E só foi para o acervo um ano após as 8 frustradas tentativas de liberar o pacote de R$ 16,5 milhões retido pela Receita
Outro pacote de joias presenteado pelo governo da Arábia Saudita escapou da Receita e não foi interceptado no aeroporto de Guarulhos (SP). O pacote veio na bagagem de um dos integrantes da comitiva que esteve no país do Oriente Médio em outubro de 2021.
Um dos pacotes é composto por joias e relógio avaliados em R$ 16,5 milhões, que alegou-se seria para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, e foi retido pela Receita assim que o então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e sua equipe desembarcaram no Brasil. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo na sexta-feira (3).
O outro pacote foi entregue para compor o acervo presidencial em novembro do ano passado, mostra recibo oficial divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo. Ou seja, foi entregue ao acervo somente um ano depois que não conseguiram liberar o primeiro pacote de joias retido.
O pacote de R$ 16,5 milhões em joias retido veio escondido na mochila de um assessor de Bento Albuquerque. O limite de presentes pessoais é de até US$ 1 mil. A lei diz que presentes do exterior com altos valores dados a autoridades brasileiras têm de ser declarados previamente para serem incorporados ao acervo. Nada disso foi feito.
Após a retenção, o governo de Bolsonaro fez 8 tentativas de liberação recusadas pela Receita, que chegou até em colocá-las para leilão. Mas o órgão decidiu não fazer leilão e mantê-las como prova de um crime. Depois da retenção, o então governo bolsonarista alegou que as jóias eram para o acervo. Mas não declararam antes isso, como exige a lei.
O outro pacote, que não foi interceptado, inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça de diamantes Chopard destinados a Bolsonaro. Não há estimativa pública do valor desses objetos.
No dia 29 de novembro, a praticamente um mês de Bolsonaro encerrar o mandato e um ano depois, o assessor especial do Ministério de Minas e Energia Antônio Carlos Ramos de Barros Mello entregou os itens ao Palácio do Planalto. Mello alegou que eles estavam sob a guarda da pasta.
“Encaminho ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica —GADH caixa contendo os seguintes itens destinados ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro”, diz trecho do recibo de entrega ao qual o jornal Folha de S.Paulo teve acesso. A Presidência não respondeu para explicar quando foi procurada.
Sob a razão da demora em entregar os presentes ao acervo, Mello alegou que houve uma série de tratativas para definir qual seria o destino do material, o que teria feito com que a entrega ocorresse mais de um ano após o recebimento.
“Foi entregue [ao Planalto em novembro de 2022] porque demorou-se muito nesse processo para dizer quem vai receber quem não vai receber, onde vai ficar onde não vai ficar. Só não podia ficar no ministério nem ninguém utilizar”, afirmou o ex-assessor especial do ministério.
No sábado (4), após evento nos Estados Unidos, Bolsonaro disse que não pediu nem recebeu qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita e que foi declarado.
“Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”, afirmou.
Segundo ele, a Presidência notificou a alfândega. “Até aí tudo bem, nada de mais, poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo, seria entregue à primeira-dama. E o que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daqui. Só isso, mais nada.”
RECEITA DESMENTE
A Receita Federal informou no sábado (4), por meio de nota, que não houve um pedido de incorporação ao patrimônio da União do conjunto de joias trazidas irregularmente pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) de presente da Arábia Saudita em 2021.
Segundo a receita, a medida exige “pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu”, o que não ocorreu no caso das joias.
“Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público”, diz a nota.
PRIVATIZAÇÃO
As joias foram apreendidas em outubro de 2021 no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e estavam na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
Nessa época, coincidentemente, estava sendo feita a privatização da refinaria Landulpho Alves, na Bahia. A refinaria foi comprada por um fundo árabe, Mubadala Capital, a subsidiária de gestão de ativos da Mubadala Investment Company, com sede em Abu Dhabi.
O ministro, ao saber da retenção das joias, tentou reavê-las dizendo que eram presentes da Arábia Saudita à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, mas não conseguiu.
O próprio Bolsonaro enviou ofício à Receita requisitando as joias poucos dias antes de deixar o cargo. No Brasil, é obrigatório declarar ao Fisco qualquer bem trazido ao país que passe de R$ 1 mil.
As joias eram um presente do regime saudita para o então presidente e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e deveriam entrar oficialmente como presente para a Presidência e, nesta condição, os bens ficariam para o Estado brasileiro e não com a família Bolsonaro.
Como a opção foi considerar os presentes pessoais, eles deveriam entrar no Brasil pela alfândega e seus donos deveriam pagar as taxas exigidas pela legislação. Essas taxas equivalem a 50% do valor estimado do item, além de uma multa de mais 25% pela tentativa de entrar no país de forma ilegal. No caso de Bolsonaro, portanto, a retirada formal e correta das joias apreendidas e estimadas em R$ 16,5 milhões custaria R$ 12,3 milhões.
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