A segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu, na terça-feira, a presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffman.
A decisão foi tomada pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que alegaram “insuficiência de provas”.
O voto vencedor foi do ministro Dias Toffoli. Mendes e Lewandowski repetiram as mesmas alegações.
Toffoli, hoje seguidor da escola Gilmar Mendes, não achou que suas funções anteriores (assessor jurídico da liderança do PT na Câmara, advogado de três campanhas de Lula, subchefe para assuntos jurídicos do então ministro José Dirceu, na Casa Civil, Advogado Geral no governo Lula, além de consultor jurídico da CUT e indicado por Lula para o STF) o tornavam suspeito para julgar a presidente nacional do PT, sobretudo em um caso que envolvia o esquema de propinas armado por sua clientela anterior.
Trata-se daquele velho problema, levantado pelo grande advogado romano Marco Túlio Cícero, no ano 63 antes de Cristo: “O tempora, o mores!” (Ó tempos, ó costumes!).
Foram também absolvidos o marido da senadora, ex-ministro Paulo Bernardo e Ernesto Kugler Rodrigues – intermediário na receptação do dinheiro da Petrobrás para a campanha de Hoffmann ao Senado.
RELATÓRIO
O ministro relator do processo, Luís Edson Fachin, mostrou as provas contra Gleisi Hoffmann e Ernesto Kugler – e citou o depoimento do advogado Antônio Carlos Fioravante Pieruccini, relatando como recebia o dinheiro do doleiro Alberto Youssef, através de Rafael Ângulo, transportador de dinheiro de Youssef, e o entregava a Ernesto Kugler.
Além disso, Fachin citou o contato telefônico de Kugler com Pieruccini, durante a campanha eleitoral de 2010.
O ministro-relator observou que a quantia passada para a campanha de Gleisi Hoffmann não foi declarada à Justiça Eleitoral.
Por esta razão, Fachin preferiu propor a condenação de Hoffmann por falsidade ideológica eleitoral (artigo 350 do Código Eleitoral: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”; pena: reclusão até cinco anos).
Fachin declarou que, quanto ao crime de lavagem, quando Gleisi Hoffmann cometeu os delitos, em 2010, a legislação brasileira ainda não definia esse crime na forma atual, o que somente foi efetuado em 2012, com a reforma da Lei 9.613/1998. Por isso, propunha a sua absolvição quanto a isso.
O voto do revisor do caso, ministro Celso de Mello, respaldou inteiramente o voto do relator.
PROVAS
Em seguida, Dias Toffoli votou pela absolvição de Gleisi Hoffmann, alegando que a acusação se baseava em depoimentos de testemunhas.
Como a Procuradoria Geral da República apresentou a agenda de Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobrás) com a anotação “1.0 PB” (um milhão Paulo Bernardo), Toffoli afirmou que o documento não podia ser considerado elemento externo aos depoimentos – ou seja, não podia ser considerado prova material – porque foi “produzido unilateralmente pelo próprio colaborador”.
No entanto, nem isso é verdade. Paulo Roberto Costa não era “colaborador” quando a agenda foi apreendida.
Na denúncia – e no memorial, dirigido aos ministros da segunda turma do STF na segunda-feira – a Procuradoria Geral da República transcreveu o seguinte trecho do interrogatório do doleiro Alberto Youssef:
MINISTÉRIO PÚBLICO: Na diligência de busca e apreensão, em fases iniciais da Lava Jato, foi apreendida uma agenda com o Paulo Roberto Costa, que contém umas anotações referentes ao ano de 2010 em uma das páginas dessa agenda. Uma dessas anotações tem 1,0 PB, que, segundo Paulo Roberto Costa, seria um milhão de reais referentes a Paulo Bernardo. O senhor tem conhecimento dessa agenda? Sabe a que que isso se refere? Se se refere a essa situação dos autos ou não?
ALBERTO YOUSSEF: Nessa agenda, nesse dia, a gente fez vários batimentos de contas de recebimentos de valores que foram distribuídos na campanha. Eu acredito que a campanha não tinha nem terminado ainda ou já tinha terminado. Mas, aí, na prestação de contas, eu fui dizendo para quem foram os valores e o Paulo foi anotando.
MINISTÉRIO PÚBLICO: Certo. O senhor se recorda se esse um milhão, 1,0 PB, era referente a essa situação?
ALBERTO YOUSSEF: Era referente a essa situação, com certeza.
MINISTÉRIO PÚBLICO: PB significava o quê?
ALBERTO YOUSSEF: Paulo Bernardo.
MINISTÉRIO PÚBLICO: E por que que foi feita essa anotação? Era um controle, algum tipo de controle de prestação de contas?
