Recursos para evitar tragédias como a ocorrida no litoral norte de SP despencou de mais de R$ 3 bi em 2014 para R$ 1,1 bi em 2021. Para 2023 foram orçados apenas R$ 25 mil na rubrica “obras emergenciais de mitigação para redução de desastres”. Tragédia tem o DNA do ex-presidente da República
A tragédia era previsível, mas sem recursos orçamentários, não pôde ser evitada. É assim que funciona. Os anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) representaram queda expressiva no financiamento de ações para prevenção e resposta a desastres naturais.
Na gestão do extremista, o Brasil teve as menores previsões orçamentárias para a área desde 2010.
Dados da ONG Contas Abertas mostram que, entre 2013 e 2014, os valores destinados às ações dessa natureza ultrapassaram R$ 3 bilhões. Nos três anos seguintes, esse montante caiu, mas seguiu em patamares próximos a R$ 2 bilhões até 2017.
Em 2018, último ano em que Michel Temer (MDB) ocupou o Palácio do Planalto a verba baixou para R$ 1,6 bilhão. O bolsonarismo seguiu a cartilha e desidratou ainda mais o setor.
No primeiro ano em que mandou no orçamento, Bolsonaro definiu que o investimento para prevenir grandes tragédias naturais e socorrer municípios em situação emergencial seria de R$ 1,2 bilhão. Em 2020, o valor subiu um pouco e chegou a R$ 1,5 bilhão. Ainda assim, ficou abaixo do que foi aplicado em gestões anteriores.
QUEDA BRUTAL DE INVESTIMENTOS
Em 2021, o montante despencou para R$ 1,1 milhão, a pior previsão de investimento para o setor em mais de uma década.
O descaso também se reflete nos valores gerais destinados ano a ano para o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) e para a Defesa Civil.
No Ploa (Projeto de Lei Orçamentária Anual) que deixou para 2023, o investimento para redução de desastres teve corte de 95% a 99%. Também havia previsão de enxugamento de 94% nos valores destinados à execução de projetos e obras de contenção de encostas em áreas urbanas.
QUANTIDADE DE PESSOAS AFETADAS
Integrante da coordenação nacional do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), Francisco Kelvim, afirma que, enquanto o financiamento diminuiu, o número de vítimas aumentou.
“Dá para afirmar que há uma correlação direta entre a falta de investimento ou a diminuição do investimento em obras destinadas para projetos de proteção de cheias e inundações, prevenção de desastres, ações para manejo da água da chuva dos municípios, e o aumento da quantidade de pessoas afetadas por esses desastres e também o aumento do número de vítimas fatais.”
Levantamento do Observatórios de Desastres Naturais do Confederação Nacional de Municípios mostra que a soma de prejuízos por desastres naturais entre 2013 e 2022 ultrapassa R$ 340 milhões. Mais de R$ 160 milhões somente nos três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro. Em vários estados, foram afetados quase 2 milhões de pessoas.
MAIS AFETADOS
Para ele, existe ainda processo social e econômico de exclusão que faz com que as grandes vítimas dos desastres naturais sejam as famílias com menor poder econômico.
“Um número muito grande da população tem convivido em regiões de encostas, regiões de áreas de proteção permanente, regiões classificadas como regiões de risco, que tem um risco muito maior de serem atingidas pelos efeitos das mudanças climáticas nos próximos anos no Brasil”, pontifica.
“Não só por elas estarem nessas regiões, mas também por, historicamente, existir um processo no Brasil, principalmente nas grandes metrópoles, de que as populações periféricas não têm acesso à água, saneamento básico, vivem em regiões desprivilegiadas de obras de contenção dessas enchentes”, pontifica.
Para mitigar os efeitos das mudanças climáticas nos próximos anos, o especialista defende a criação de fundo com essa finalidade, previsão de recursos para remanejamento de populações, obras estruturais, educação ambiental e investimento em saneamento básico e manejo da água.
ORÇAMENTO PARA 2023
Em 2022, Bolsonaro reservou somente R$ 25 mil (pasmem!) para intervenção em áreas de risco no País. O ex-presidente propôs redução de 99% do orçamento para programas de prevenção e resposta a desastres, que era de R$ 2,8 milhões no ano passado. O valor constava no Ploa 2022.
O valor que permite ao governo federal ajudar as vítimas afetadas pelas fortes chuvas no litoral norte de São Paulo foi recomposto pela PEC (Proposta de Emenda à Constituição) elaborada pela transição da gestão de Lula no fim do último ano.
O ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, confirmou o quadro de desolação nos recursos deixado pelo governo Bolsonaro. Ele ressaltou que, apesar disso, o governo Lula logo que assumiu restabeleceu os valores para enfrentar os desastres.
“Não temos problemas de recursos orçamentários e nem financeiros. Para dar resposta a desastres, a previsão era de só R$ 25 mil, que estavam no orçamento de 2023. No entanto, a medida provisória corrigiu isso e temos recursos suficientes para o apoio”, declarou o ministro em entrevista ao UOL News.
Só no ano passado, houve mais de 450 mortes por enchentes e deslizamentos, segundo a CNM (Confederação Nacional dos Municípios). Neste ano, 44 pessoas morreram no litoral de São Paulo e há ao menos 36 desaparecidas, vítimas das chuvas na região.
O ano de 2022 foi marcado pelo maior número de mortes causadas pelo excesso de chuvas no Brasil em uma década. Mesmo assim, a proposta orçamentária de 2023, do governo Bolsonaro, cortou recursos para a rubrica “obras emergenciais de mitigação para redução de desastres”, do MDR.
O valor, R$ 25 mil, seria o suficiente para atender 2.750 pessoas, segundo o pérfido projeto orçamentário bolsonarista.
M. V
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