Processo por corrupção, lavagem e falsidade
Propina de R$ 1 milhão para instituir vistoria veicular de carro zero
O processo do senador Agripino Maia (Dem-RN) por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsificação de documentos, paralisado na terça-feira (08/05) pelo ministro Gilmar Mendes, ao “pedir vista”, tem aspectos muito edificantes.
Mendes “pediu vista” em uma ação que prescreve em junho (se a denúncia não for aceita pelo STF até junho, o processo será arquivado, e os culpados – inclusive Agripino – não poderão ser punidos).
O caso, desde 2010, já apareceu na imprensa várias vezes, até no “Fantástico” da TV Globo.
Além disso, o voto do relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, que aceitou a denúncia da Procuradoria Geral da República, é uma boa síntese das provas contra Agripino.
Mesmo assim, Gilmar Mendes “pediu vista”.
Para quê?
Para estudar um processo já bastante conhecido – desde 2012, inclusive publicamente?
Agripino, por sinal, já é réu no STF, por pedir e receber propina da OAS, no caso do estádio “Arena das Dunas”, em Natal – como mostraram as mensagens entre Agripino e o presidente da OAS, apreendidas no celular do último, e as planilhas apreendidas na GDF Investimentos, do doleiro Alberto Youssef, que entregava o dinheiro (cf. STF, Pet 5753, rel. ministro Luís Roberto Barroso, 06/10/2015).
Mas vejamos qual foi o processo que Gilmar Mendes paralisou na terça-feira.
Em setembro de 2010, Agripino pediu – e recebeu – R$ 1.150.000,00 (um milhão, cento e cinquenta mil reais) a George Anderson Olímpio da Silveira para “assegurar a manutenção e a execução de contrato de concessão de serviço público de inspeção veicular ambiental”, entre um consórcio de empresas e o Estado do Rio Grande do Norte.
Esse George Anderson era coordenador de um esquema de roubo no Detran/RN, mantido através de propinas – com destaque, entre os recebedores, para Agripino.
Era um esquema tão despudorado, que seus integrantes resolveram “comprar uma lei” que obrigasse todos os carros do Estado a fazer inspeção veicular – inclusive os automóveis zero km, os carros saídos da fábrica.
A propina foi tão eficiente que a lei foi aprovada sem qualquer discussão na Assembleia Legislativa e sem passar por nenhuma comissão.
Mas foi essa lei que chamou a atenção do Ministério Público Estadual para a inspeção veicular no Rio Grande do Norte – e fez com que fosse desfechada a Operação Sinal Fechado, que estourou o esquema.
Em depoimento, George Anderson, depois de firmar um acordo de colaboração, contou que foi chamado por Agripino Maia, em 2010:
“Subimos para a parte de cima da cobertura de José Agripino e começamos a conversar e ele disse: ‘É George, a informação que nós temos é que você deu R$ 5 milhões para campanha de Iberê [então governador, após a saída de Wilma Faria]’
“[Respondi:] ‘Eu dei R$ 1 milhão para campanha de Iberê.’
“Ele disse: ‘pois é, e tal, como é que você pode participar da nossa campanha?’
“Eu falei R$ 200 mil. Disse: ‘tenho condições de lhe conseguir esse dinheiro já. Estou lhe dando esses R$ 200 mil, na semana que vem lhe dou R$ 100 mil’.
“Ele disse: ‘pronto, aí vai faltar R$ 700 mil para dar a mesma coisa que você deu para a campanha de Iberê’.
“Para mim, aquilo foi um aviso bastante claro de que ou você participa ou você perde a inspeção. Uma forma muito sutil, mas uma forma de chantagem. R$ 1,150 milhão foram dados em troca de manter a inspeção.”
Além de George Anderson, confessaram a participação no esquema Alcides Fernandes Barbosa e José Gilmar de Carvalho Lopes, conhecido como “Gilmar da Montana” (o apelido vem do nome da empresa de José Gilmar, uma empreiteira de nome “Montana”).
Alcides Barbosa, um lobista de São Paulo, foi convidado para um encontro com Agripino pelo suplente deste no Senado, João Faustino Ferreira Neto, tucano muito próximo a José Serra (apesar de ser um político nordestino, foi subsecretário da Casa Civil e assessor especial de Serra quando este foi governador de São Paulo).
“Gilmar da Montana” era um dos controladores do esquema que explorava a inspeção veicular.
Todos os três depoimentos coincidem. Mas a colaboração deles precisava ser aprovada pelo STF, pois Agripino é senador, logo, detentor de foro privilegiado.
Mas aí aconteceu algo estranho, relatado pelo ministro Lewandowski na última terça-feira:
“Os autos sumiram depois de homologada a colaboração. Tive que refazer parte, com muito esforço. Isso durou vários meses, só agora pude trazer o voto.”
Ao mesmo tempo, apareceram provas ainda mais comprometedoras para Agripino – fornecidas por ele mesmo:
“… entre 10 de setembro e 31 de outubro de 2012, o senador José Agripino Maia usou, perante a Procuradoria Geral da República, documentos ideologicamente falsos, consistente em escrituras públicas nas quais George Anderson Olímpio da Silveira e um ex-parceiro comercial dele no negócio da inspeção veicular ambiental, José Gilmar de Carvalho Lopes, declararam falsamente não haverem repassado vantagens indevidas ao parlamentar e não terem conhecimento sobre algo relacionado a isso”.
