O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e reafirmou a decisão, já tomada pelo ministro Dias Toffoli, de suspender as investigações sobre os crimes do parlamentar e de seu motorista, Fabrício Queiroz, cometidos durante seu mandato de deputado estadual no Rio de Janeiro.
A medida é resultado das pressões que vêm sendo feitas, tanto por Flávio, quanto pela Presidência da República, para abafar os crimes do ex-parlamentar fluminense.
Jair Bolsonaro praticamente acabou com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) pelo fato do órgão ter denunciado a movimentação de R$ 7 milhões, entre 2014 e 2017, operada por Fabrício Queiroz. O Coaf revelou também a existência de um cheque de 24 mil reais de Queiroz para Michelle Bolsonaro, atual primeira dama do país.
DEMISSÕES
O chefe do Executivo demitiu o diretor da Receita Federal, Marcos Cintra, sob pretexto de divergências quanto à volta da CPMF, mas, na verdade, o motivo foi o fato do órgão estar investigando os bens de Flávio e Queiroz. Bolsonaro demitiu o superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, também pelo fato da PF estar investigando Flávio Bolsonaro. Depois de se reunir, fora da agenda oficial, por duas vezes, com o advogado de seu filho, Frederick Wassef, este último consegue finalmente que Gilmar Mendes entre na “operação abafa” e reafirme a suspensão das investigações.
No início de setembro, o senador Flávio Bolsonaro afirmava que, mesmo diante de decisão do presidente do tribunal, Dias Toffoli, paralisando as investigações sobre ele, elas prosseguiram na primeira instância.
Flávio argumenta que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) determinou, no dia 27 de agosto, a inclusão, decidida pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau de dois habeas corpus do senador na pauta de julgamentos do tribunal. Segundo a defesa do senador, os recursos não poderiam ter sido pautados diante da decisão do presidente do Supremo.
Gilmar Mendes acatou o pedido e determinou a suspensão das investigações pelo Ministério Público do Rio e da tramitação no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) de recursos relacionados ao caso, até o julgamento do tema pelo Supremo. O julgamento está previsto para novembro.
O ministro lembrou que a decisão de Toffoli abrange a suspensão em todo o território nacional até que o STF decida. E que não procede o argumento do TJ de que era preciso analisar a “similitude” do processo do senador com a decisão de Toffoli.
PERSEGUIÇÕES
Não parou por aí a decisão de abafar as investigações do caso Queiroz. Com o objetivo de intimidar o Ministério Público, Gilmar Mendes também pediu ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a apuração de possíveis irregularidades no compartilhamento de dados entre o Coaf e o Ministério Público estadual. Os órgãos negam que tenham cometido irregularidades.
“Diante da gravidade dos fatos, sobretudo no que tange ao e-mail trocado entre o Ministério Público do Rio de Janeiro e o COAF com a quebra indevida do sigilo do reclamante, determino que seja oficiado ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), para a apuração da responsabilidade funcional dos membros do MP/RJ”, afirma o ministro, na decisão.
Atropelando a prática legal que obriga o Coaf a informar às autoridades, (MP e PF) todas as irregularidades encontradas em movimentações financeiras suspeitas, Mendes decidiu, sem base legal, criticar a atuação rigorosa do órgão.
“Ressalta-se que, ao invés de solicitar autorização judicial para a quebra dos sigilos fiscais e bancários do reclamante, o Parquet estadual requereu diretamente ao COAF, por e-mail, informações sigilosas, sem a devida autorização judicial, de modo a nitidamente ultrapassar as balizas objetivas determinadas na decisão paradigma”, disse o ministro, famoso por soltar bandidos ricos e poderosos.
O que diz Mendes, aqui, é perfeitamente ilegal. Não há, na lei que criou o COAF, nenhuma previsão de pedido de “autorização judicial” – o que, aliás, tornaria ineficaz o combate à lavagem de dinheiro ilícito, por avisar os criminosos de que eles estão sob investigação, antes da própria investigação.
