“Você percebe que é uma coisa planejada”, destacou o militar, ex-ministro da Secretaria de Governo
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, criticou a atuação na internet dos grupos bolsonaristas e do guru de Bolsonaro, o astrólogo Olavo de Carvalho.
Santos Cruz foi atacado em maio pelos apoiadores de Bolsonaro, que usaram uma entrevista antiga do militar sobre as desvantagens das redes sociais e defendeu maior controle sobre elas.
“Aquilo ali é um grupo que se comporta como uma gangue, uma gangue de rua, uma milícia digital, uma gangue de rua que se transfere para dentro da internet. Não me impressiono com isso, aquilo ali não me afeta em nada, já tive muito tiroteio real na vida, não vai ser tiroteio de internet que vai me fazer ficar preocupado”, disse o general, negando que teve uma conversa com Bolsonaro no fim do domingo, no Palácio da Alvorada, sobre o assunto.
“Isso que acontecia, esse trabalho de gangues digitais, aquilo é bem perceptível, você percebe que é uma coisa planejada”, assinalou Santos Cruz em entrevista para o jornal digital Congresso em Foco.
Ele explicou como acontece a falsificação da “milícia digital” na internet: “Um lança porque tem não sei quantos mil que seguem ele e os outros seguem. Se der para um técnico ele monta a pirâmide para você. Naquele caso foi uma coisa medíocre, pegaram um pedaço de uma entrevista, um apresentador [Danilo Gentilli] que é mais famoso, que tem muita gente que segue e deram para ele para lançar. Uma bobajada, a gente está vivendo uma época que essa tecnologia pode ser explorada por qualquer um e aí você tem coisas sem qualidade também, tem uma ferramenta fantástica para divulgação, para discussão de ideias e tem para esse tipo de trabalho de gente de baixo nível”.
O general foi demitido em 13 de junho da Secretaria de Governo após embate com o bolsonarismo. Ele informou na entrevista que desde essa época não fala com Bolsonaro.
Santos Cruz defendia critérios justos e legais para distribuição de recursos públicos entre veículos de comunicação.
Em abril, quando Bolsonaro censurou uma propaganda do Banco do Brasil e o titular da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), um certo Fábio Wajngarten, indicado por Carlos Bolsonaro, anunciou que haveria censura prévia nas propagandas das estatais, o general Santos Cruz, a quem a Secom era subordinada, anulou a ordem, pois era ilegal, de acordo com a Lei das Estatais.
Informado que o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) apresentou requerimento na CPI mista das Fake News, que investiga a divulgação de notícias falsas, para tomar seu depoimento, Santos Cruz disse que compareceria com satisfação.
“Se ele me convidar eu vou. Sempre fui, quando era ministro fui convidado. A CPI pode convidar ou convocar, você é obrigado a ir. Sempre fui de boa vontade porque acho que o Legislativo tem que ser esclarecido das coisas e é até uma honra a pessoa ser chamada para falar. Eu fui duas ou três vezes quando era ministro, é excelente o trabalho ali, tem uns que são mais radicais que outros nas questões, mas normalmente esse tipo de trabalho é de bom nível. Se eu for chamado, convidado, eu vou”, ressaltou.
Santos Cruz foi vítima de um diálogo falso em que falava mal de Bolsonaro e dos filhos.
“Houve aquele caso de uma fabricação de um diálogo falso [falando mal de Bolsonaro e dos filhos] e provavelmente é por isso que eles [os deputados da CPMI] têm essa ideia de me convidar. Isso está na imprensa, foi uma coisa medíocre, um crime de falsidade medíocre fabricado inclusive em uma hora que eu estava voando no avião da Força Aérea sem internet. Naquele dia fiz um voo de quatro horas. Tão medíocre que não tiveram a ideia de verificar minha agenda, eu estava no ar, nesse dia voei das 22h às 6h para São Miguel da Cachoeira [cidade do Amazonas]”, explicou.
O governo tem atuado contra a CPMI das Fake News através de Flávio Bolsonaro, senador pelo PSL do Rio de Janeiro, que desde a criação da comissão tem obstruído seu funcionamento. O presidente da comissão, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), foi alvo de ameaças.
Sobre a crise ambiental na Amazônia, o general elogiou o trabalho do Exército na região.
Ele disse que não adianta criticar a atuação das ONGs na região “sem saber o que elas estão fazendo e sem saber quem é bom e quem é ruim, tem que abrir uma CPI, mandar a Polícia Federal, ou o Ministério do Meio Ambiente fazer uma avaliação, uma investigação para ver quais os resultados que essas organizações estão tendo”. E ressalvou que “se algumas organizações estão lá na Amazônia, ou qualquer lugar do Brasil, operando sem controle, a responsabilidade é do Estado que está ausente, a ausência do Estado faz com que você tenha organizações que trabalhem sem direcionamento”.
Na opinião de Santos Cruz, o presidente francês Emanuel Macron “foi infeliz ali na maneira como se expressou e eu acho que uma resposta a altura era o correto, mas tem que parar por aí, não pode ampliar, tem que saber o limite desse tipo de conflito”.
O militar considerou que a ofensa de Bolsonaro à esposa do presidente francês, Briggite Macron, passou dos limites. “Quando você parte para assuntos pessoais, não pode levar nada nessa área para a questão pessoal”. “Não pode ampliar o conflito, muito menos para questões pessoais e até para outros setores porque a França é um parceiro, deve ter hoje em torno de 500 empresas francesas, se não for mais, empresas grandes no Brasil, a França tem parceria com iniciativas como construção de submarino, tudo isso”, acrescentou.
O general contou que a partir do momento em que viu a influência dos grupos olavistas no governo começou a “pensar em não prosseguir”. “O momento que eu vi que, quando começou essa influência de grupo ideológico de baixo nível, aí comecei a pensar em não prosseguir. Você vê que a qualidade daquele grupo ideológico, tem algumas pessoas ali, elas não discutem ideologia, filosofia, não discordam da sua maneira de ser, o nível baixa para ataque pessoal, comportamento de gangue. Isso aí foi a parte que comecei a já vislumbrar que não era minha área ali”, relatou.
O general Santos Cruz elogiou o quadro de funcionários com o qual trabalhou. “As pessoas com quem eu trabalhava, servidores, tanto os de carreira como os nomeados, pessoas excelentes, foi muito bom. A gente trabalhava todo dia até 20h, 21h e no outro dia estava todo mundo de manhã, alegre, bom ambiente, foi ótimo”. E destacou a experiência de ter “contato todo dia com políticos, outras organizações, você aprende muito”.
Ele defendeu o diálogo com os governadores do Nordeste, atacados por Bolsonaro recentemente. Num dos ataques, Bolsonaro chamou-os pejorativamente de “paraíbas” e orientou o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) a tratar o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), a pão e água. Na sexta-feira (18), pelas redes sociais, Bolsonaro insultou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), chamando-o de “espertalhão” por ter implantado o 13º do Bolsa Família, com recursos do Estado, antes do governo federal.
“O Nordeste é todo de oposição, a postura pública de todos eles é de oposição, seguem linha do partido, discurso de campanha e tudo isso, mas isso não impede que se tenha diálogo produtivo”, observou.
Na entrevista, Santos Cruz ainda aborda a crise de Bolsonaro com o PSL, o discurso na ONU, o processo de reestruturação da EBC [Empresa Brasileira de Comunicações] e outros temas.
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