Nessa época, Agripino conseguiu o cancelamento de um inquérito – até que a colaboração de George Anderson e Gilmar da Montana revelou que essas declarações, apresentadas em 2012, eram falsas.
Quando isso aconteceu, Agripino tentou outra vez o mesmo golpe:
“Em 03 de julho de 2015, José Agripino Maia, com o intuito de obter o arquivamento do Inquérito nº 4.011/DF, instaurado pelo STF, apresentou novamente à PGR documentos falsos, consistentes em declarações particulares de agiotas e de um parente do parlamentar, os quais afirmaram falsamente não terem disponibilizado os valores em espécie para repasse de propina”.
Dessa vez, Agripino fracassou em sua tentativa de cancelar o inquérito.
GRAVAÇÕES
Por fim, existem as provas documentais e periciais. Por exemplo, este diálogo, ao telefone, entre o suplente de Agripino Maia e George Anderson:
JOÃO FAUSTINO: Se lembra… se lembra, sabe, da negociação que Zé Agripino fez, sabe que…
GEORGE OLÍMPIO: Não, e afora a negociação que foi feita aqui no (…), teve uma parte que foi dada…
JOÃO FAUSTINO: Eu sei!
GEORGE OLÍMPIO: E mais, e mais 150 de, não lembro o nome daquele menino, que eu dei por último… pra ele (…), eu dei 150… com um cheque que ele pegou o dinheiro de… aquele rapaz que fica lá na TV, na Tropical?
JOÃO FAUSTINO: ah, sei! Sei, sei… o sobrinho dele, Tarcísio [Mariz Maia]… Tarcizinho…
GEORGE OLÍMPIO: Tarcísio! Tarcizinho… que vence em setembro…
JOÃO FAUSTINO: É, é…
GEORGE OLÍMPIO: Mais 150… no meu final, na última semana ele disse “George: eu preciso de você…”
JOÃO FAUSTINO: Você deu os 200… não foi?
GEORGE OLÍMPIO: Eu dei 300… em dinheiro…
JOÃO FAUSTINO: 300… em dinheiro…
GEORGE OLÍMPIO: Em dinheiro… 300…
JOÃO FAUSTINO: Aí depois… [vozes sobrepostas]
GEORGE OLÍMPIO: … deu 400… Ximbica [o agiota José Bezerra de Araújo Júnior, primeiro suplente de Agripino Maia em 2002] deu 300…
JOÃO FAUSTINO: 300, mais 150…
GEORGE OLÍMPIO: Aí na última semana de campanha ele me chamou e disse “George: eu preciso de você, 150…”
JOÃO FAUSTINO: Mais o juro…
GEORGE OLÍMPIO: Juros já vou pagando… aí agora em Brasília ele me pediu pra pagar o desse mês… (Apenso 4, fls. 125/128).
A observação do relator é que essa gravação – assim como outras – confirma o depoimento de George Olímpio, inclusive quanto às “verbas ilícitas transacionadas: 300, 400, 300, 150, valores estes que correspondem, com exatidão, àqueles que foram, segundo a narrativa do colaborador, transferidos ilicitamente ao denunciado: R$ 300 mil em espécie, R$ 400 mil por empréstimo de Marcílio [o agiota Marcílio Monte Carrilho de Oliveira, presidente do Diretório Municipal do DEM de Natal/RN], R$ 300 mil por empréstimo de Ximbica, R$ 150 mil por empréstimo de Tarcísio”.
[Para melhor entendimento do leitor: Agripino tinha o hábito de levar agiotas até George Olímpio, para que este fizesse um empréstimo e lhe repassasse o dinheiro.]
Em outra gravação (esta uma gravação ambiental, ou seja, não-telefônica), Agripino, já depois de desfechada a Operação Sinal Fechado, pergunta a George Olímpio qual o nome do promotor que está cuidando do seu caso, acrescentando: “Se você me der esse nome eu mato o assunto no nascedouro”.
O levantamento das transações bancárias pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) – sobretudo os saques, mas também os pagamentos de juros por George Olímpio aos agiotas, através de cheques – também confirmou os depoimentos contra o presidente nacional do Dem.
ANÁLISE
A decisão que corre no Supremo – e que foi paralisada pelo pedido de vista de Gilmar Mendes – é apenas sobre a aceitação da denúncia. Não é ainda o julgamento do presidente do Dem.
Ainda que existam elementos fartos para a sua condenação, o STF está decidindo apenas se o torna réu nesse processo – dando a ele, evidentemente, as garantias legais (amplo direito de defesa, direito ao contraditório, aquilo que alguns juristas, traduzindo uma expressão anglo-saxônica, chamam de “devido processo legal”).
Logo, um pedido de vista numa fase em que não se exige nem mesmo “análise aprofundada” do caso (a posição do STF é até mais radical sobre essa questão: para aceitar uma denúncia “não cabe análise aprofundada de questões atinentes ao concurso de crimes, matéria que será avaliada no julgamento de mérito”) tem todas as características de procrastinação ou – para usar uma expressão de Rui Barbosa – da prevaricação judiciária.
Depois que Gilmar Mendes pediu vista do processo, disse o relator: “Ouso lembrar que leve em consideração a proximidade da prescrição”.
O lembrete é pertinente, uma vez que, por exemplo, o ministro Toffoli pediu vista do processo sobre o direito dos servidores públicos à indenização por falta de revisão anual do salário, e levou quatro anos e meio para devolvê-lo, com o julgamento paralisado.
Gilmar Mendes garantiu que devolverá o processo de Agripino antes do prazo de prescrição.
CARLOS LOPES