Ele é o operador de propinas do PSDB
Estava prestes a fechar acordo de colaboração e contar sobre a quadrilha
Depois de solto por Gilmar Mendes, o primeiro ato público de Paulo Vieira de Souza, o “Paulo Preto”, operador do PSDB, foi faltar, na segunda-feira, à audiência em um dos processos a que responde, na 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
“Paulo Preto” usufrui agora da proteção de Gilmar Mendes, que usa seu cargo de ministro do STF para isso. Por que iria comparecer a uma Vara Federal, diante de uma juíza de primeira instância, se tem, ou acha que tem, costas quentes, garantidas por um ministro do Supremo?
É assim que Gilmar Mendes desautoriza e desacata a Justiça – protegendo e soltando, desde Daniel Dantas a “Paulo Preto”, passando por Roger Abdelmassih.
Porém, a procuradora Adriana Scordamaglia, diante do desrespeito, pediu outra vez a prisão de Paulo Vieira de Souza: “Deixar passar em branco tal desídia significa desacreditar que a Justiça de primeiro grau tem extremado valor para todo o sistema jurídico brasileiro”.
A juíza Maria Isabel do Prado irá decidir sobre o pedido.
Em suma, o sr. Gilmar Mendes, atual herói tucano do PT (“o país precisa de mais ministros como ele, que dignificam o Brasil”, declarou, há poucos dias, o senador Tião Viana), ministro do STF por obra de Fernando Henrique, consultor favorito (para dizer o mínimo) da quadrilha de Temer, cometeu mais um atentado contra a consciência dos brasileiros, contra o país – e, é forçoso dizer, contra a moral e os bons costumes.
A concessão de habeas corpus a Paulo Vieira de Souza – conhecido por seus comparsas como “Paulo Preto” – só tem um objetivo: impedi-lo de confessar seus crimes e denunciar os de seus mandantes.
Essa era, desde que “Paulo Preto” foi preso, no último dia 6 de abril, a maior aflição tucana.
Vieira de Souza notabilizou-se, como diretor da Dersa, a estatal rodoviária do Estado de São Paulo, por ser notório coletor de propinas, sobretudo no governo Serra.
Quando o mesmo Serra, candidato a presidente em 2010, disse na TV que nunca ouvira falar de “Paulo Preto”, o próprio Paulo Vieira de Souza disse ao jornal “Folha de S. Paulo”:
“Ele me conhece muito bem. Até por uma questão de satisfação ao país, ele [Serra] tem que responder [às acusações de que Paulo Preto era seu operador]. Acho um absurdo não ter resposta, porque quem cala consente”.
Em seguida, “Paulo Preto” disse a frase eterna:
“Não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada. Não cometam esse erro” (cf. Andrea Michael, “Ex-diretor da Dersa ataca Dilma e cobra Serra”, FSP, 12/10/2010).
Dias depois, Serra declarou que “evidentemente, sabia do trabalho do Paulo Souza, que é uma pessoa muito competente. A acusação contra ele é injusta, ele é totalmente inocente”.
Serra não conhecia o “Paulo Preto”, mas conhecia o “Paulo Souza” – este, ele garantia a sua competência e inocência… Ainda bem que “Paulo Souza” aconselhou-o a “não cometer esse erro” com “Paulo Preto”.
FOLHA CORRIDA
Isso foi há quase oito anos. De lá para cá, as investigações progrediram e se avolumaram:
1) Executivos da Odebrecht revelaram que “Paulo Preto” receptou R$ 173 milhões em propinas de obras municipais durante o período em que Gilberto Kassab – aliado de Serra, presidente do PSD, ministro de Dilma e Temer – foi prefeito da capital paulista.
2) Sobre as relações entre Paulo Vieira de Souza e José Serra, o material é abundante. Por exemplo, relatou o executivo Luiz Eduardo da Rocha Soares, responsável, dentro do “setor de operações estruturadas” (o departamento de propina) da Odebrecht, pelas empresas de fachada no exterior (offshores), usadas para passar propinas:
“No ano de 2011, estive em uma reunião com Paulo Preto, salvo engano na companhia de Benedicto Júnior [presidente da Odebrecht Infraestrutura], na DERSA (onde Paulo Preto ocupava o cargo de diretor de engenharia).
“Nessa ocasião combinamos de retirar R$ 4.000.000,00 em espécie que Paulo Preto mantinha em sua casa.
“Esse valor foi retirado da casa de Paulo Preto, no Bairro do Itaim Bibi, pela estrutura de Alvaro Novis da Hoya Corretora.
“Fiquei sabendo que esse valor pertenceria a José Serra.
“Meses depois, tive uma reunião no Rio de Janeiro com Jonas Barcelos (dono do BRASIF) e Benedicto Júnior. Nessa oportunidade, Jonas Barcelos nos passou o número de uma conta, provavelmente na Suíça para o pagamento. Por esse esquema, o dinheiro em espécie acabou sendo remetido para a conta na Suíça, cujo B.O. acredito que fosse Jonas Barcelos. Entretanto, tenho conhecimento que o valor, embora estivesse em conta de Jonas, pertenceria a José Serra” (cf. Termo de depoimento de Luiz Eduardo da Rocha Soares, Anexo 05).
Álvaro Novis era um doleiro utilizado pela Odebrecht para passar propinas para, entre outros, Sérgio Cabral, Michel Temer (PMDB), Gleisi Hoffmann (PT), Ciro Nogueira (PP) – e, também, a Serra e ao PSDB (v. Transnacional fazia a propina chegar a PT, PP, Cabral e Temer).
