
Apontados pela Polícia Federal de chefiar o tráfico de drogas receberam do governo federal licença para explorar uma área de mais de 810 hectares usados para a prática de garimpo de ouro na Amazônia. A área equivale a cerca de 800 campos de futebol.
Principal alvo da Operação Narcos Gold, desencadeada no início do mês, Heverton Soares, o “compadre Grota”, figura nos registros do governo federal como detentor de 18 permissões de lavras garimpeiras, as chamadas PLGs, que abrangem uma área de 762 hectares. Já em documentos da polícia, Grota é acusado de ser um dos principais cabeças do “narcogarimpo”, como denomina a PF.
Grota responde a processos na Justiça do Maranhão, Rondônia e São Paulo por tráfico de drogas, organização criminosa, lavagem de dinheiro e homicídio, além da suspeita de ter ligações com duas facções criminosas no Sudeste do país.
Alvo da Operação Enterprise, deflagrada no fim de 2020, Silvio Berri Júnior aparece como detentor de uma PLG de 48 hectares. O traficante ficou conhecido nos anos 2000 por ser o principal piloto de avião do narcotraficante Luiz Fernando da Costa, o “Fernandinho Beira-Mar”. Beira-Mar transportava cargas de cocaína da Colômbia ao Brasil e voltou à mira da PF no ano passado por operar um esquema de tráfico chefiado por um ex-major da Polícia Militar de São Paulo.
“Até para traficantes o governo Bolsonaro deu licença para garimpar na Amazônia. O piloto Fernandinho Beira-Mar tem autorização para explorar o equivalente a 800 campos de futebol na Amazônia”, criticou a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC).
“O Brasil precisa se livrar definitivamente desse governo”, defendeu a parlamentar.
Nesta quinta-feira (24), o vice-presidente, Hamilton Mourão, em conversa com jornalistas em Brasília reconheceu que o governo tem conhecimento da ação de traficantes na atividade garimpeira. “Nós temos tido vários informes de que o narcotráfico, essas quadrilhas que agem no Centro-Sul do país, na ordem de proteger suas rotas subiram para lá, e uma das formas de eles se manterem é apoiando ações dessa natureza. Até porque esse ouro é extraído ilegalmente e é um ativo que eles podem trocar por drogas”, afirmou.
Apesar disso, o governo se mantém omisso e nada tem feito para combater o crime organizado e ação de garimpeiros ilegais na Amazônia. A Agência Nacional de Mineração (ANM), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, alega que não é atribuição do órgão investigar a “vida pregressa” de quem solicita autorização para explorar ouro do subsolo amazônico. Segundo o órgão, isso é prerrogativa de “órgãos específicos judiciais e de polícia”.
Todas as permissões, – um total de 19 – foram outorgadas e efetivadas aos dois traficantes pela ANM, na região de Tapajós, no Pará. O município é muito conhecido “Cidade Pepita” por ter uma grande quantidade de jazidas de ouro a poucos metros da superfície do solo.
Criada pela Constituição de 1988, a PLG tem como função a regularização de pequenos garimpeiros artesanais. No entanto, segundo o jornal “O Globo”, a PF atribuiu a Grota a propriedade de fazendas, haras, pistas de pouso, empresas de maquinário de extração mineral, peças de carro e de garimpos de ouro – uma estrutura movimentava R$ 30 milhões e ocultava o tráfico de drogas.
Durante o cumprimento de dois mandados de busca e apreensão deferidos pela Justiça, a PF identificou nos endereços do traficante duas aeronaves e joias. Ele ainda está foragido.
Representantes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e da ANM disseram ao Globo que muitas PLGs são usadas para dar “origem legal” ao ouro retirado de áreas protegidas na floresta amazônica. A outorga não exige pesquisa dos extrativistas e a obrigatoriedade de informar a quantidade de minérios extraídos num local. Assim, os criminosos podem atribuir a quantidade que quiserem. Para os agentes, trata-se de uma brecha que facilita e estimula a lavagem de dinheiro de esquemas criminosos, como o tráfico e contrabando.
