Homenagem aos 70 anos da morte do ex-presidente foi realizado no Cine-Teatro Denoy de Oliveira, no Bixiga. “Getúlio permanece uma necessidade da história brasileira hoje”, destacou o jornalista Beto Almeida
O Centro Popular de Cultura (CPC-UMES) realizou neste sábado, 24 de agosto, uma sessão especial do documentário “Getúlio Vargas” (1974), em homenagem aos 70 anos da morte do ex-presidente. O encontro contou com a participação de Carlos Lopes, diretor-geral do HP e vice-presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e de Beto Almeida, diretor do jornal Brasil Popular e membro da Junta Diretiva da Televisión del Sur (TeleSUR), em um debate sobre a importância do papel de Getúlio e da Revolução de 30 para a história do Brasil.
Na sessão também foi exibido um trecho do documentário “Vargas, a transformação do Brasil”, produzido pela Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini e dirigido por Beto Almeida.
Logo após a exibição, o primeiro a iniciar o debate foi Beto Almeida, agradecendo a realização do encontro, “nesse importante trabalho de manter acesa essa chama, manter acesa o que o próprio Getúlio dizia: ‘Meu nome será a vossa bandeira de luta’”.
Beto ressaltou o quanto a história de Getúlio continua sendo absolutamente necessária nos dias de hoje, para os atuais desafios que o país enfrenta. “Muitas coisas foram escondidas de nós. Um exemplo mesmo é a comoção imensa do povo com a morte de Getúlio. Milhões de proletários, humildes, trabalhadores, um Brasil inteiro chorando a morte de Vargas porque era a expressão daquele terremoto na alma do Brasil, compreendendo aquela perda enorme. E eu queria, inclusive, lembrar coisas que são frequentemente adulteradas, falsificadas em relação à Era Vargas, exatamente porque ela foi esse movimento de alavancagem do Brasil, um processo interrompido exatamente porque caminhava nessa direção”.
“O que nós costumamos ver é uma sucessão de mentiras tentando adulterar a Era Vargas e ela está aqui presente como a grande novidade. Não há nada mais moderno para o Brasil de hoje do que a necessidade do protagonismo estatal. Foi a época da regulamentação dos direitos do trabalho, da auditoria da dívida externa, da construção de ferramentas fundamentais para o desenvolvimento do país. Mas uma sucessão de mentiras tenta apresentá-lo como um ‘ditador impiedoso’. Em 1930 há uma unidade cívico-militar que a tirania midiática apresenta como golpe de estado. O que houve foi um movimento revolucionário”, afirma.
Beto Almeida avalia como “um grande erro histórico” o que ocorreu em 1935 com a tentativa de derrubada de Getúlio. “Um grande erro histórico do PCB. Era um momento muito difícil aquele, mundialmente. Era a ascensão do nazismo. Por que derrubar um governo que está fazendo uma auditoria daquele sistema? Por que derrubar um governo que está nacionalizando o subsolo, fazendo a reforma agrária? Por que derrubar um governo que estava dando início a uma série de direitos necessários, o voto feminino, o voto secreto, a Justiça Eleitoral, tudo aquilo estava iniciando ali, após o êxito da unidade cívico-militar que levou Vargas ao Catete”.
“Mas as mentiras se seguiram. Depois tentaram apresentá-lo como ‘simpático ao nazismo’. Getúlio foi o primeiro governo nas Américas a romper relações com a Alemanha de Hitler. Ele foi o único governo na América Latina a mandar tropas para lutar na Itália”.
“Getúlio permanece uma necessidade da história brasileira hoje. Permanece sendo uma atualidade vigorosa. Comecei falando na auditoria da dívida, claro, mas mais do que isso, permanece também no ponto da cultura. Porque, veja bem, o que ele criou na área da comunicação é impressionante. A Rádio Mauá, emissora dos trabalhadores, que tinha sindicatos para sua direção. A Rádio Nacional, que era a terceira mais potente emissora de rádio do mundo, transmitindo em quatro quilômetros naquela época. A Elis Regina disse, eu me tornei cantora porque escutavam a Rádio Nacional todos os dias. Declaração dela”, contou.
