Segundo o procurador Alisson Marugal, “havia tentativa de ocultar o problema que o Ministério da Saúde sabia que era muito grave”. Procuradores dizem que essa tragédia humanitária pode “caracterizar hipótese de genocídio”
O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que o governo Bolsonaro estava totalmente ciente da catástrofe humanitária que vivia o povo yanomami, mas decidiu não fazer nada para salvar a vida daquelas pessoas, mesmo com decisões judiciais.
Em nota, o MPF disse que a catástrofe, que levou à morte, nos quatro anos de governo Bolsonaro, mais de 570 crianças por desnutrição, “resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras” e pode ser caracterizada como genocídio.
O documento demonstra que o Ministério Público em Roraima enviou, para o Ministério da Saúde, relatórios e orientações no sentido da “reestruturação da assistência básica de saúde” na Terra Indígena.
Em 2021, os procuradores já recomendaram ao Ministério da Saúde a “reformulação de seu planejamento institucional, a contratação de mais profissionais de saúde para as áreas estratégicas e o desenvolvimento de planos de ação para os principais agravos de saúde verificados”, especialmente a mortalidade infantil, malária e subnutrição.
Em novembro de 2022, um novo documento enviado ao governo federal informou “a constatação de deficiências na prestação do serviço de saúde ao povo Yanomami”.
“Além dos danos à saúde e segurança alimentar aos povos Yanomami e Ye’kuana, a atividade garimpeira ameaça povos em situação de isolamento que também habitam a TI [Terra Indígena] Yanomami”
A nota é assinada pelos subprocuradores-gerais da República Eliana Peres Torelly de Carvalho, Ana Borges Coêlho Santos e Francisco Xavier Pinheiro Filho, além do procurador Alisson Marugal.
Leia a íntegra da nota do MPF:
Em novembro, o MPF se comunicou com o então vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, para que o novo governo pudesse agir no enfrentamento a essa tragédia humanitária, que pode “caracterizar hipótese de genocídio, inclusive passível, em tese, de responsabilização internacional do Estado brasileiro”.
Os procuradores do MPF em Roraima, Alisson Maruga e Matheus Andrade, deram uma entrevista coletiva à época para comentar o caso. Segundo eles, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) tentava abafar o caso.
Bueno afirma que existe o risco de extinção das comunidades indígenas atingidas pelo garimpo. “O que dá para reconhecer é que a situação que as crianças se encontravam impedia a comunidade de se renovar”.
Os procuradores citaram outro caso em que o garimpo e o descaso do governo fez com que um agrupamento indígena diminuísse de 40 para 25 membros.
Segundo Marugal, “havia tentativa de ocultar o problema que o Ministério da Saúde sabia que era muito grave”. O governo Bolsonaro se recusou a abrir uma “sala de situação” para estudar e combater os problemas. “Encontramos muita resistência na Secretaria de Saúde Indígena contra medidas que pudessem dar visibilidade à gravidade do crime”.
“O que observamos nos últimos anos foi o falecimento de muitas crianças decorrente da desnutrição. Em 2022, que foi o ano do caos, o número de remoção de crianças yanomami para hospitais de Boavista explodiu. Por causa de subnutrição, de outubro de 2021 a novembro 2022, foram 300 crianças removidas, um aumento de 150%. De 2016 a 2021, foram 450 crianças de até 4 anos removidas, mas em 15 meses até novembro de 2022 foram 300”, acrescentou.
Os dois contaram que, em 2020, o Ministério da Saúde do governo Bolsonaro cortou o fornecimento de alimentos através dos postos de saúde, o que lhes deu suspeita de que algo estava errado.
Para Marugal, “havia falta de compreensão e sensibilidade com os yanomami, sem falar da questão da exumação dos corpos, que desrespeitava a cultura e tradição dos indígenas.”.
“No início de 2022, sobrevoamos a região e alertamos, pela primeira vez, com o termo crise humanitária. Os indígenas e profissionais diziam que não existiam medicamentos e no depósito de Boa Vista observamos medicamentos parados, estranhamente. Por isso, instauramos inquérito e identificamos grande esquema que gerou desabastecimento generalizado”, explicou.
O procurador Alisson Marugal ainda destacou os problemas enfrentados, além do governo federal, com o governo estadual de Roraima, desde declarações simpáticas ao garimpo por parte do governador Antonio Denarium, à sanção de leis que fragilizavam a proteção ambiental, como a lei que proibia a destruição de equipamentos apreendidos em operações contra o garimpo, texto que foi posteriormente declarado inconstitucional.
Membros do governo Bolsonaro fizeram um contrato fraudulento com uma empresa que desviava medicamentos que deveriam ir para os postos de saúde que atendem os indígenas.
O presidente Lula foi até Roraima para visitar as comunidades indígenas atingidas pelo desprezo do governo Bolsonaro. “É desumano o que eu vi aqui”, falou.
“Sinceramente, o presidente que deixou a presidência esses dias, se ao invés de fazer tanta motociata, tivesse vergonha e viesse aqui uma vez, quem sabe esse povo não estivesse tão abandonado como tá”, continuou.
Bolsonaro debochou da tragédia, comprovada por fotos e vídeos de idosos e crianças atingidos pela fome, e disse que é “farsa da esquerda”.