Segundo o jornal sul-coreano Hankyoreh, o presidente afastado Yoon Suk-yeol, que acaba se ser preso sob acusação de tentativa de golpe de Estado em dezembro passado, via decretação ilegal de lei marcial e fechamento da Assembleia Nacional, é o “homem de Biden” em Seul e seu “desprezo pelas instituições democráticas e crescente desafio à lei estão diretamente relacionados ao apoio inequívoco que recebeu de Washington”.
Na quarta-feira, depois de cinco horas e meia de operação conjunta polícia e do Escritório de Investigação de Corrupção para Oficiais de Alto Nível (CIO) com 200 agentes da lei e 40 investigadores para fazer cumprir o mandado de prisão expedido por um tribunal contra ele, finalmente o golpista compareceu perante a lei, devidamente escoltado, e sempre se dizendo “vítima de uma ilegalidade”. As forças policiais precisaram ultrapassar três linhas de barricadas em torno da residência.
Tentativa anterior de fazer cumprir o mandado de prisão, em 3 de janeiro, havia falhado, diante do confronto de cinco horas com 200 bate-paus a serviço do golpista.
Os principais colaboradores de Yoon no golpe, o ex-ministro da Defesa Kim Yong-hyun, o chefe do Comando de Contrainteligência da Defesa Yeo In-hyeong e o chefe do Comando de Defesa da Capital Lee Jin-woo já estão presos e aguardando julgamento.
Em dezembro, o parlamento sul-coreano aprovou a abertura do processo de impeachment de Yoon e a Corte Constitucional tem 180 dias para decidir sobre a questão. 204 deputados votaram a favor da destituição e 85 contra, com 2 milhões de coreanos portando bastões de luz, velas e faróis formando um mar luminoso ao redor da Assembleia Nacional em apoio à destituição.
Como destacou o jornal Hankyoreh, a prisão de Yoon vinha sendo exigida dia após dia pela população sul-coreana, enfrentando temperaturas baixas e tempestades de neve congelantes, enquanto Yoon se mantinha entrincheirado em sua residência, cercado por barricadas e jagunços.
250 DIAS DE PROVOCAÇÕES CONTRA O NORTE
Uma parte das investigações sobre os fatos do 3 de dezembro é se Yoon tramou provocar uma guerra com a Coreia do Norte, para justificar seu golpe e sua lei marcial, com planos de bombardear o local de onde partiam os balões com lixo e estrume, enviados em resposta a provocações anteriores do regime com ofensas aos líderes norte-coeranos
No relato do Hankyoreh, a tentativa de golpe de Yoon do dia 3 de dezembro culminou “mais de 250 dias de jogos de guerra [contra a Coreia do Norte] intencionalmente desestabilizadores liderados pelos EUA e meses de protestos massivos de cidadãos exigindo sua renúncia”. O presidente profundamente impopular colocou sua nação “sob lei marcial pela primeira vez desde 1979, enviando tropas armadas com ordens de arrombar portas e arrastar legisladores para fora, se necessário, de acordo com uma acusação apresentada pelos promotores, e cercar a Assembleia Nacional para impedir que os legisladores se reunissem para revogar o decreto”.
FANTOCHE DE BIDEN
O Hankyoreh se debruçou sobre o papelão que Yoon vinha cumprindo, para atender Washington. “Assim, Yoon — que representou seu país cantando bajuladoramente ‘American Pie’ para seus amos durante um jantar de estado na Casa Branca — promoveu obedientemente o ‘eixo de guerra’ trilateral liderado pelos EUA, facilitando jogos de guerra ininterruptos liderados pelos EUA e aumentando as tensões com Pyongyang enquanto perseguia seus críticos domésticos como ‘comunistas’ e ‘forças antiestatais’.
A motivação de Yoon para sua insurreição fracassada está na “crise contínua de legitimidade enfrentada por seu governo fantoche, que avidamente concordou com todas as demandas feitas por seus ‘aliados’ americanos e japoneses, ao mesmo tempo em que zomba da autodeterminação coreana e ignora os interesses da nação que jurou defender”.
Desde que assumiu o poder em 2022, após vencer a presidência por uma margem mínima de 0,7 pontos, Yoon tem trabalhado ativamente para minar a própria base da independência e democracia coreanas de volta às suas raízes durante o período brutal da colonização japonesa na Segunda Guerra Mundial.
O Hankyoreh denunciou ainda que o ex-chefe do serviço de promotoria da Coreia Yoon procurou diligentemente criar uma “república de promotoria” processando a mídia, organizações femininas, trabalhadores, sindicatos e organizações de paz — em suma, todo e qualquer um que criticasse suas políticas.
VICE DE BLINKEN PROPÔS NOBEL DA PAZ PARA YOON
O apoio de Washington a Yoon chegou ao ridículo de o vice-secretário de Estado, Kurt Campbell, defender sua indicação ao Prêmio Nobel da Paz, por seu papel contra as “autocracias”.
