“Chama a atenção a parte comportamental, fora da disciplina, estragar veículos, sair encapuzado. Vai contra a hierarquia, a disciplina, contra tudo”, repreendeu o ex-ministro
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz criticou o comportamento dos policiais amotinados no Ceará.
“O comportamento [deles] que a gente está vendo não é de militar”, disse o general. “Chama a atenção a parte comportamental, fora da disciplina, estragar veículos, sair encapuzado. Vai contra a hierarquia, a disciplina, contra tudo. Quem infringiu a lei que pague de acordo com a lei”, prosseguiu.
Em entrevista ao jornal El País, o ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo disse que “você não pode ser militar quando interessa e não ser quando não interessa”.
“Tem coisas como a greve, abandonar suas funções, deixar a população exposta sem segurança pública, colocar capuz para fazer suas manifestações… Eu não posso vir aqui como militar e dar uma declaração para você de capuz. O que é isso?”, questionou.
O general reconheceu que as polícias de todo o país têm sérios problemas, que vão desde o salário e estrutura à assistência à saúde mental dos policiais, mas “uma coisa é você ter um pacote de soluções, outra coisa é aceitar esse tipo de conduta”.
Mesmo após acordo fechado com o governo do estado, parte dos policiais continuou o motim e impediu que o restante trabalhasse, parando as viaturas, furando pneus e forçando os comerciantes da cidade a fecharem suas portas.
Durante o motim, houve 195 homicídios.
A média de homicídios entre 1º de janeiro e 17 de fevereiro (dia anterior ao motim) era de oito por dia. Já entre 18 e 26 de fevereiro (durante o motim), a média diária saltou para 24,5.
O senador Cid Gomes (PDT-CE) foi até Sobral, cidade da qual foi prefeito, para buscar uma solução pacífica para o impasse. Mas foi recebido com hostilidade, recebendo um soco no rosto. Ele usou de uma retroescavadeira para derrubar uma grade que impedia o trânsito dos policiais que queriam trabalhar, aplaudido e estimulado por populares que estavam do lado de fora ao seu lado.
Milicianos infiltrados no movimento dos policiais (pelo menos três) dispararam oito tiros contra o senador da República, que foi atingido no peito com dois deles. Felizmente as balas não atingiram pontos vitais, ficando alojadas no corpo do senador, que já recebeu alta e passa bem.
A comarca de Fortaleza (CE) da Auditoria Militar do Ceará determinou a prisão preventiva do ex-deputado federal Cabo Sabino (Avante-CE), um dos líderes do motim dos policiais cearenses, que está foragido. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Ceará, agentes da Polícia Civil e Polícia Militar tentam localizar o ex-parlamentar desde o fim do motim. Sabino é acusado de crime militar por liderar o motim em processo que corre sob sigilo.
MANIFESTAÇÃO CONTRA O CONGRESSO E O STF
Santos Cruz acredita que o cartaz de convocação para a manifestação contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), que usa a imagem de alguns generais, pode confundir a população, mas o Exército não está comprometido com essa agenda.
“Não tem risco nenhum [para a Democracia]. Tem confusão. Você pega quatro generais de destaque e coloca foto e uma convocação. Aquela imagem fica parecendo que você tem uma instituição que está patrocinando aquele convite, e não é”, garantiu.
Segundo Cruz, “são quatro oficiais de destaque, que já estão na reserva, que sem dúvida nenhuma não autorizaram aquilo. É muito ruim. Não cria risco, mas cria confusão na população”.
Para ele, “o mais importante é que teve reação do Legislativo, do Judiciário, teve reação social”.
Questionado se a convocação, que coloca o Exército como salvador, não poderia atrair alguns de seus membros para uma posição golpista, Santos Cruz respondeu que “não é um canto [da sereia] de Whatsapp que vai desestabilizar as Forças Armadas. Não é assim, não”.
“O importante é que a estrutura de liderança no Exército está muito em cima daqueles que têm poder de decisão. Essas pessoas têm cabeça no lugar, elas estão muito bem selecionadas e orientam a turma de baixo”.
“O pessoal não cai no canto da sereia, é preparado. Tem uma missão constitucional. Mesmo um soldado que fica só um ano no Exército tem um plano de treinamento e percebe que aquela estrutura ali é sólida”, argumentou.
O general, que foi demitido depois de atritos com a ala bolsonarista-olavista do governo, acredita que o grande número de militares no governo não significa um compromisso das Forças Armadas com Bolsonaro.
“Esse grande número de militares pode dar essa impressão para as pessoas, que não têm conhecimento institucional, de que tem um compromisso. E não tem nenhum”.
“Eu, como militar, trabalhei no governo e minha responsabilidade era individual. Não estava representando uma instituição. Pode criar confusão para um observador olhando de fora. Mesmo estando na ativa à disposição de outro poder, a responsabilidade é individual”, disse.
MILÍCIA DIGITAL
Santos Cruz foi exonerado após não aceitar a censura sobre propagandas feitas por empresas estatais e começar a ser atacado pela milícia digital bolsonarista.
Na entrevista ao El País, disse que não falou “especificamente” do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) como mandante dos ataques em uma entrevista.
“Tem gente que tem problema mental, tem gente que usa a Internet para terapia ocupacional, tem de tudo. Então hoje a gente tem que conviver com essa liberdade. Mas muita gente esqueceu que essa liberdade não elimina o Código Penal. Calúnia, injúria, difamação tudo isso continua valendo”.
Em recente quebra de sigilo de informações do Facebook mostraram que o gabinete de Eduardo Bolsonaro estava diretamente ligado a páginas que atacam opositores e propagam fake news.
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News descobriu, através de requerimento do deputado Túlio Gadelha (PDT-PE), que um e-mail institucional do gabinete de Eduardo foi usado na criação da página “Bolsofeios” no Instagram, que é do Facebook. O IP, registro na rede, foi de dentro da Câmara dos deputados.
Através da página, a família Bolsonaro ataca quem lhe convém. A página saiu do ar assim que veio a público a informação do envolvimento do gabinete do filho de Bolsonaro.
Para Santos Cruz, “se você tem pessoas em funções públicas, recebendo dinheiro público, é diferente. Mas tudo é coisa que precisa de comprovação. Estamos tratando de crime, não de política”.
“Isso aí faz parte de um comportamento de milícia radical, de gangue de rua dentro do ambiente virtual. Satisfaz a um grupo de cães raivosos. Você percebe que é uma coisa montada, um comportamento de seita”, afirmou.
Antes de integrar o governo Bolsonaro, o general Santos Cruz foi chefe de assuntos militares da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) no governo Dilma. Foi também secretário nacional de Segurança Pública na gestão de Michel Temer.
Em 2013 foi convidado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para comandar os milhares de capacetes azuis das forças de paz no Congo. Serviu no Haiti e até hoje é consultor das Nações Unidas para situações de conflito.