Segundo um levantamento feito pelo Estadão, 33 deputados mudaram de voto por conta do lobby e da pressão feita pelas plataformas digitais
As big techs, como Google, Meta e outras empresas estrangeiras, articularam de forma criminosa os ataques contra o Projeto de Lei de Combate às Fake News (PL 2.630/20) junto com parlamentares bolsonaristas, contando com milhões de reais em ações online, ameaças e com negociações dentro de gabinetes.
Essas empresas, interessadas em manter seu lucro estratosférico baseado na falta de regulamentação das redes sociais, pressionaram parlamentares e mentiram sobre o texto, que foi retirado de pauta na Câmara.
Entre o final de abril e o começo de maio, quando a Câmara aprovou o regime de urgência para o PL de Combate às Fake News e chegou a pautar o tema no plenário, as big techs aceleraram sua ofensiva contra a regulamentação.
Segundo um levantamento feito pelo Estadão, 33 deputados mudaram de voto por conta do lobby e da pressão feita pelas plataformas digitais.
O Google informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que gastou R$ 2,1 milhões em publicidade contra o PL de Combate às Fake News, tanto em jornais como em plataformas digitais
É o caso, por exemplo, do deputado José Nelto (PP-GO) que admitiu que “era favorável a discutir o PL e, com o bombardeio que eu recebi, eu mudei de posição”.
Nesse período, foi criado um site, que era hospedado nos Estados Unidos, para monitorar o voto de cada deputado federal. Os usuários tinham acesso aos contatos dos deputados para pressionar contra o texto.
CAMPANHA NA INTERNET E NOS GABINETES
A campanha das big techs foi realizada ao mesmo tempo nas redes sociais, com publicidade, mentiras e manipulação de algoritmos, e nos gabinetes, para pressionar os deputados que se declararam a favor do PL 2.630.
No dia 19 de abril, o grupo contrário à regulamentação das redes sociais começou a chamar o texto de “PL da Censura”.
O Google informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) gastos de R$ 2,1 milhões em publicidade contra o PL de Combate às Fake News, tanto em jornais como em plataformas digitais.
A campanha das big techs foi realizada ao mesmo tempo nas redes sociais, com publicidade, mentiras e manipulação de algoritmos, e nos gabinetes para pressionar os deputados que se declararam a favor do PL 2.630.
A empresa também alterou seus algoritmos para indicar aos usuários pesquisas contrárias ao PL. Quando as pessoas colocavam “PL”, o Google completava com “da Censura” e indicava sites e artigos que defendiam a desregulamentação da internet.
O Google ainda colocou em sua página principal artigos que diziam que o PL de Combate às Fake News pode “aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil” e “piorar a sua internet”.
O Twitter, do bilionário de extrema-direita Elon Musk, censurou dos “Assuntos do Momento” os termos favoráveis ao Projeto de Lei.
Enquanto isso, o diretor do Google, Marcelo Lacerda, esteve cinco vezes na Câmara dos Deputados para fazer lobby com os deputados. No dia 25 de abril, quando foi aprovado o regime de urgência do PL, ele estava presente.
Depois que o PL foi retirado de pauta, Lacerda esteve mais três vezes na Casa. Na entrada, ele informou que esteve em Comissões e nos gabinetes dos deputados Vicentinho Júnior (PP-TO) e Fábio Reis (PSD-SE), além da liderança do União Brasil.
Dois diretores da Meta (Murilo Delgado Laranjeira e Kaliana Puppi Kalache), empresa proprietária do Facebook, Instagram e Whatsapp, também frequentaram a Câmara dos Deputados no período em que o PL de Combate às Fake News estava sendo debatido.
Murilo Delgado Laranjeira esteve oito vezes na Câmara entre março e maio. Kaliana Puppi Kalache, quando foi à Câmara, informou que iria ao Plenário 11, mas nenhuma atividade estava agendada no local.
O deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) publicou em suas redes sociais que se reuniu com representantes do Twitter para discutir a campanha contra o PL 2.630.
Nikolas falou que o Brasil estava “prestes a expulsar as plataformas de mídia social do país” e que “a liberdade de expressão está sob ataque severo”.
O deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), presidente da Frente Parlamentar Mista de Economia e Cidadania Digital, disse ao Estadão que todas as plataformas digitais queriam discutir o projeto com ele.
“Eu recebi representantes de todas as plataformas, Google, Shopee, Youtube…. Era uma fila. Todo mundo ficou apavorado”, falou.
O vice-presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), orientou as big techs a se “anteciparem” aos acontecimentos na Câmara para não “perderem” a votação.
DISSEMINAÇÃO DE MENTIRAS
De acordo com o Estadão, surgiu das big techs a ideia de que o PL de Combate às Fake News as forçaria a deletar conteúdos das redes sociais para que não fossem responsabilizadas por eventuais crimes.
Essa teoria, no entanto, não tem nenhuma base no texto do Projeto de Lei.
A partir disso, parlamentares bolsonaristas começaram a divulgar a mentira de que o PL 2.630 poderia censurar trechos da Bíblia.
O ex-deputado Deltan Dallagnol fez uma publicação dizendo que “alguns versículos serão banidos das redes sociais” pelo PL de Combate às Fake news, porque “terceiriza para as redes sociais o dever de censurar”.
O relator do PL 2.630, Orlando Silva (PCdoB-SP), desmentiu e criticou: “É por esse tipo de indignidade que as redes sociais estão cheias de discurso de ódio e desinformação. Quem lucra com essa campanha mentirosa, que explora a fé alheia para politicagem barata, deputado?”.
Novamente, a campanha das empresas contou com um braço no Congresso Nacional e outro online. Deputados bolsonaristas lideraram as conversas com os demais parlamentares, onde esses pontos mentirosos eram colocados.
Nas redes, lideranças com grandes perfis fizeram diversas publicações contra o PL de Combate às Fake News, como o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus. Malafaia disse que o Projeto era uma “censura moderna” e seria um “cheque em branco” para o governo Lula atuar.
Um monitoramento feito pela Casa Galileia identificou que deputados bolsonaristas, como Marcel van Hatten (Novo-RS), Nikolas Ferreira (PL-MG), Bia Kicis (PL-DF), Marco Feliciano (PL-SP), entre outros, estão entre os que lideraram o debate sobre o PL de Combate às Fake News nas redes sociais.
Segundo Flávio Conrado, que foi um dos autores da pesquisa, esse engajamento é fruto de um “lobby fortíssimo”.
“Teve um casamento de lobby fortíssimo. O campo evangélico percebeu que poderia aproveitar essa onda para se colocar no jogo, colocar as condições que gostaria de ter no jogo político na Câmara e as big techs entenderam que a linguagem religiosa poderia ser mobilizada nesse guarda-chuva da censura”, avaliou.