O anúncio, na terça-feira (14/07) à noite, do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, de que o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, será substituído (“Tudo indica que, em um momento próximo, o presidente vai substituí-lo”), foi recebido com uma mistura de alívio, dentro e fora do Exército, misturado a um sentimento pouco comum sobre a complexidade dos quase insondáveis caminhos da política, sobretudo no Brasil deste momento.
Por pouco, depois da declaração de Mourão à GloboNews, alguém poderia dizer que Gilmar Mendes atirou no alvo errado e acertou no alvo certo. Como, também, não foi exatamente isso, lembremos o que ocorreu.
No domingo (12/07), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarara, sobre a situação do país em meio à pandemia de COVID-19, que “o Exército está se associando a esse genocídio”.
Mendes se referia ao fato de que, durante a pior situação sanitária do mundo em 102 anos, Bolsonaro, após demitir dois ministros da Saúde (os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich), mantivera o Ministério da Saúde acéfalo, tendo como “interino” o general Eduardo Pazuello, pessoa sem especialização e sem experiência na administração da Saúde, além da substituição de 24 outros profissionais de Saúde por militares da ativa, quase todos igualmente sem experiência no setor, na cúpula do Ministério.
Disse Mendes, no domingo:
“Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a Estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso.”
Gilmar Mendes, com certeza, errou ao associar o Exército, enquanto instituição, “a esse genocídio”.
Não é o Exército o responsável, mas Bolsonaro.
Porém, é evidente que “isso” – ou seja, a nomeação de militares para executar a política obscurantista de Bolsonaro – “é péssimo para a imagem das Forças Armadas”.
Nisso, Mendes, como vários oficiais-generais reconheceram, estava (e está) certo.
Tanto assim que vários desses chefes militares afirmaram que são favoráveis a que oficiais da ativa somente ocupem cargos fora da sua área no governo, se passarem para a reserva, como acontece, por exemplo, com os juízes federais, que são obrigados a deixar a magistratura para assumir cargos governamentais.
Aliás, foi mais ou menos isso – ou, pelo menos, está implícito em suas palavras – o que disse o vice-presidente Hamilton Mourão, ao comparar o caso do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que resolveu sair da ativa (Ramos é general de Exército), com o caso de Pazuello:
“Ele [Ramos] compreendeu que o ciclo dele dentro da força havia se esgotado e que era o momento de ele passar para a reserva, o que, para nós, que fomos soldados a vida inteira, é um momento doloroso. Já o caso do Pazuello é diferente, ele é interino. Está há dois meses no cargo. Tudo indica que, em um momento próximo, o presidente vai substituí-lo.”
Depois da declaração de Mendes, no domingo, o Ministério da Defesa emitira nota, expondo a atuação dos militares contra a epidemia de COVID-19: “Desde o início da pandemia, [o Ministério da Defesa] vem atuando sempre para o bem-estar de todos os brasileiros. São empregados, diariamente, 34 mil militares, efetivo maior do que o da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial, com 25.800 homens”.
É verdade – e, por essa razão, a frase de Gilmar Mendes, associando o Exército a um “genocídio” causado pela política de Bolsonaro em relação à epidemia de COVID-19, era errônea.
Mas o problema não está na política e nas ações específicas do Ministério da Defesa e das Forças Armadas contra a pandemia.
O problema está no uso, por Bolsonaro, de militares da ativa para desmontar a estrutura do Ministério da Saúde, inclusive para impor a cloroquina e outras substâncias, sem nenhuma base científica – inclusive, contra a ciência -, à custa do dinheiro público e da saúde dos brasileiros.
Independente da trajetória anterior do general Eduardo Pazuello, por mais brilhante que ela possa ter sido, é essa fama, a de alguém que se submeteu ao obscurantismo bolsonarista, que o acompanhará no futuro.
Isso é triste para um membro graduado de uma instituição que tem em Benjamin Constant o seu referencial de amor à ciência e dedicação ao estudo.
Pois, Bolsonaro, com sua estúpida ignorância, sempre foi um intruso, uma exceção aberrante, no Exército. Tanto assim que de lá saiu tão cedo e tão rápido.
O vice-presidente Hamilton Mourão reconheceu o problema, ao dizer, na entrevista de terça-feira, que “política dentro de quartel não é algo que seja saudável”.
Porém, não é outra coisa o que tentou Bolsonaro, desde a época em que foi obrigado a sair do Exército.
Nem é outra coisa o que está tentando, ao empregar oficiais da ativa no lugar de profissionais de Saúde, durante uma pandemia tão severa que já nos aproximamos dos 80 mil mortos no Brasil (quase 600 mil em todo o mundo: v. WHO, Coronavirus disease (COVID-19), Situation Report – 176, 14/07/2020).
“Não queremos trazer as forças, efetivamente, para dentro do governo. Nós não queremos a política indo para dentro dos quartéis”, declarou o vice-presidente Hamilton Mourão.
É isso, exatamente, o que foi feito no Ministério da Saúde (MS), onde foram designados, em substituição aos técnicos que antes ocupavam esses cargos:
- General Eduardo Pazuello – ministro interino da Saúde.