No mesmo depoimento, o funcionário da Odebrecht também relata:
“… entre os anos de 2006 e 2009, foram pagas vultosas quantias que acredito que se destinassem à José Serra (codinome “VIZINHO”). Foram feitos os seguintes pagamentos:
“1 – Em 2006, foram pagos € 753.989,58, à offshore Circle Technical Company Inc, de propriedade de Amaro Ramos, referentes às obras Metrô Linha 2, em conta mantida no Corner Banque S.A., de Lausanne [Suíça].
“2 – Em 2007, foram pagos € 835.142,67, à offshore Circle Technical Company Inc, de propriedade de Amaro Ramos, referente às obras do Rodoanel, em conta, mantida no Corner Banque S.A., de Lausanne [Suíça].
“3 – Em 2009, foram pagos R$ 6.250.000,00 (equivalente em euros), à offshore HTW Energy, referente à obra DERSA – Carvalho Pinto, em conta mantida no Lloyds TSB Bank PLC, de Geneve [Suíça].
“Esses pagamentos foram feitos nos moldes da rotina de funcionamento do Setor de Operações Estruturadas.
“… tomei conhecimento desse esquema pois, em 2011, fui procurado por Amaro Ramos que relatou que estava tendo problemas com o Ministério Público Suíço por conta desses pagamentos.
“Por essa razão, levantei as ordens e planilhas de pagamento que, ainda tenho arquivados comigo e posso apresentar à Força-Tarefa”.
3) O Ministério Público da Suíça revelou que quatro contas no banco Bordier & Cie, em nome da offshore panamenha Groupe Nantes S/A, tinham como “beneficiário” um certo Paulo Vieira de Souza. Somadas, essas contas tinham depósitos de 35 milhões de francos suíços, o equivalente a R$ 113 milhões. A primeira conta fora aberta em 5 de julho de 2007 e a última em 19 de janeiro de 2017. No mês seguinte – fevereiro de 2017 – o dinheiro foi transferido para o Deltec Bank and Trust Limited, sediado em Nassau, no bordel fiscal das Bahamas.
4) Porém, Paulo Vieira de Souza não atuava somente no atacado da corrupção. A força-tarefa da Operação Lava Jato provou que ele, entre 2009 e 2011, desviou R$ 7,7 milhões, “destinados ao reassentamento de pessoas desalojadas” pelo trecho sul do Rodoanel, pelo prolongamento da avenida Jacu Pêssego e pela construção da Nova Marginal Tietê. “Ao todo, 1800 pessoas foram inseridas indevidamente nos programas de reassentamento das três grandes obras”, denunciou a Procuradoria. Nenhuma dessas pessoas morava nos locais em que as obras deslocaram moradores.
Vamos parar por aqui esta lista, embora ela seja amostra bastante modesta. Se continuássemos, correríamos o risco de jamais encerrar este artigo.
ATÉ QUANDO?
Não existe dúvida – nem alguém a levantou – que “Paulo Preto” não operava para si próprio. Daí a sua frase imortal (“Não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada. Não cometam esse erro”). No máximo, ele ficava com a rebarba (ou, digamos, com uma “taxa de administração” da propina). A reação de alguns tucanos – inclusive o habeas corpus de Gilmar Mendes – não exige grande esforço de interpretação.
Mas, além disso, “Paulo Preto” ameaçou três vezes uma ex-cúmplice, Mércia Gomes, que fez acordo com a Procuradoria para revelar o esquema dos falsos deslocados (item 3 da lista acima).
Aqui, o habeas corpus de Gilmar Mendes revela, pela inanidade da fundamentação, o seu caráter.
É absolutamente ridícula a alegação de Mendes, para soltar “Paulo Preto”, de que, como Mércia pode obter benefícios ao denunciá-lo, sua acusação de que foi ameaçada tem “escasso valor probatório”.
Isso é o mesmo que conceder imunidade (e, portanto, impunidade) aos corruptos, perante qualquer denúncia que venha de alguém que firmou, ou pode firmar, uma colaboração “premiada”. Logo, toda a Operação Lava Jato teria que ser anulada.
Que esse é, há muito, o objetivo de Mendes, não resta dúvida. Daí, a sua popularidade entre os lulistas. A soltura de “Paulo Preto” apenas deixa mais exposto, ainda, se é possível, esse objetivo.
Entretanto, até agora, todas as afirmações da ex-funcionária sobre o esquema de desvio nos assentamentos foram confirmadas pelas investigações. Por que ela diria que está sendo ameaçada, se não estivesse sendo ameaçada?
Gilmar Mendes é capaz de ultrapassar quase qualquer limite. Os ministros Joaquim Barbosa (“vossa excelência está destruindo a Justiça desse país, etc.”) e Luís Roberto Barroso (“vossa excelência é uma desonra para o tribunal, etc.”) já disseram o suficiente sobre isso.
Resta, então, lembrar o que disse um dos grandes advogados da História, Marco Túlio Cícero, no ano 63 antes de Cristo, quando, eleito cônsul de Roma, denunciou a conspiração de Lúcio Sérgio Catilina:
“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?
“Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?
“A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada insolência?
“Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem o temor do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te?
“Não te dás conta que os teus planos foram descobertos?
“Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem?
“Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste?
“Ó tempos, ó costumes!”
Provavelmente, é demais comparar Catilina – que, segundo o historiador romano Salústio, tinha “caráter mau e depravado”, era “pérfido, vaidoso, simulador e dissimulador” – com Gilmar Mendes. Catilina mostrou alguma coragem em seu triste fim.
Mas a comparação que estamos fazendo não é esta, mas sim a dos sentimentos dos homens e mulheres, em todas as épocas, diante do que vai muito além do que o ser humano pode e deve suportar.
CARLOS LOPES
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Isto é Hilario.
E o pior que este ministro Gilmar mendes é Maçon, pessima imagem da maçonaria. Guilhotina nele.