
Presidente nacional da legenda reagiu aos incômodos verbalizados pelo ministro da Fazenda às críticas feitas por integrantes do partido
A presidente do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) respondeu ao ministro Fernando Haddad que, em entrevista ao jornal O Globo, nesta terça-feira (3), afirmou que o partido celebra os resultados, como juros e taxas de emprego, mas que ainda assim “está tudo errado” e que “tem que mudar tudo”.
Haddad afirmou que “não dá para celebrar Bolsa, juros, câmbio, emprego, risco-país, PIB que passou o Canadá, essas coisas todas, e simultaneamente ter a resolução que fala ‘está tudo errado, tem que mudar tudo’”, sem mencionar o nome de seus críticos dentro do partido.
Ao negar as declarações do ministro sobre as críticas por parte da legenda, também em entrevista ao O Globo, Gleisi esclareceu que o partido não acha que “está tudo errado” nas ações de Haddad e afirmou ser um “direito do partido” fazer alertas.
“É um direito do partido e até um dever fazer esses alertas e esse debate, isso não tem nada de oposição ao ministro e nem a reiterando que há preocupação com uma política fiscal contracionista”, afirmou.
A política contracionista a que se refere a parlamentar tem sido defendida por Haddad e é conhecida pelo nome de déficit zero, implicando que as despesas com gastos primários (saúde, educação, segurança, programas sociais, entre outras importantes ações), somados aos investimentos públicos, não podem superar, anualmente, a arrecadação federal.
Os gastos astronômicos do Tesouro com a rolagem da dívida pública, agravados cronicamente por juros reais exorbitantes, entre os maiores do mundo, não são considerados nessas contas para deleite dos bancos e rentistas em geral.
Na prática, levando-se em conta o histórico desses gastos e, mesmo diante de investimentos públicos acentuadamente travados pelos juros alucinantes praticados pelo Banco Central (BC), a política de déficit zero só será possível diante de cortes em áreas sociais sensíveis, como saúde, educação, ciência e tecnologia, meio ambiente, defesa, entre outras.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao demonstrar ceticismo com a viabilidade dessa política defendida por Haddad, afirmou, em entrevista coletiva no final de 2023, que “tudo que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal a gente vai fazer. Mas ela não precisa ser zero (…) Não posso começar o ano fazendo corte de bilhões em obras prioritárias para o país”, reiterando críticas à postura do mercado que, segundo ele, “muitas vezes é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”, completou.
IRONIA DO MINISTRO
Em sua entrevista contestada pelas lideranças do PT, Haddad tratou de forma irônica as críticas que tem recebido de lideranças de seu partido.
“Nos cards de Natal, o que aparece é assim: a inflação caiu, o emprego subiu. Viva o Lula! Meu nome não aparece. O Haddad é um austericida”, ironizou.
O ministro referia-se à resolução política aprovada pelo PT no encontro realizado em dezembro do ano passado, segundo a qual o Brasil precisa “se libertar urgentemente da ditadura do Banco Central ‘independente’ e do ‘austericídio fiscal’” como elementos decisivos para a economia voltar a se desenvolver.
LINDBERGH CONTESTA
Também em entrevista ao O Globo nesta terça-feira (2), o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) contestou o argumento utilizado por Haddad ao afirmar que a resolução política do partido, “pelo contrário”, reconhece que “o governo teve muitos acertos na área econômica, mas o déficit zero não é um deles”.
“Quando o PT aponta preocupações e desafios não é para fazer oposição ao ministro Haddad, mas para chamar atenção sobre problemas que poderemos ter com uma política fiscal contracionista”, declarou o parlamentar fluminense, defendendo que governo deve perseguir “a meta de crescimento médio de 4% ao ano”, esclareceu.
Lindbergh já havia citado uma postagem de Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI, sobre o risco de “graves recessões” no caso da eliminação dos déficits primários. “Blanchard não é de esquerda, é um liberal e hoje considerado um dos maiores macroeconomistas do mundo. Ele fala do risco político de tentar reverter déficits em superávits de forma abrupta e levar a desaceleração econômica e vitória de governos de extrema direita. Não brinquemos com fogo”, escreveu à época o deputado.
O deputado federal Rui Falcão (SP), que foi presidente do PT por sete anos, também aliou-se a Gleisi e Lindbergh nas críticas à política de déficit zero defendida por Haddad.
“Estou ao lado de Lindbergh e da presidente Gleisi (Hoffmann) nesta questão do déficit zero (que ninguém acredita). Começam ‘apertando parafusos’ e o próximo passo é apertar os cintos das classes trabalhadoras. Vamos lutar por metas de crescimento e lembrar que nosso programa prevê União, Reconstrução e transformação. Até porque para reconstruir precisa se transformar”, afirmou o líder petista em suas redes sociais.
ECONOMISTAS APONTAM ‘DOGMA’ NO DÉFICIT ZERO
Em carta aberta divulgada por ocasião das declarações de Lula sobre a proposta do déficit zero, economistas do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD) saíram em defesa da Lula, em clara oposição a Haddad, classificando como um “dogma” a obsessão de setores da mídia e do mercado nas metas de superávit primário.
Os economistas ressaltaram a importância da defesa feita pelo presidente dos investimentos públicos o que, segundo eles, “espelha o seu compromisso com o bem-estar e a prosperidade da população brasileira, em especial sua parcela mais desfavorecida”.
O IFFD argumenta que não tem lógica subordinar o desempenho econômico do país a uma meta orçamentária abstrata: “Defendemos uma abordagem orçamentária que esteja alinhada com os objetivos de promover o bem-estar social e o desenvolvimento inclusivo e sustentável. As metas desse governo, pactuadas politicamente, devem ser as do crescimento, do emprego, da assistência social, da melhoria do ensino, da saúde, das condições do meio ambiente. Aos economistas cabe oferecer ao governante as melhores alternativas para atingir essas metas que são muito concretas e afetarão de forma muito positiva a sociedade”.
Outro economista que balizou a proposta de Haddad foi o ex-ministro Bresser Pereira, contestando os setores que tentam justificar a defesa do déficit zero como forma de baixar a inflação. “Mas a meta de inflação é 3,25%. Com tolerância, é de 4,75%, e a perspectiva de inflação para este ano é de 4,86%. Estamos muito próximos da meta”, frisou.
Bresser Pereira lembrou que, nos Estados Unidos, o déficit público em relação ao PIB é de 8,20%. Na zona do Euro, 3,6%. “Não estou propondo que o Brasil tenha um déficit público semelhante ao da Zona Euro, mas um déficit fiscal zero definitivamente não faz sentido”, sustentou.