Literalmente, diz a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, conhecida como “lei de combate à lavagem”:
“Art. 11. § 3º O COAF disponibilizará as comunicações recebidas (…) aos respectivos órgãos responsáveis pela regulação ou fiscalização“.
E, mais claro ainda:
“Art. 15. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito.”
O motivo pelo qual não é preciso, de acordo com a lei, autorização judicial consiste em que não há quebra de sigilo, apenas transferência desse sigilo. A decisão é do próprio STF, no julgamento de cinco ações (ADIs 2386, 2390, 2797, 2589 e RE nº 601.314).
Mendes, portanto, passou por cima da lei – que está em vigor – e das decisões, que reafirmaram essa lei, do próprio tribunal de que faz parte.
HISTÓRICO
O Coaf identificou uma movimentação suspeita, inicialmente de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz entre 2016 e 2017. Quando se estendeu a investigação até 2014, esse valor chegou a R$ 7 milhões. O Coaf revelou também que na conta de Flávio Bolsonaro – em um mês, foram 48 depósitos em dinheiro, no total de R$ 96 mil.
Os depósitos, concentrados no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Assembleia Legislativa do Rio, foram feitos sempre no mesmo valor: R$ 2 mil. De acordo ainda com o Coaf, nove funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj transferiam dinheiro para a conta de Fabrício Queiroz em datas que coincidem com as datas de pagamento de salário.
Em maio houve o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio e de outras 94 pessoas e empresas ligadas ao senador do PSL. No documento, o Ministério Público do Rio afirma que encontrou indícios de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato no gabinete do filho de Bolsonaro na época em que ele era deputado estadual. O senador foi deputado estadual no Rio por quatro mandatos consecutivos.
MILÍCIAS
Recentemente mensagens contidas no telefone de uma ex-funcionária do gabinete de Flávio vieram a público e constrangeram ainda mais o senador. A funcionária era Danielle Nóbrega, mulher do miliciano foragido e integrante do “Escritório do Crime”, Adriano Nóbrega.
As mensagens apreendidas pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio, durante a Operação “Os Intocáveis”, revelaram que Fabrício Queiroz demitiu Danielle para tentar blindar Flávio Bolsonaro e evitar que se tornasse pública a vinculação do gabinete do atual senador com o criminoso de aluguel.
No mesmo dia em que veio a público a investigação por movimentações milionárias, em dezembro de 2018, Queiroz comunicou por Whatsapp a Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, ex-mulher de Adriano Magalhães da Nóbrega, o “Capitão Adriano”, chefe de milícia da Zona Oeste que ela estava exonerada do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa (Alerj).
Por mensagem de texto, Queiroz pediu à Danielle que evitasse usar o sobrenome do miliciano. Para reforçar o pedido, encaminhou uma foto, divulgada pela mídia na época, na qual ele e Flávio aparecem juntos, lado a lado, no gabinete. Queiroz explicou que o motivo era o fato de que os dois eram alvos de uma investigação.
Ou seja, Queiroz pediu para Danielle se esconder e fingir que não conhecia o miliciano com quem era casada. Ele e outros 13 milicianos estavam sendo procurados pela operação “Os Intocáveis”. Todos foram presos, menos Adriano, que está foragido até hoje.
Para o Ministério Público, os valores recebidos por Danielle na Assembleia funcionavam como uma sinecura. Não há qualquer indício de que ela, de fato, exercia as funções de assessora parlamentar. Apesar de ter ficado mais de uma década lotada no gabinete de Flávio na Alerj – 6 de setembro de 2007 a 13 de novembro de 2018 – ela nunca teve crachá na Alerj. O salário dela era de R$ 6.490,35.
A exoneração de Danielle ocorreu no mesmo dia do afastamento de Raimunda Veras Magalhães, mãe de Nóbrega, que também tinha cargo no gabinete de Flávio desde junho de 2016. Diferentemente de Danielle, a mãe do miliciano foi alvo do relatório do antigo Coaf que identificou a movimentação atípica.
São todas esses investigações que Gilmar Mendes quer impedir que prossigam.
SÉRGIO CRUZ
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