ALBERTO YOUSSEF: Bom, todo dinheiro que eu recebia por parte dos contratos da Petrobras eu prestava conta desses valores tanto para o Paulo Roberto quanto para os integrantes do partido, os líderes. Então, nesse dia, com certeza, foi prestado conta ao Paulo Roberto desses valores.
MINISTÉRIO PÚBLICO: E esses valores foram debitados em alguma conta de propina? Era uma conta do PT ou era um valor que seria do Paulo Roberto? O senhor sabe? Tem esse controle?
ALBERTO YOUSSEF: Não. Esse valor saiu do dinheiro arrecadado dos contratos da Petrobrás e ele foi descontado do montante global. Simplesmente ele entrou e saiu, para o Paulo Bernardo, no caso, para a campanha da Glesi.
Como escreveu a procuradora geral da República, Raquel Dodge:
“Frise-se que essa agenda foi apreendida no início da denominada ‘Operação Lava Jato’, quando Paulo Roberto Costa nem sequer era colaborador, perfazendo, desta forma, um importante elemento de prova, que vem a complementar as declarações dos colaboradores e se ajusta perfeitamente às demais evidências carreadas aos autos, delineadas ao longo da presente narrativa” (grifo nosso).
Toffoli, no entanto, ignorou esse fato, para declarar a agenda de Paulo Roberto Costa, do ano de 2010, sem valor de prova – como se seu proprietário pudesse ter feito a anotação sobre o dinheiro para Paulo Bernardo por alguma maligna e misteriosa intenção de prejudicar Gleisi Hoffmann, oito anos antes da segunda turma do STF julgá-la.
Além disso, ao modo de um advogado de defesa, Toffoli arguiu algumas incongruências entre os depoimentos, totalmente secundárias e, inclusive, naturais – ou seja, que mostram, exatamente, que os depoimentos não foram combinados.
Por exemplo, tanto Pedro Correa [prócer do PP, que controlava a diretoria de Paulo Roberto Costa] quanto Alberto Youssef testemunharam que o dinheiro para Gleisi Hoffmann saiu do assalto à Petrobrás. No entanto, o primeiro disse que o dinheiro saiu das propinas do PP, e o segundo disse que o dinheiro saiu do montante geral, antes de serem descontadas as propinas do PP e do “esquema da casa” (isto é, Paulo Roberto Costa).
Na verdade, a diferença entre uma coisa e outra é absolutamente sem importância. Não somente porque, em ambas as versões, o dinheiro tinha origem nas propinas do assalto contra a Petrobrás – e tiveram como destino Gleisi Hoffmann.
Mas também porque subtrair o dinheiro do montante geral levava a uma diminuição do montante destinado ao PP. Por isso, Pedro Correia ficou tão indignado, como relata a procuradora geral Raquel Dodge:
“… Pedro Corrêa Neto afirmou ser um dos líderes do Partido Progressista, motivo pelo qual tomou conhecimento dos fatos em 2010, quando Alberto Youssef, em uma reunião de prestação de contas, mencionou que tinha retirado um milhão de reais do caixa do PP, a mando de Paulo Roberto Costa, para entregar a Paulo Bernardo em razão da campanha da senadora Gleisi Hoffmann.
“A situação, aliás, causou indignação na testemunha, que foi até Paulo Roberto Costa questionar o repasse de verbas, uma vez que o PT, partido a que pertenciam Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann, tinha o controle de outras diretorias na Petrobrás, as quais deveriam ter se reportado para pedir recursos.
“Em resposta, Paulo Roberto afirmou que a ajuda teria sido determinação da ex-Presidente Dilma Roussef e que deveria ser cumprida. Segundo esclareceu em seguida, o ‘caixa do PP’ era formado por valores oriundos de contratos com a Petrobrás, repassados pelas empreiteiras para o partido”.
No entanto, disse Toffoli no julgamento de terça-feira:
“Ainda que as declarações pareçam convergir em alguns pontos, as divergências acabam por reduzir-lhe a credibilidade na íntegra.”
O problema, evidentemente, é que as convergências são muito mais importantes do que as incongruências (que, a rigor, nem chegam a ser “divergências”).
Tanto assim que Toffoli preferiu essa forma de se manifestar (“reduzir-lhe a credibilidade na íntegra”), ao invés de apontar que parte do que foi dito de essencial era incompatível com essas “divergências”.
Pior, ainda, é esta parte de seu voto:
“Suprimidos os depoimentos, restam apenas elementos indiciários, como dados de registros telefônicos, que não permitem formar juízo de convicção condenatória seguro o suficiente.”
Realmente, se suprimirmos as provas (e os depoimentos são provas, sobretudo quando convergem), se considerarmos que as provas materiais – como a agenda de Paulo Roberto Costa – não têm valor (simplesmente porque pertenciam a Paulo Roberto Costa), e se consideramos que os registros telefônicos são “apenas elementos indiciários que não permitem formar juízo de convicção condenatória seguro o suficiente”, nenhum réu jamais poderá ser condenado por seus crimes.
