Segundo o general, o ex-presidente convocou comandantes para pressionar por apoio ao golpe. A minuta decretava estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília. Exército e Aeronáutica foram contra
O ex-comandante do Exército general Freire Gomes disse à Polícia Federal, durante seu depoimento, que a minuta golpista encontrada na casa do ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, é a mesma versão que foi apresentada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos chefes das Forças Armadas em reunião em dezembro de 2022. Ele confirmou que o conteúdo da minuta de decreto apresentada foi exposto ao declarante nas referidas reuniões.
O general afirmou, ainda, que o documento foi apresentado por Bolsonaro em uma segunda reunião entre os chefes militares e o então presidente da República. Ressaltou, também, que deixou evidenciado a Bolsonaro e ao ministro da Defesa [general Paulo Sérgio Nogueira] que o Exército não aceitaria qualquer ato de ruptura institucional”, disse o general, segundo o termo de depoimento.
No depoimento, o ex-chefe do Exército disse que o ex-ministro da Justiça Anderson Torres participou de reuniões em que o golpe de Estado foi tramado. De acordo com ele, o ex-ministro explicava o “suporte jurídico para as medidas que poderiam ser adotadas”. Segundo o general Freire Gomes, os golpistas usavam “interpretações do jurista Ives Gandra da utilização das Forças Armadas como Poder Moderador, com base no artigo 142”.
Segundo o ex-comandante, as minutas apresentadas por Bolsonaro passaram por edições até se chegar ao texto que decretava estado de defesa e criava uma comissão de regularidade eleitoral para apurar a “conformidade e legalidade do processo eleitoral”.
Na primeira reunião convocada por Bolsonaro, em 7 de dezembro, Freire Gomes conta que não sabia previamente qual seria a pauta do encontro. No relato do general, o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, leu os “considerandos e fundamentos jurídicos da minuta”. Depois da leitura, Bolsonaro informou que o “documento estava em estudo” e que “reportaria a evolução aos comandantes”.
Na segunda reunião no Palácio da Alvorada, o ex-chefe do Exército contou que a versão do documento já era diferente: tinha uma fundamentação resumida e com a “decretação do estado de defesa e a criação da comissão eleitoral”.
O delegado que conduz as investigações leu a minuta de decreto encontrada na casa de Anderson Torres e perguntou se era o mesmo texto apresentado por Bolsonaro no segundo encontro. Freire Gomes confirmou se tratar do mesmo documento. O texto apreendido com Torres, possuía três páginas e tinha como objetivo reverter o resultado da eleição.
A minuta decretava estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, com o “objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022”.
A sede e demais unidades do TSE ficariam fechadas para preservação de documentos. Uma comissão iria avaliar a “conformidade e legalidade” do processo eleitoral. A Comissão de Regularidade Eleitoral seria composta por 17 membros: do Ministério da Defesa (oito pessoas), do Ministério Público Federal (dois), da Polícia Federal (dois), do Senado Federal (um), da Câmara dos Deputados (um), do Tribunal de Contas da União (um), da Advocacia-Geral da União (um) e da Controladoria-Geral da União (um).
Freire Gomes diz que, em todos os momentos, ele e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, mostraram-se contrários aos planos golpistas. O chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, teria se colocado à disposição do ex-presidente. O general disse que ele e Baptista “afirmaram de forma contundente suas posições contrárias ao conteúdo exposto e que não teriam suporte jurídico para tomar qualquer atitude. Acrescentou, também, pelo que se recorda, que o almirante Garnier teria se colocado à disposição do presidente da República”, contou Freire Gomes, segundo a PF.
O depoimento de Freire Gomes à Polícia Federal ocorreu em 1º de março e durou cerca de 7 horas. É a primeira vez que a minuta encontrada na casa de Anderson Torres em janeiro de 2023 é ligada à trama golpista de Bolsonaro.
Os dois comandantes, Freire Gomes (Exército) e Carlos Baptista Júnior (Aeronáutica) afirmaram em seus depoimentos que o ministro da Defesa do governo Jair Bolsonaro (PL), general Paulo Sérgio Nogueira, convocou os chefes militares para apresentar proposta para um golpe de Estado contra a vitória de Lula (PT) nas eleições.
A reunião com o general Paulo Sérgio ocorreu no dia 14 de dezembro de 2022 e foi tensa e, segundo os relatos feitos à PF, o comandante da Aeronáutica deixou o gabinete do ministro da Defesa antes do término do encontro. A Folha obteve acesso à íntegra dos depoimentos dos ex-comandantes à Polícia Federal.
Segundo o relato de Baptista Júnior (Aeronáutica), o ministro Paulo Sérgio Nogueira afirmou no início daquela reunião que teria uma minuta que “gostaria de apresentar aos comandantes para conhecimento e revisão”.
Baptista Júnior disse que, logo após ver o documento, questionou Paulo Sérgio: “‘Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?”. “O depoente [Baptista Júnior] entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito; que, diante disso, o depoente disse ao ministro da Defesa que não admitiria sequer receber esse documento; que a Força Aérea não admitiria tal hipótese [golpe de Estado]”, diz trecho da transcrição do depoimento.
Segundo o depoimento de Baptista Júnior, após o ministro da Defesa ser questionado sobre as intenções golpistas descritas na minuta, Paulo Sérgio permaneceu calado e nem sequer perguntou qual seria a percepção dos demais chefes militares sobre a proposta.
“O depoente, em seguida, retirou-se da sala; que a minuta estava sobre a mesa do ministro da Defesa Paulo Sérgio de Oliveira; que o almirante Garnier [então comandante da Marinha] não expressou qualquer reação contrária ao conteúdo da minuta, enquanto o depoente esteve na sala”, prossegue o termo do depoimento.