A empresa de viagens mais antiga do mundo, a Thomas Cook, com 178 anos de operação, faliu na segunda-feira (23), deixando centenas de milhares de passageiros largados à própria sorte, encalhados em aeroportos, e provocando o maior esforço de repatriamento de britânicos em tempo de paz. Por ano, a empresa vendia 11 milhões de pacotes de viagem.
Afundada em dívidas, a Cook, que começou a operar em 1841, decretou a bancarrota após falharem todos os esforços para um empréstimo-ponte £ 200 milhões de que permitisse atravessar a estação de inverno e a finalização de um acordo de salvamento com um bilionário chinês, em meio às incertezas do Brexit. O governo de Boris Johnson lavou as mãos – um dos seus credores é o RBS, nacionalizado em 2008.
As cenas se repetiram em aeroportos do mundo inteiro, com clientes da Thomas Cook chegando com reservas de passagens que já não passavam de pedaços de papel sem valor e se sentindo ludibriados.
Em Gatwick, Londres, uma cliente, acompanhada pelo marido e filha, só soube do desastroso acontecimento ao chegar ao balcão deserto da empresa, após não ter conseguido fazer check-in na noite anterior.
“ENGANADOS”
“Reservamos três semanas atrás e pagamos cerca de € 700. Fomos enganados. Se eles sabiam que iriam fechar, não deveriam ter nos deixado comprar as passagens. Não temos onde ficar agora. Agora vou tentar pegar outro voo, espero que o seguro cubra isso”, disse ao The Guardian Ruth Caruana, que tentava voltar a Malta.
Uma ‘pessoa familiarizada com a situação’ relatou à agência britânica Reuters que os credores e detentores de títulos de dívida da Thomas Cook mantiveram o apoio durante os movimentados meses do verão, quando até 2 milhões de pessoas estavam de férias nas semanas de pico, e “depois fecharam a porta na primeira oportunidade”.
“Não era um acordo (o que os credores) queriam fazer”, disse o analista, que falou sob condição de anonimato. Em suma, os credores aproveitaram para recuperar o que podiam durante a alta temporada, e fecharam a torneira.
ENDIVIDAMENTO
A crise estava escancarada desde maio, quando a Thomas Cook teve de assumir oficialmente perda de £ 1,5 bilhão – dos quais, mais de £ 1 bilhão decorrente da fusão de 2007 com a MyTravel – mais conhecida pela marcas Airtours e Going Places.
As raízes da crise da Thomas Cook remontam à escalada especulativa pré-crash de 2008, que conduziu à desastrada fusão com MyTravel, para criar um gigante das viagens supostamente capaz de fazer frente ao crescimento das reservas de viagem online. A MyTravel só tinha dado lucro em um dos seis anos anteriores.
Na época a Cook era de propriedade alemã, como tantas outras coisas muito britânicas pós-financeirização de Madame Thatcher, como os Mini Cooper com volante no lado direito.
Como lembrou The Guardian, há 70 anos atrás, a Thomas Cook era considerada uma parte tão característica do modo de vida britânico que foi nacionalizada em 1948, após quebrar durante a II Guerra Mundial, e permaneceu em mãos públicas, como parte da British Railways, até 1972.
O colapso da Thomas Cook não se deve a que os britânicos hajam parado de tirar férias: 60% da população tirou férias no exterior em 2018, mais que os 57% do ano anterior. Mas com o fluxo de turismo para as grandes cidades suplantando as férias na praia, os grandes beneficiários têm sido a Ryanair, a easyJet e Airbnb, com reservas on-line.
Assim, a extensa rede de lojas de rua passou a ser um fardo para a Thomas Cook, com apenas um em cada sete clientes optando por uma agência de viagens de rua para fazer reservas para férias, segundo a Abta, que monitora o setor. Clientes – aponta – que tendem a ter mais de 65 anos ou serem de renda mais baixa e com menos dinheiro para gastar.
NAS CORDAS
Em 2011, a Thomas Cook já fora às cordas, com uma dívida que atingia £ 1,1 bilhão, e só sobreviveu após injeção adicional de emergência – e, portanto, mais dívida. Desde 2011, a empresa pagou de juros £ 1,2 bilhão – uma em cada quatro libras esterlinas de receita.