OS REGISTROS
Sobre os registros telefônicos:
Gleisi Hoffmann, Paulo Bernardo e Ernesto Kugler negaram que este último fosse o “pegador” de dinheiro das propinas contra a Petrobrás para a campanha da presidente do PT.
No entanto, o emissário de Alberto Youssef, o advogado Antônio Carlos Pieruccini, “confirmou que, no início de 2010, Alberto Youssef pediu que transportasse valores em espécie de São Paulo a Curitiba, para serem entregues a Ernesto Kugler Rodrigues”.
Pieruccini “descreveu com riqueza de detalhes o repasse, esclarecendo que foram feitas quatro entregas de R$ 250.000,00 cada, em Curitiba, ao longo do ano de 2010, destinadas ao casal Gleisi Helena Hoffmann e Paulo Bernardo Silva, mais precisamente à campanha da primeira ao Senado”.
Mais que isso, Pieruccini “apontou com precisão os locais das entregas, em Curitiba: um escritório no POLLOSHOP, localizado na Rua Camões, 601, Alto da XV; um escritório localizado na Rua Major Vicente de Castro, 119/131, Vila Fanny; a residência de Ernesto Kugler Rodrigues, localizada na Rua Pasteur, 300, Batel; e a residência do próprio colaborador, localizada na Av. República Argente, 151/302, Água Verde”.
No entanto, em seus depoimentos, Gleisi Hoffmann, Paulo Bernardo e Ernesto Kugler negaram qualquer ligação do último com a campanha da presidente do PT.
O motivo é simples: Kugler não agia publicamente. Era um preposto de Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo, mas não havia como elaborar uma história que justificasse a sua participação.
Assim, Gleisi Hoffmann disse, em seu depoimento que “pelo que sabe, nenhum assessor manteve contatos com Kugler no período da campanha de 2010”.
Paulo Bernardo disse que “Ernesto Kugler não teve nenhuma participação na campanha de sua esposa no ano de 2010”.
E o próprio Kugler “afirmou peremptoriamente que ‘não participou da campanha’ e que ‘não teve nenhuma atuação relacionada à captação de recursos à campanha’, alegando ainda que ‘no ano de 2010, não mantinha escritório profissional na empresa PolloShop Administração LTDA’”.
O PolloShop foi um dos locais em que Pieruccini, a pedido de Alberto Youssef, entregou a Kugler dinheiro destinado a Gleisi Hoffmann.
O que revelou o registro das ligações telefônicas?
Revelou que “no pequeno período de apenas quatro meses (01/07/2010 a 31/10/2010), foram realizadas 116 ligações do telefone celular de Ernesto Kugler Rodrigues para o PT no Paraná e 29 ligações para o telefone de Ronaldo Baltazar, responsável pela administração financeira da campanha de Gleisi Hoffmann ao Senado em 2010, além de 2 ligações para a Construtora Sanches Tripoloni Ltda., cujos sócios doaram R$ 510.000,00 para referida campanha”.
Revelou, também, que “de terminais do PolloShop foram feitas 2 ligações diretamente para Gleisi Hoffmann e 2 ligações para o já citado ‘tesoureiro de campanha’ Ronaldo Baltazar”.
E, ainda, com o registro das ligações telefônicas “logrou-se identificar uma ligação realizada do telefone celular de Ernesto Kugler Rodrigues para o telefone celular de Antonio Pieruccini, no dia 3/9/2010, às 16h58”.
Pieruccini fora buscar dinheiro em São Paulo, com Youssef, para repassá-lo a Gleisi Hoffmann. Então:
“… no momento da ligação, ambos os terminais estavam em Curitiba, bem como que, no dia anterior, 2/9/2010, o telefone celular de Antonio Pieruccini encontrava-se em São Paulo”.
Qual a relação entre Kugler e Pieruccini, fora a passagem de propina para a presidente do PT?
Nenhuma.
Porém, interrogado sobre esse telefonema, Kugler não pôde negá-lo, “embora tenha singelamente dito que não se recorda o tema da conversa”.
Esses são alguns dos “elementos indiciários” que, segundo Dias Toffoli, “não permitem formar juízo de convicção condenatória seguro o suficiente”.
É óbvio que esses elementos são incriminadores, quando não mais porque Gleisi Hoffmann, Paulo Bernardo e Ernesto Kugler mentiram sobre a participação deste último.
Porém, ainda mais importante, esses elementos não existem sozinhos, como se todo o resto do processo não existisse.
Abaixo, o resumo da Procuradoria Geral da República sobre o caso:
Memorial PGR – Gleisi Hoffmann
C.L.
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