
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, fez duras críticas à atuação de policiais militares em São Paulo após dois casos recentes de letalidade envolvendo jovens negros nas periferias da capital. Nas redes sociais, ele afirmou:
“A morte de um jovem inocente de 26 anos, voltando do trabalho, em Parelheiros/SP, e o assassinato de outro jovem de 24 anos, em Paraisópolis/SP, em circunstâncias que indicam para uma possível execução, evidenciam, mais uma vez, a necessidade urgente de reflexão sobre o tema da segurança pública em nosso país. A Constituição Federal de 1988 não admite atalhos punitivos! Nenhuma suspeita, por mais grave que seja, autoriza execuções sumárias. A Justiça só pode ser feita com base em provas e processos regulares.”
As declarações foram feitas após a morte de Igor Oliveira de Moraes Santos, baleado mesmo já rendido, e de Guilherme Dias, confundido com um criminoso enquanto corria para pegar um ônibus, ambos mortos por PMs da capital paulista.
Mendes também defendeu o uso das câmeras corporais como instrumento essencial de fiscalização e transparência: “As imagens de câmeras corporais, que teriam registrado a ação em Paraisópolis, por exemplo, reforçam a importância desses dispositivos como instrumento de controle, transparência e proteção, tanto para os agentes públicos quanto para os cidadãos.”
E reforçou a responsabilidade do Estado no respeito à legalidade: “Mas é preciso ir além: formação adequada, compromisso dos órgãos de controle e respeito aos direitos humanos. O Estado não pode adotar os mesmos métodos daqueles que pretende enfrentar. Segurança pública se faz com inteligência e respeito à legalidade.”
CÂMERAS CORPORAIS
A política de uso de câmeras corporais pela Polícia Militar de São Paulo virou campo de disputa entre interesses políticos, demandas da sociedade civil e decisões do Judiciário. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que sempre se mostrou contrário ao uso ininterrupto das câmeras, passou a defender um novo modelo em que os próprios policiais acionam os equipamentos apenas durante abordagens ou operações — uma tentativa de esvaziar o efeito fiscalizador da tecnologia.
A posição do governador vinha alinhada à narrativa de que as câmeras violavam a privacidade dos agentes, especialmente em momentos como refeições ou idas ao banheiro. No entanto, o agravamento dos casos de violência policial em SP e a repercussão negativa da alta letalidade forçaram um recuo parcial. Sob pressão de entidades de direitos humanos e decisões judiciais, o governo precisou negociar com a Defensoria Pública um novo formato.
Esse acordo prevê a substituição do modelo atual — que grava ininterruptamente todo o turno do policial — por câmeras acionadas intencionalmente pelos PMs ou remotamente pelo Copom. A proposta, contudo, ainda depende de homologação do Supremo Tribunal Federal.
A resistência ao novo modelo é ampla. A Defensoria Pública, a ONG Conectas e a plataforma Justa apontam que dar ao PM o poder de decidir quando gravar coloca em risco o controle externo da atividade policial. Eles alertam que esse tipo de mudança “ignora a realidade concreta das ocorrências de letalidade policial”, já que os episódios mais graves costumam ocorrer exatamente nos momentos não registrados.
O Ministério Público de São Paulo também se posicionou contra a adoção imediata do modelo de acionamento intencional, justamente por considerar que a gravação contínua funciona como um freio à violência e um mecanismo de responsabilização dos agentes. Embora o MP tenha admitido apoiar o novo modelo em caráter excepcional, condicionou isso à apresentação de um relatório técnico pela própria PM, que comprove a viabilidade operacional e a efetividade do novo sistema. Na prática, o MP reconhece os riscos e exige garantias antes de qualquer mudança.
A liminar do ministro Luís Roberto Barroso, ainda em vigor, impediu a substituição do modelo anterior e determinou a manutenção da gravação contínua até que se prove que o novo formato não comprometerá os direitos fundamentais. “É indispensável manter o modelo atual de gravação ininterrupta, sob pena de violação à vedação constitucional ao retrocesso e o descumprimento do dever estatal de proteção de direitos fundamentais, em especial o direito à vida”, escreveu o ministro do STF.