Balsas começam a deixar Rio Madeira
Na tarde de ontem, as centenas de balsas e dragas atracadas no Rio Madeira, no município de Atuazes, distante 113 quilômetros de Manaus, começaram a deixar o local. Atraídos pela possibilidade da presença de ouro na região, os garimpeiros ocupavam ilegalmente a área há duas semanas. A retirada foi motivada por pressão da Polícia Militar de Manaus, que desencadeou uma operação para expulsá-los do local.
Objeto da cobiça de garimpeiros e grileiros, as terras indígenas são alvos de ações criminosas de longa data. No entanto, na gestão de Jair Bolsonaro, a situação atingiu níveis dramáticos. Sob o comando do ministro que queria “passar a boiada”, Ricardo Salles, que deixou o governo em junho deste ano, sem nada ter feito para ao menos minimizar a situação.
Salles é investigado por suspeita de corrupção em favor de madeireiros em um inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Autorizado pela ministra Carmen Lúcia, um dos inquéritos apura a suposta tentativa de Ricardo Salles de prejudicar uma investigação sobre a maior apreensão de madeira ilegal da história.
No outro inquérito, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, Salles é investigado por supostamente ter facilitado a exportação de madeira ilegal aos Estados.
Salles foi substituído por Joaquim Álvaro Pereira Leite, ex-conselheiro de uma das principais entidades ruralistas do país, a SRB (Sociedade Rural Brasileira). Leite já estava no governo desde o ano passado e comandava a secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais.
Além de formular políticas para a preservação do bioma amazônico, a estrutura que Leite comandava é responsável por organizar o sistema de pagamentos ambientais, adotado pelo governo Bolsonaro para remunerar proprietários de terra que preservam suas áreas.
“A atuação dele aqui foi muito pautada no pagamento dos serviços ambientais. Ele veio para viabilizar isso, que é uma pauta que une o agronegócio à área ambiental”, disse ao UOL um funcionário do ministério.
Pereira Leite, assim como seu antecessor, é criticando por inércia das ações ambientais. Umas delas, por deixar pardo o Fundo Amazônia. O governo não faz uso pelo seguinte motivo: quer usar o dinheiro para promover ações que causam mais desmatamento, como fazer regularização fundiária de áreas que foram griladas usando terras públicas, exploração de madeira, criação de gado e assim por diante, declarou a fundadora da Rede Sustentabilidade e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
“Ele não quer dinheiro para preservar, ele quer dinheiro para desmatar mais, para queimar mais. Essa é a realidade, porque se ele quisesse fazer o dever de casa, usava o Fundo Amazônia”, apontou Marina.
Em abril do ano passado, reportagem da Folha de São Paulo denunciou a facilidade com que garimpeiros ilegais atuam em Humaitá. A pouco metros de uma base do 54º Batalhão de Infantaria do Exército, dezenas de balsas operavam ilegalmente 24 horas por dia no rio Madeira. Mesmo com as Forças Armadas chefiando a Operação Verde Brasil, que tem como objetivo impedir a ação de grupos criminosos na Amazônia.
A região de Humaitá ganhou destaque no cenário nacional por ser a terra do pai do vice-presidente Hamilton Mourão, e é conhecida pela reação violenta dos garimpeiros a ações de fiscalização. Em 2017, escritórios do Ibama e do ICMBio foram incendiados depois que fiscais destruíram balsas utilizadas pelo garimpo.
A omissão do governo federal em expulsar os criminosos das áreas vem impulsionando ondas de invasões de posseiros. Em 2019, a falta de providências por parte do presidente Jair Bolsonaro, fez com que os nativos das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacará, no rio Xingu, perdessem mais de 8,4 e 5,6 mil hectares de floresta, respectivamente, invadidas por esses grupos.