Em memorial dirigido aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que começam, nesta terça-feira, 19, a julgar a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, a procuradora geral da República, Raquel Dodge, afirma:
“A senadora, expoente de seu partido político, locupletou-se dolosamente de todo um esquema de ilegalidades praticados na Petrobrás e, também por isso, deixou de cumprir com seu dever de fiscalização.
“Tanto é verdade que o dolo se encontra presente que foi necessário todo um esquema de pagamento por fora de sistemas bancários ou eleitorais oficiais. Se os acusados ao menos achassem que seu atuar era lícito, teriam optado por transferências bancárias ou doações oficiais e não pelo estratagema adotado de pagamentos em espécie após viagens, mais caro e perigoso”, diz a procuradora geral.
Raquel Dodge resume os acontecimentos (se o leitor preferir, clique aqui para ler a íntegra do memorial):
“… no início do ano de 2010 (ano de eleições gerais), Paulo Roberto Costa, então Diretor de Abastecimento da Petrobrás, recebeu solicitação de Paulo Bernardo Silva de repasse de vantagens indevidas, para serem destinadas ao custeio da campanha da esposa dele, Gleisi Helena Hoffmann, ao Senado.
“O desempenho desta função por Paulo Bernardo Silva, como um verdadeiro ‘operador’ de sua esposa – inclusive valendo-se da importância do Ministério então por ele ocupado, exatamente como dito por Paulo Roberto Costa [ex-diretor da Petrobrás] e [pelo doleiro] Alberto Youssef, que o apontaram como solicitante da vantagem indevida em favor da denunciada, além de ter vindo à tona em outra investigação – foi corroborado por Delcídio do Amaral Gomez [ex-líder do PT no Senado] e Ricardo Ribeiro Pessoa [dono da empreiteira UTC].
“… Pedro Corrêa Neto afirmou ser um dos líderes do Partido Progressista, motivo pelo qual tomou conhecimento dos fatos em 2010, quando Alberto Youssef, em uma reunião de prestação de contas, mencionou que tinha retirado um milhão de reais do caixa do PP, a mando de Paulo Roberto Costa, para entregar a Paulo Bernardo em razão da campanha da senadora Gleisi Hoffmann.
“A situação, aliás, causou indignação na testemunha, que foi até Paulo Roberto Costa questionar o repasse de verbas, uma vez que o PT, partido a que pertenciam Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann, tinha o controle de outras diretorias na Petrobrás, as quais deveriam ter se reportado para pedir recursos”.
DILMA
“Em resposta, Paulo Roberto afirmou que a ajuda teria sido determinação da ex-Presidente Dilma Roussef e que deveria ser cumprida. Segundo esclareceu em seguida, o ‘caixa do PP’ era formado por valores oriundos de contratos com a Petrobrás, repassados pelas empreiteiras para o partido.
“Paulo Bernardo Silva, por sua vez, encarregou o denunciado Ernesto Kugler Rodrigues de realizar os contatos necessários para operacionalização do pagamento, sobretudo com Alberto Youssef, bem como de receber os valores, para destinação à campanha eleitoral de Gleisi Helena Hoffmann.
“No curso do Inquérito que embasa a denúncia, Alberto Youssef recordou-se de que as entregas foram feitas a Ernesto por Antônio Carlos Pieruccini, o que restou confirmado com o avanço das investigações e admitido, inclusive por ele próprio.
“Antônio Pieruccini confirmou que, no início de 2010, Alberto Youssef pediu que transportasse valores em espécie de São Paulo a Curitiba, para serem entregues a Ernesto Kugler Rodrigues. O colaborador descreveu com riqueza de detalhes o repasse, esclarecendo que foram feitas quatro entregas de R$ 250.000,00 cada, em Curitiba, ao longo do ano de 2010, destinadas ao casal Gleisi Helena Hoffmann e Paulo Bernardo Silva, mais precisamente à campanha da primeira ao Senado.
“Apontou com precisão os locais das entregas, em Curitiba: um escritório no POLLOSHOP, localizado na Rua Camões, 601, Alto da XV; um escritório localizado na Rua Major Vicente de Castro, 119/131, Vila Fanny; a residência de Ernesto Kugler Rodrigues, localizada na Rua Pasteur, 300, Batel; e a residência do próprio colaborador, localizada na Av. República Argente, 151/302, Água Verde”.
A procuradora geral da República transcreve um trecho do interrogatório do doleiro Alberto Youssef:
MINISTÉRIO PÚBLICO – Na diligência de busca e apreensão, em fases iniciais da Lava Jato, foi apreendida uma agenda com o Paulo Roberto Costa, que contém umas anotações referentes ao ano de 2010 em uma das páginas dessa agenda. Uma dessas anotações tem 1,0 PB, que, segundo Paulo Roberto Costa, seria um milhão de reais referentes a Paulo Bernardo. O senhor tem conhecimento dessa agenda? Sabe a que que isso se refere? Se se refere a essa situação dos autos ou não?
ALBERTO YOUSSEF – Nessa agenda, nesse dia, a gente fez vários batimentos de contas de recebimentos de valores que foram distribuídos na campanha. Eu acredito que a campanha não tinha nem terminado ainda ou já tinha terminado. Mas, aí, na prestação de contas, eu fui dizendo para quem foram os valores e o Paulo foi anotando.