Em 2015, novo lampejo de esperança, quando a corporação chinesa Fosun International, que já havia assumido o controle do Club Méd francês, comprou uma participação na Thomas Cook. Em agosto deste ano, a Thomas Cook divulgou seu plano de reestruturação, que incluía a injeção de £ 400 milhões da Fosun, que passaria a controlador majoritário, e os bancos dando baixa contábil em dívidas de £ 1,7 bilhão. Como notou a Reuters, “RIP (descanse em paz) Thomas Cook: sonhos de férias levados pela maré de dívidas”.
REPATRIAMENTO DE TURISTAS
Governos europeus e africanos tiveram de ajudar no repatriamento de mais de 500 mil turistas em pânico, além de começarem como o colapso da Thomas Cook atingirá suas economias. 50 mil turistas estão presos na Grécia, 21 mil na Turquia, 15 mil em Chipre e 4,5 mil. Nos EUA, são milhares, assim como em dezenas de outros países. A maioria dos turistas é da Grã Bretanha, cerca de 150.000 pessoas, seguida por 140 mil turistas alemães.
A companhia aérea alemã do grupo, Condor, ainda está operando, com cerca de 240 mil reservas para volta à casa. A situação poderá piorar se a Condor falhar na tentativa de garantir um empréstimo-ponte de € 200 milhões do governo alemão.
A deputada espanhola Melisa Rodríguez exigiu ação imediata do governo interino em Madri, advertindo que a bancarrota da Thomas Cook pode atingir a economia espanhola e as Ilhas Canárias em particular. 525 voos da Thomas Cook deveriam chegar a aeroportos espanhóis nos próximos 15 dias, com cerca de 70% nas rotas entre Reino Unido e Espanha. Rodríguez acrescentou que 30 mil pessoas estão presas nas Ilhas Canárias e 3 mil nas Baleares.
Rodríguez alertou que o colapso pode levar à perda de milhares de empregos espanhóis, uma vez que vastas áreas do setor turístico nas ilhas espanholas dependem diretamente dos convênios com a Thomas Cook. A deputada acrescentou que 4 milhões de pessoas viajam para as Ilhas Canárias com Thomas Cook todos os anos e centenas de operadores de hotéis podem falir se não forem pagos ou sofrerem atrasos em resultado da insolvência da centenária empresa.
O governo grego se reuniu na segunda-feira para discutir o impacto financeiro do colapso da Thomas Cook. “Estamos falando de um desastre econômico, com as primeiras estimativas apontando perdas de pelo menos 300 milhões de euros”, revelou o presidente da Federação Helênica de Hoteleiros, Grigoris Tasios. “A prioridade agora é repatriar os clientes da empresa”, acrescentou. A Cook era o maior operador de férias inglês na Grécia , enviando 3 milhões de visitantes por ano para as ilhas e empregando 1.000 pessoas no local. Quase 50 hotéis gregos têm acordos de franquia com a agência de viagens.
“É um terremoto de sete países mais ricos e esperamos um tsunami”, disse Michalis Vlatakis, presidente dos escritórios e agentes de viagens de Creta, sobre as conseqüências para a ilha grega. “Não são apenas os contratos dos visitantes que chegaram e agora estão perdidos, mas todos os contratos que não se concretizarão porque as pessoas que se espera que venham até 10 de novembro simplesmente não viajarão”.
EMPREGOS EM RISCO
Autoridades turcas disseram que milhares de empregos em hotéis podem estar em risco, a menos que outro operador faça parceria com redes de hotéis turcas. “Alguns hotéis trabalhavam exclusivamente para Thomas Cook”, disse Osman Ayik, presidente da Federação Turca de Hoteleiros. “Muitos hotéis sofrerão dificuldades.”
Na Tunísia, o ministro do Turismo do país, René Trabelsi, disse que os hotéis têm a receber da Thomas Cook cerca de € 60 milhões por estadias em julho e agosto. “Vou ter uma reunião na terça-feira com a embaixada britânica na Tunísia e com os proprietários do hotel para ver como a dívida pode ser resgatada”, disse ele.
A.P.