Corruptos fazem fila atrás da chave
Ministro armou balcão da impunidade para a legião de assaltantes do Estado
A suspensão, por Gilmar Mendes, do processo a que responde Jacob Barata Filho, o mafioso dos ônibus do Rio de Janeiro, na 7ª Vara Criminal Federal – que tem como titular o juiz Marcelo Bretas – constitui uma aberração jurídica (uma aberração teratológica, como dizem, além dos médicos, os juristas).
O motivo da suspensão do processo é, simplesmente, porque Barata não quer ser julgado pelo juiz Bretas. Sua defesa alegou que o processo, iniciado na 5ª Vara Criminal Federal do Rio, não poderia ser transferido para a 7ª Vara, do juiz Bretas – responsável pelos processos da Operação Lava Jato no Rio.
Temos, então, um réu que quer escolher a Vara em que deverá ser julgado – e, claro, o juiz.
E temos um ministro do STF, que é padrinho de casamento da filha de Barata, usando, sem a menor vergonha, a instituição maior da Justiça brasileira para dar impunidade a um bandido.
Em sua decisão, Mendes fez um pré-julgamento, totalmente inadequado, inocentando Barata em relação à sua tentativa de fuga do Brasil, no dia dois de julho do ano passado. Escreveu Mendes: “o paciente encontrava-se no aeroporto, acompanhado de sua família, com passagem de ida e volta, rumo à Portugal, país que frequenta com certa periodicidade em razão de suas circunstâncias pessoais”.
A passagem de volta somente apareceu depois. Quando Barata Filho foi preso, o que se encontrou em sua bagagem foi um documento confidencial do Banco Central (BC): a ordem para quebra de seu sigilo bancário, passado a ele por uma financeira, a Caruana Sociedade de Crédito.
Logo que recebeu esse documento, Barata Filho comprou, às pressas, uma passagem para Portugal, como mostra um e-mail enviado pela secretária dele a uma agência de turismo. O que alertou a Polícia Federal para a tentativa de fuga foi o seguinte diálogo, gravado pelos policiais, entre Barata Filho e a secretária, Raquel:
RAQUEL: E a sua viagem pra Portugal?
BARATA FILHO: Não, eu resolvi… Ir hoje à noite. Eu vou junto com a Bia.
RAQUEL: O senhor já comprou ida e volta?
BARATA FILHO: Não. Comprei ida. A volta deixa.
Bia é a filha de Barata Filho, a mesma que teve Gilmar Mendes como padrinho de casamento.
A prisão de Barata fez parte da Operação Ponto Final, que investiga uma quadrilha que movimentou R$ 200 milhões, em conluio com Cabral e outros ladrões.
Gilmar Mendes não achou que era “suspeito”, ou que estava “impedido”, para suspender o processo de Barata Filho por ser padrinho de casamento da filha do réu. Nem achou-se impedido para soltar Barata Filho quatro vezes (três em decisões individuais e a quarta na segunda turma do STF).
Naturalmente, soltou Barata Filho quatro vezes porque não é suspeito.
EXPOSTA
Na quarta-feira, dia seguinte ao que suspendeu o processo contra Barata Filho, Gilmar Mendes soltou o diretor-executivo para a América Latina da General Electric, e ex-executivo da Philips, Daurio Speranzini Junior – e mais Miguel Skin e seu sócio Gustavo Stellita, da quadrilha de Cabral.
Miguel Skin e Gustavo Stellita já haviam sido soltos por Gilmar Mendes em dezembro, mas foram, outra vez, presos no mês passado. Agora, foram soltos outra vez por Gilmar Mendes.
Iskin é o destinatário do escandaloso e-mail de Sérgio Côrtes, secretário da Saúde de Cabral, onde o último diz: “nossas putarias têm que continuar”. E Iskin responde: “o melhor a fazer seria negar tudo. Provar algo vai exigir um foco, é um tempo que esses caras não têm”.
Gilmar Mendes soltou esses corruptos no mesmo dia em que eles – e mais 21 outros – foram denunciados à Justiça, em decorrência das Operações Fatura Exposta e Ressonância.
Os acusados formaram um cartel para fraudar licitações no Instituto Nacional de Traumatologia (Into) e na Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro – ambos sob o controle de Sérgio Côrtes, um dos integrantes da “turma do guardanapo”, que, sob o comando de Sérgio Cabral e Eduardo Paes, assustaram Paris em 2009, desbragados com o próprio roubo.
Os delitos de Speranzini foram cometidos, principalmente, quando esteve à frente da Philips Medical no Brasil. Outro executivo da Philips no Brasil, Frederik Knudsen, também foi denunciado.
Iskin, dono de uma empresa chamada “Oscar Iskin”, cobrava um pedágio de 13% sobre os valores de contratos para fornecimento de próteses e órteses. Segundo o MPF, o pedágio cobrado a empresas internacionais chegava a 40%.
Uma das testemunhas, Ermano Marcheti, participante do esquema, afirmou: “o mercado sabia que nada era vendido para a saúde pública no Estado do Rio de Janeiro (Secretaria de Saúde e INTO), se não fosse através da Oscar Iskin” (cf. Denúncia, p. 37).
O dano aos cofres públicos, até aqui apurado, atinge R$ 600 milhões (seiscentos milhões de reais), em cima de próteses e aparelhos médicos (somente o total dos contratos no Into somaram R$ 1,5 bilhão).
Speranzini Junior “permaneceu atuando junto a integrantes da organização criminosa ao menos até 2015”. A GE realizou exportações para o Brasil por meio de empresas ligadas a Iskin.
Foram listadas 70 licitações fraudadas pelo cartel.
ATÉ QUANDO?
Na mão de Gilmar Mendes, encontra-se um pedido de Sérgio Cabral, condenado seis vezes, a um total de 100 anos de cadeia, com mais 20 processos ainda sem sentença, para ser solto ou para que fique em prisão domiciliar ou para que fique preso em uma sala de instituição militar.
Só o pedido já define o seu caráter: seu fundamento real é que Gilmar Mendes tem soltado os mais horripilantes bandidos. Cabral quer o seu naco nessa magistratura da tolerância. Se até um estuprador em série já recebeu, de Mendes, essa benesse… Contanto que o sujeito tenha dinheiro, Mendes sempre acha que seu lugar não é na cadeia.
Pois bem. Há, no STF, uma discussão sobre os critérios em que um juiz está impedido de julgar um processo.
Porém, de que adianta discutir tal questão, se um ministro do STF não respeita a lei, nem a jurisprudência do Tribunal, nem suas súmulas – que são obrigatórias para todos os outros juízes?
Pois o sr. Gilmar Mendes, por exemplo, soltou Orlando Diniz, membro da quadrilha de Sérgio Cabral, cliente do escritório de advocacia do qual sua mulher, Guiomar Mendes, é sócia.
Para soltar o executivo da GE e os membros da quadrilha de Cabral, na quarta-feira, Gilmar Mendes atropelou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde tramitavam pedidos de habeas corpus dos três – e o próprio STF, cuja regra é não conceder habeas corpus quando existem pedidos também no STJ.
Porém, Mendes passou por cima dessa regra.
Disse o ministro Luís Roberto Barroso que Gilmar Mendes “é uma desonra para o Tribunal”, alguém que “sozinho desmoraliza o Tribunal”.
A questão é: até quando o STF vai permitir ser desmoralizado?
CARLOS LOPES