- Coronel Antônio Élcio Franco Filho – secretário-executivo interino do MS.
- Coronel Alexandre Martinelli Cerqueira – Subsecretário de Assuntos Administrativos do MS.
- Coronel Weber Freitas Nepomuceno – chefe da assessoria parlamentar do MS.
- Coronel Luiz Otávio Franco Duarte – subsecretário de assuntos administrativos do MS.
- Tenente-coronel Jorge Luiz Kormann – diretor de programas do MS.
- Tenente-coronel Vagner Luiz da Silva Rangel – coordenador de execução orçamentária do MS.
- Tenente-coronel Marcelo Blanco Duarte – assessor do Departamento de Logística do MS.
- Tenente-coronel Paulo Guilherme Ribeiro Fernandes – coordenador-geral de Planejamento do MS.
- Tenente-coronel Reginaldo Machado Ramos – diretor de Gestão Interfederativa e Participativa do MS.
- Tenente-coronel Marcelo Sampaio Pereira – diretor de programa da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do MS.
- Tenente-coronel Stefano Silvestro – diretor executivo do Fundo Nacional de Saúde.
- Tenente-coronel Cezar Wilker Tavares Schwab – Subsecretaria de Planejamento e Orçamento do MS.
- Major Angelo Martins Denicoli – diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS.
- Major Tiago da Silva Brilhante – diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS.
- Major Celso Coelho Fernandes Júnior – coordenador-Geral de Acompanhamento e Execução de Contratos Administrativos do MS.
- Major Ramon da Silva Oliveira – coordenador geral de Inovação de Processos e de Estruturas Organizacionais do MS.
- Capitão Paulo César Ferreira Júnior – diretor de Programa da Secretaria-Executiva do MS.
- Capitão Alexandre Magno Asteggiano – assessor do MS.
- Primeiro-tenente Laura Tiriba Appi – assessora do Secretário Adjunto.
- Tenente Mario Luiz Ricette Costa – assessor técnico da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento do MS.
- Subtenente Giovani Cruz Camarão – coordenador de Finanças do Fundo Nacional de Saúde.
- Subtenente de infantaria André Cabral Botelho – coordenador de contabilidade do MS.
- Terceiro-sargento Emanuella Almeida Silva – coordenadora de Pagamento de Pessoal e Contratos Administrativos do MS.
Após o Ministério da Defesa entrar com uma representação para que explicasse sua declaração de que “o Exército está se associando a esse genocídio” e do vice-presidente Hamilton Mourão ter declarado que, se tivesse “grandeza moral”, corrigiria essa declaração, o ministro Gilmar Mendes divulgou nota, em que considera:
“Reforço, mais uma vez, que não atingi a honra do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica. Aliás, as duas últimas nem sequer foram por mim mencionadas. Apenas refutei e novamente refuto a decisão de se recrutarem militares para a formulação e execução de uma política de saúde que não tem se mostrado eficaz para evitar a morte de milhares de brasileiros.
“Nenhum analista atento da situação atual do Brasil teria como deixar de se preocupar com o rumo das nossas políticas públicas de saúde. Estamos vivendo uma crise aguda no número de mortes pela Covid-19, que já somam mais de 72 mil. Em um contexto como esse, a substituição de técnicos por militares nos postos-chave do Ministério da Saúde deixa de ser um apelo à excepcionalidade e extrapola a missão institucional das Forças Armadas”.
Gilmar Mendes, na terça-feira, antes do vice-presidente Hamilton Mourão ter anunciado a substituição “em um momento próximo” de Pazuello, afirmara que não via problemas em sua declaração de domingo, lembrando que, na mesma “live”, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta “inclusive usou uma expressão, dizendo que, se o general que lá está é especializado em logística, talvez fosse mais especializado em balística, tendo em vista o número de mortes que ele conseguiu. Portanto, foi nesse contexto que essa conversa se desenvolveu”.
Porém, depois da declaração de Mourão, Mendes emitiu a nota, esclarecendo suas próprias declarações.
Mas, em relação a Bolsonaro, reafirmou que é falso que o STF haja tirado poder do governo federal, para dá-lo a Estados e municípios, no combate à epidemia de COVID-19:
“O Supremo na verdade não diz que os Estados são responsáveis pela saúde. Disse apenas que isso era uma competência compartilhada. Mas o presidente esquece essa parte e diz sempre que a responsabilidade seria do Supremo e dos Estados. Se de fato se quer mostrar isso do ponto de vista político, isso é um problema, e isso acaba sendo um ônus para as Forças Armadas, para o Exército, que eles estão lá, inclusive, na condição de oficiais da ativa. Foi só isso que eu disse”.
C.L.
O Ministro Gilmar Mendes, não agrediu as Forças Armadas, e não falou de Marinha e Aeronáutica, se referiu aos vinte e quatro servidores ativos do Exército portanto todos militares a frente do Ministério da Saúde e que se transformou num verdadeiro caos, isto é observado e divulgado pelos meios de comunicação não há como esconder os fatos. A verdade acima de tudo.