dos líderes desse grupo que chamamos milícia digital”.
A deputada informou que Carlos Bolsonaro também esteve envolvido com esse grupo. Mesmo atacada pelos fascistas, a deputada, ao duvidar que Bolsonaro saiba do esquema, mostra que se ilude de que Jair Bolsonaro não está a par de tudo o que ocorre na famíglia.
Ela garantiu que os ataques virtuais são orquestrados. As postagens são programadas em dia e hora por uma agenda.
“As instruções são passadas por um grupo. São vários deles, mas um vou abrir para vocês. É um grupo do gabinete do ódio que tantos dizem que não existe. Vocês vão ver prints das conversas desses grupos. As instruções são passadas, principalmente pelo Eduardo e assessores ligados a ele. O Carlos também teve muita atividade”, acrescentou.
Ela sugeriu rastrear o dinheiro que alimentou esse esquema. Essa é a parte midiática do serpentário, a que se referiu o general.