MINISTÉRIO PÚBLICO – Certo. O senhor se recorda se esse um milhão, 1,0 PB, era referente a essa situação?
ALBERTO YOUSSEF – Era referente a essa situação, com certeza.
MINISTÉRIO PÚBLICO – PB significava o quê?
ALBERTO YOUSSEF – Paulo Bernardo.
MINISTÉRIO PÚBLICO – E por que que foi feita essa anotação? Era um controle, algum tipo de controle de prestação de contas?
ALBERTO YOUSSEF – Bom, todo dinheiro que eu recebia por parte dos contratos da Petrobras eu prestava conta desses valores tanto para o Paulo Roberto quanto para os integrantes do partido, os líderes. Então, nesse dia, com certeza, foi prestado conta ao Paulo Roberto desses valores.
MINISTÉRIO PÚBLICO – E esses valores foram debitados em alguma conta de propina? Era uma conta do PT ou era um valor que seria do Paulo Roberto? O senhor sabe? Tem esse controle?
ALBERTO YOUSSEF – Não. Esse valor saiu do dinheiro arrecadado dos contratos da Petrobrás e ele foi descontado do montante global. Simplesmente ele entrou e saiu, para o Paulo Bernardo, no caso, para a campanha da Glesi.
Diz a procuradora:
“Frise-se que essa agenda foi apreendida no início da denominada ‘Operação Lava Jato’, quando Paulo Roberto Costa nem sequer era colaborador, perfazendo, desta forma, um importante elemento de prova, que vem a complementar as declarações dos colaboradores e se ajusta perfeitamente às demais evidências carreadas aos autos, delineadas ao longo da presente narrativa.
“A indicação da sigla ‘PB’ em meio a siglas que se referem a candidatos nas eleições de 20107 é eloquente quanto à confirmação de que a solicitação de propina adveio de Paulo Bernardo Silva e de que as vantagens indevidas se destinavam à campanha de Gleisi Helena Hoffmann, já que aquele não disputou tal pleito e era o operador da arrecadação de recursos em favor desta”.
SEGUNDA TURMA
Gleisi Hofmann será julgada pela segunda turma do STF, composta pelos ministros Luís Edson Fachin, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
São réus nesse processo, além da presidente do PT e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, Ernesto Kugler, encarregado de pegar o dinheiro de propina com o emissário de Alberto Youssef.
O caso de Kugler é dos mais significativos. Oficialmente, ele não teve qualquer contato com a campanha de Gleisi ao senado – nem tinha vínculo público com Gleisi e Paulo Bernardo.
Por isso, Kugler “afirmou peremptoriamente que ‘não participou da campanha’ e que ‘não teve nenhuma atuação relacionada à captação de recursos à campanha’, alegando ainda que ‘no ano de 2010, não mantinha escritório profissional na empresa PolloShop Administração LTDA’.
“Gleisi Helena Hoffmann, na mesma linha, afastou qualquer ligação” de Kugler “com sua campanha, aduzindo que ‘pelo que sabe, nenhum assessor manteve contatos com Kugler no período da campanha de 2010’.
“Paulo Bernardo Silva igualmente alegou que Ernesto Kugler não teve nenhuma participação na campanha de sua esposa no ano de 2010”.
Essa série de mentiras foi desmontada pelo trabalho da Polícia Federal:
“… planilhas [do levantamento policial] revelam que, no pequeno período de apenas quatro meses (01/07/2010 a 31/10/2010), foram realizadas 116 ligações do telefone celular de Ernesto Kugler Rodrigues para o PT no Paraná e 29 ligações para telefone de Ronaldo Baltazar, responsável pela administração financeira da campanha de Gleisi Helena Hoffmann ao Senado em 2010, além de 2 ligações para a Construtora Sanches Tripoloni Ltda., cujos sócios doaram R$ 510.000,00 para referida campanha” (grifo da procuradora).
“Se não bastasse, tem-se que os mesmos documentos revelam que de terminais do POLLOSHOP foram feitas 2 ligações diretamente para Gleisi Helena Hoffmann e 2 ligações para o já citado ‘tesoureiro de campanha’ Ronaldo Baltazar” (grifo da procuradora).
“Arrematando a corroboração das declarações dos colaboradores, logrou-se identificar uma ligação realizada do telefone celular de Ernesto Kugler Rodrigues para o telefone celular de Antonio Pieruccini [o emissário de Youssef, que levava o dinheiro da propina], no dia 3/9/2010, às 16h58.
“Logrou-se identificar, ainda, que, no momento da ligação, ambos os terminais estavam em Curitiba, bem como que, no dia anterior, 2/9/2010, o telefone celular de Antonio Pieruccini encontrava-se em São Paulo.
“O próprio Ernesto Kluger, em juízo, confirmou o telefonema, embora tenha singelamente dito que não se recorda o tema da conversa”.
Raquel Dodge, por fim, aponta que Gleisi Hoffmann, além de receber propina e lavar o dinheiro roubado, perpetrou ato de ofício por omissão, “porquanto, como todo e qualquer parlamentar, detinha o poder-dever previsto no art. 70 da Constituição Federal, de fiscalizar os atos praticados por órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, inclusive a Petrobrás”.
C.L.