ROMPIMENTO COM O ATRASO
Seguindo com o debate, Carlos Lopes – que também publicou nesta data comemorativa o artigo “A herança de Getúlio é o Brasil” – destacou que, em 1930, Getúlio rompeu com o que havia de mais atrasado no país. “A Revolução de 1930 inaugurou o primeiro período de independência plena do Brasil desde o descobrimento. Foi o mais importante, mais profundo e mais fecundo acontecimento de nossa História até os dias de hoje”, considerou Carlos Lopes.
“O que nós tínhamos em 1930? Porque, até hoje, existe uma vasta escola de historiografia dizendo que o bom foi o segundo governo de Getúlio, que primeiro governo era um problema, mas isso não é verdade. O segundo governo de Getúlio foi uma extensão da política da Revolução de 30. E o que foi a Revolução de 30? O Brasil, depois do governo Floriano Peixoto, entrou numa fase de profunda estagnação, a partir dos governos da oligarquia, principalmente no governo Campos Sales. E a partir de fevereiro de 1906, com a assinatura do Convênio de Taubaté, todo o país passou a pagar os prejuízos dos cafeicultores”.
“O que era o Convênio de Taubaté? Autorização para o Governo de São Paulo contrair empréstimos no exterior com o aval do Governo Federal, e isso era pago pelo conjunto da população. A partir daí se verificou o acúmulo de estoque imenso de café que não era vendido, porque não havia mercado, nem externamente, nem internamente, para vender tanto café. Para vocês terem uma ideia, em 1929 houve um excesso de café de quinze milhões de sacas, que simplesmente não foram vendidas.”
“O governo teve que cobrar e esse empréstimo era investido na compra dos estoques de café. Eram empréstimos dos bancos ingleses. Éramos dependentes dos bancos ingleses. Foi essa espécie de dependência que a Revolução de 30, fundamentalmente, rompeu. Estancou com a sangria para os bancos ingleses”.
“E o que vemos em 1932?”, segue Carlos Lopes: “Qual era a única reivindicação da chamada ‘Revolução Constitucionalista’? A única reivindicação que os paulistas – os paulistas que eu quero dizer, os paulistas da elite – era a volta a Constituição, ou seja, da primeira constituição republicana, que era a Constituição de 1891. É a única reivindicação, porque, na verdade, já estavam marcadas as eleições para a Constituinte, em maio do ano seguinte. Então, não havia nenhum motivo para aquilo. Era fundamentalmente um movimento para derrubar o governo”, ressalta.
AVANÇOS NA ÁREA CULTURAL
O debate também contou com a participação do compositor, maestro, arranjador Marcus Vinicius de Andrade, que falou do avanço cultural vivido no país a partir de Getúlio, lembrando que, ainda em 1928, “Getúlio era deputado federal, e foi procurado por artistas, por músicos, por atrizes, atores, que não tinham proteção absolutamente nenhuma. Para se ter uma ideia, as atrizes, para exercer a profissão, precisavam fazer exames periódicos do sistema de saúde, o mesmo exame que prostitutas faziam. E Getúlio acabou com tudo isso. Regulou, criou pauta para limitar jornada de trabalho, delimitou tarefas, e criou regulamentação para o direito de autor. Já em 1928”.
“E não podemos esquecer que foi no primeiro governo de Getúlio Vargas que ele criou o Instituto Nacional do Livro. Colocou Gustavo Capanema como ministro e tinha como secretário ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade”.
“E a partir daí, criou a primeira lei de legislação de regulamentação da cota de tela, através do Instituto Nacional de Cinema Educativo, o que depois veio a ser a cota de tela. Criou regulamentos para o teatro, para o livro, para o cinema, para o exercício da profissão dos artistas. Em suma, tudo o que hoje está aí colocado como avanço na área cultural, nós tivemos no primeiro governo de Getúlio”, ressaltou, destacando que hoje, “lamentavelmente, há um retrocesso quando se fala em política pública para cultura no Brasil. Política pública para a cultura do Brasil está virando o quê? O Estado garantir a transferência de recursos públicos para empreendimentos privados”, destaca Marcus Vinicius.
JÚLIA CRUZ
Assista ao documentário: