MARIA DO ROSÁRIO CAETANO (*)
Nenhum filme estrelado por Gina Lollobrigida, diva do cinema italiano e planetário (morta aos 95 anos em Roma) figura entre produções marcantes na história artística do cinema. Mas sua imagem como uma das mulheres mais belas do mundo (aliás, título de filme por ela protagonizado e que lhe rendeu um David di Donatello) ficou guardada na memória de milhões de fãs.
Lollobrigida, que os franceses chamavam de Lollô, transformou-se em um dos mais duradouros símbolos eróticos do cinema nas décadas de 1950 e 1960. Graças, primeiro, às comédias italianas (destaque para “Pão, Amor e Fantasia” e “Pão, Amor e Ciúme”, ambos de Luigi Comencini). E, depois, a filmes hollywoodianos como “Trapézio” (dividido com Burt Lancaster e Tony Curtis), “O Corcunda de Notre-Dame” (na pele da belíssima cigana Esmeralda, e Anthony Quinn, como Quasímodo), “Salomão e a Rainha do Sabá” (com Yul Brynner), e o primaveril “Quando Setembro Chegar” (com Rock Hudson e Sandra Dee).
A estrela, que morreu nesta segunda-feira, 16 de janeiro, despediu-se do cinema e da fotografia para ser lembrada como ícone do celulóide. Afinal, ela atuou em quase uma centena de filmes realizados nos EUA, na França e, principalmente, na sua Itália natal.
Nos anos 1970, quando os bons papéis rarearam (pois ela já passara dos 40 e a indústria da beleza e da juventude era implacável), Lollô não se deu por vencida, nem ficou em casa chorando. Deu início a exitosa carreira como foto-repórter, correu mundos com sua câmara e realizou divertida reportagem em parceria com Orson Welles (1915-1985), pouco anos antes dele morrer. O cineasta e ator estadunidense divertiu-se a valer com a estrela italiana.
Em 1995, Gina Lollobrigida brilhou como convidada especial do Festival de Gramado – Cinema Brasileiro e Latino. Recebeu um Kikito de honra, em noite de badalação e alegria. Vestida para matar (ela já contava 77 anos), a atriz apostou em decote recortado em vestido preto, adornado com pedras semipreciosas. E complementado com joias, que amava. Para enfrentar o frio, usou estola forrada em cor das mais vistosas (rosa shock). Diva, sempre diva.
Ao agradecer o Kikito, a atriz e fotógrafa destacou sua felicidade “por estar entre tantos brasileiros e, também, italianos, pois me contaram que a maioria dos habitantes de Gramado é descendente de vênetos”. E arrematou, sedutora: “Estou feliz por receber este prêmio num país tão longe do meu, mas tão próximo ao meu coração”.
Como no cinema dos anos 1950 a beleza era moeda valorizadíssima, Hollywood caçava mulheres bonitas pelo mundo inteiro. A jovem Gina Lollobrigida chegaria à meca do cinema, primeiro em experiência frustrada, depois para valer e triunfar.
A carreira da mocinha, nascida em Subiaco, pequena cidade (de pouco mais de 8 mil habitantes) situada na província de Roma, começou como atriz de fotonovelas (lembram?), modelo e candidata a Miss. Tentou o Miss Roma e o Miss Itália. Perdeu os dois concursos. Mas não foi uma perda qualquer. No Miss Itália de 1947, ela ficou em terceiro lugar. A campeã foi Lucia Bosé, mãe do almodovariano Miguel Bosé. Em segundo lugar estava Gianna Maria Canale. Em quarto (pasmen!) a deusa Eleonora Rossi Drago, que seria a protagonista de “As Amigas”, de Michelangelo Antonioni (1955) e trabalharia com Valerio Zurlini em “Verão Violento” (1959).
As competições de beleza italianas, celeiro de rostos bonitos destinados a brilhar nas telas, eram disputadíssimas. Um deles revelaria Sophia Loren, hoje com 88 anos. Outra beleza peninsular de tirar o fôlego, Claudia Cardinale, 84, seria contemporânea de Lollô nas telas dos cinemas. Mas a chegada das duas divas italianas, Loren e Cardinale, não escantearia a linda Gina.
No começo de sua trajetória rumo ao estrelato, Lollô faria, depois de fotonovelas e pose para revistas, figuração em filmes obscuros. Aos 19 anos participou de “O Anjo Negro”, de Riccardo Freda. Seguiram-se papéis modestos em “Achtung Bandit”, de Carlo Lizzani, “A Cidade se Defende”, de Pietro Germi, e “Caruso, a Voz Legendária”, de G. Gentilomo.
Gina Lollobrigida, vejam só, até atuaria em filme intitulado “Miss Itália”, de Duílio Coletti. Mas a jovem se faria notar, por sua beleza e graça — e para valer — numa produção francesa – “Fanfan le Tulipe”, de Christian-Jaque (1951), ao lado de Gérard Philippe. No ano seguinte, mais um filme francês, “Esta Noite é Minha”, de René Clair (nova parceria com Gérard Philippe).
É verdade que a jovem que tentara a sorte em Hollywood, levada pelo produtor Howard Hughes, não se dera bem naquela primeira incursão. Decerto pelas exigências do marido e empresário, Milko Skofic, que rejeitou dezenas de papéis oferecidos à novata. Ele pensava grande.
Lollô regressou à sua Itália natal, estabeleceu parceria com os franceses e triunfou em solo europeu. Aí sim, estava preparada para reinar em Hollywood, o que aconteceria em meados dos anos 1950, quando brilhou em filmes-espetáculo como “Trapézio” (Carol Reed), “O Corcunda de Notre Dame” (Jean Dellannoy) e “Salomão e a Rainha do Sabá”, este de King Vidor.
O crepúsculo da carreira da atriz, que se daria a partir dos anos 1970/80 registra experiências que merecem destaque. Ela atuou sob o comando do polonês Jerzy Skolimowski em “Rei, Rainha e Três Corações” (1972), um ano depois de interpretar a Fada azul no instigante “As Aventuras de Pinoquio”, de Luigi Comencini. Este filme alcançou imenso sucesso na Itália, tanto em sua versão para cinema, quanto como série de TV.
Na década de 1990, Lollô atuou ao lado de Gérard Depardieu em “XXL”, de Ariel Zeitoum. E, em 2017, participou do documentário “Sophia Loren, um Destino Particular”, de Julia Bracher, produção francesa de apenas 50 minutos. Ajudou a enriquecer um filme que narrou a trajetória de La Loren, de Nápoles a Hollywood. Não havia, portanto, rivalidade entre as duas divas peninsulares.
FILMOGRAFIA
Alguns longas-metragens com Gina Lollobrigida (Província de Roma – 04/07/1927 – Roma – 16/01/2023)
1950 – “Miss Itália”, de Duílio Coletti
1951 – “Fanfan Le Tulipe”, de Christian-Jaque (com Gérard Philippe)
1952 – “Esta Noite é Minha”, de René Clair
1952 – “La Provinciale”, de Mario Soldati
1953 – “Pão, Amor e Fantasia” , de Luigi Comencini
1953 – “O Diabo Riu por Último”, de John Huston (com Humphrey Bogart)
1954 – “Pão, Amor e Ciúme”, de Luigi Comencini
1955 – “A Mulher Mais Bela do Mundo”, de Robert Z. Leonard (com Vittorio Gassman)
1956 – Trapézio, de Carol Reed
1956 – “O Corcunda de Notre Dame”, de Jean Delannoy
1958 – “Ana do Brooklin”, de Vittorio de Sica e Carlos Lastricati
1959 – “Salomão e a Rainha do Sabá”, de King Vidor
1959 – “A Lei dos Crápulas”, de Jules Dassin (com Yves Montand e Marcello Mastroiani)
1961 – “Quando Setembro Vier”, de Robert Mulligan
1962 – “Vênus Imperial”, de Jean Dellanoy (que lhe rendeu os prêmios Donatello e Nastro d’Argento de melhor atriz)
1965 – “Amor à Italiana”, de Melvin Frank (com Rock Hudson)
1969 – “Um Belo Novembro”, de Mauro Bolognini
1971 – “As Aventuras de Pinóquio”, de Luigi Comencini (Lollô interpretou a Fada Azul)
1972 – “Rei, Rainha e Três Corações”, de Jerzy Skolimowski
1997 – “XXL”, de Ariel Zeitoum (Com Gérrad Depardieu)
(*) Publicado originalmente em Revista de Cinema.