Para o jornal, o avanço agressivo de Washington no Leste Asiático — e o papel estratégico da Coreia do Sul como a principal guarnição dos EUA enfrentando a China — encorajou Yoon a ponto de não apenas erradicar qualquer aparência de oposição, mas também tentar se instalar como ditador.
Yoon, sem imaginação, mas obstinadamente, acrescentou o Hankyoreh, “pegou emprestado do manual da era McCarthy de Washington para enquadrar qualquer oposição doméstica como uma ameaça existencial pró-comunista, dividindo a nação em ‘cidadãos patrióticos’ e ‘forças antiestado’ e armando a paranoia da Guerra Fria para ganho pessoal e político. Seu pretexto oficial para declarar lei marcial — ou seja, lutar contra o comunismo e defender o ‘mundo livre’ — está perfeitamente alinhado com a propaganda indo-pacífica de Washington”.
Seu golpe abortado, desafio contínuo à lei e instigação à insurreição e empurrar a Coreia para a beira da guerra civil são simplesmente as últimas extensões lógicas do “compromisso inflexível de Washington com a Coreia do Sul” de 70 anos (leia-se: domínio de punho de ferro da política e independência coreanas), observou o jornal sul-coreano.
O principal deles – acrescentou – é a promoção de Washington de “autocratas bajuladores pró-americanos que prostrarão sem reservas os interesses coreanos diante das ambições geopolíticas dos EUA, mesmo ao custo de destruir os próprios fundamentos da democracia na Coreia”.
OTAN ASIÁTICA
Agora, a principal preocupação de Washington com o golpe abortado de Yoon, sublinhou o Hankyoreh, é evitar que a crise política resultante tenha “um impacto negativo na tão desejada “aliança” militar trilateral Japão-Coreia-EUA (JAKUS) que ele cultivou meticulosamente como a pedra angular dos preparativos liderados pelos EUA para a guerra contra a China”.
Há muito resistido por administrações sul-coreanas anteriores, esse acordo foi finalmente implementado sob Yoon, apesar das objeções vociferantes de um público coreano cauteloso em ser ainda mais induzido à política temerária anti-China de Washington, assinalou o jornal.
Para o analista, é altamente desvantajoso para Seul em praticamente todos os aspectos, colocando-a em desacordo econômico e militar com Pequim e colocando as tropas sul-coreanas na linha de frente de qualquer conflito regional significativo no Leste Asiático.
“Vai ainda mais longe ao abrir caminho para o envio de tropas sul-coreanas para qualquer conflito global escolhido por Washington, e atinge o cerne das sensibilidades sul-coreanas ao abrir a pátria coreana, já o maior posto militar ultramarino dos Estados Unidos, para o envio de tropas japonesas em caso de guerra.”
A última disposição, um tópico particularmente sensível na Coreia do Sul, dado o legado brutal de ocupação militar do Japão e sua escravidão e abuso de coreanos, no século passado, foi carimbada despreocupadamente por Yoon, apesar da oposição pública massiva.
“NOVA ERA”, DISSE BLINKEN
O legado de Yoon de acomodação aquiescente a todos os caprichos de Washington — não importa quão impopulares ou ilegítimos — levou Antony Blinken a declarar que ele havia “forjado uma nova era de cooperação trilateral, ajudando a promover uma visão compartilhada de um Indo-Pacífico”. “Cooperação” neste contexto é um pouco exagerado, significando, em vez disso, aproveitar as disposições desatualizadas do OPCON ainda em vigor 70 anos após o armistício da Guerra da Coreia para reformular a Península Coreana como uma base operacional avançada para os EUA em qualquer conflito futuro que Washington escolha instigar com a China.
Nada disso deve ser uma surpresa, pois a política de longa data dos EUA de explorar a “ameaça norte-coreana” para se posicionar para uma guerra regional contra a China requer um regime sul-coreano autocrático disposto a forçar políticas impopulares aos coreanos.
Sob Yoon, toda a península foi mobilizada para a guerra contra a Coreia do Norte e a China, com tropas coreanas empurradas para as linhas de frente como bucha de canhão a ser descartada como Washington achar melhor.
A maior ameaça à democracia, à paz e à estabilidade na Coreia do Sul é e tem sido a tão apregoada “aliança” “blindada” EUA-Seul. A Coreia do Sul – conclui o jornal – precisa se libertar da política imperial dos EUA e pôr fim à vergonhosa história de Washington de apoiar perigosas forças de extrema direita.
Uma questão que não é abordada pelo Hankyaoreh é qual a probabilidade de que, num país sob ocupação de quase 30 mil soldados ianques há 80 anos, e cujo comandante em chefe, na verdade, é um general norte-americano, o governo Biden não soubesse de que estava em andamento um golpe de Estado e a imposição de lei marcial, ainda mais com uma provocação contra a Coreia do Norte entre as premissas de sucesso. A resposta óbvia, para analistas pouquinha coisa mais atentos, é de é zero. Ou muito perto.