Pode vir quente que eu estou fervendo: menos de 11 horas após o governo Trump ter anunciado imposição de tarifa adicional de 25% sobre produtos chineses importados no valor de US$ 50 bilhões, a China respondeu com medida equivalente, que atingirá de soja a aviões, incluindo ainda carros, produtos químicos, carne e até uísque. A data efetiva da aplicação da taxa retaliatória depende de quando a sobretaxa de Trump entrar mesmo em vigor.
Ao incluir produtos vitais para a pauta de exportação dos EUA, como soja, automóveis e aviões, Pequim reitera sua declaração anterior de que “não quer” a guerra comercial, mas “não a teme”. Como advertiu o porta-voz da chancelaria chinesa, Geng Shuan, “qualquer tentativa de colocar a China de joelhos com ameaças e intimidações nunca terá êxito, tampouco desta vez”.
O embaixador chinês nos EUA, Cui Tiankai, já havia antecipado que haveria retaliações “na mesma escala e intensidade”. Um terço da produção de soja americana é vendido para a China (US$ 14 bilhões em 2017) e a GM já vende 1 milhão de carros a mais na China do que nos EUA. Análise da Reuters coloca “carros elétricos da Tesla, jatos executivos Gulfstream, limousines Lincoln da Ford e o uísque Jack Daniel” entre os alvos – sem esquecer a Boeing.
1300 ÍTENS COM SOBRETAXAS
A lista de Trump de 1300 itens abrange antibióticos, robôs industriais, veículos e outros produtos. Como a publicação por Washington da lista de sobretaxas abre um período de consultas públicas de dois meses, muita água ainda vai rolar debaixo da ponte. Em março, o governo Trump também proibiu por decreto a compra da fabricante de chips para celulares, Qualcomm, por uma empresa de Singapura, alegando razões de segurança nacional e que a China estaria por trás da negociação.
Por trás da guerra de tarifas e de palavras, o que está em jogo é se Pequim vai se submeter às pressões de Washington para abrir seu setor financeiro a Wall Street, às normas leoninas de patentes dos EUA, e à abertura das compras governamentais às corporações norte-americanas.
Na segunda-feira, a China oficializou à Organização Mundial do Trabalho (OMC) sua retaliação às sobretaxas de Trump sobre o aço e alumínio do mês passado. A medida atinge carne de porco, nozes e etanol, com tarifas entre 10% e 25% sobre importações que somam o mesmo valor afetado por Trump, US$2,75 bilhões.
Na semana passada, o embaixador Cui deu a entender que a China poderia se livrar dos títulos do Tesouro norte-americano que detém, em defesa de seus interesses nesse confronto: “Estamos analisando todas as opções”. A China é o maior detentor de títulos do Tesouro dos EUA (US$ 1,168 trilhão) – o que corresponde a 18,7% da dívida, seguido de perto pelo Japão. Essa possibilidade de derrame de “treasuries” é comummente referida na mídia dos EUA como a “opção nuclear”.
REDUÇÃO DE US$ 100 BILHÕES
A “exigência” de Trump de que a China “reduza em US$ 100 bilhões” seu superávit comercial com Washington é contestada por Pequim, que denuncia que esses números são inflados. Como no caso dos iphones, cuja importação é registrada nos EUA como em torno de US$ 1600 por aparelho, mas na qual o valor agregado na China é de apenas US$ 65, com o resto cabendo ao que é levado para a China pelas “cadeias de produção globais” sob controle da Apple, com apenas a montagem ocorrendo ali.
Nesse confronto, há controvérsias sobre quem vai piscar primeiro. Segundo o New York Times, “gigantes como a General Electric e Goldman Sachs, bem como companhias agrícolas, têm levantado objeções com a Casa Branca, dizendo que as tarifas dos dois lados do Pacífico e as limitações sobre investimentos cortarão as empresas americanas do mercado mais lucrativo e que mais rapidamente cresce no mundo”. O jornal também assinalou a derrubada nas bolsas.
Como registrou o NYT, “qualquer empresa americana que quiser ser um ator global não se pode dar ao luxo de perder acesso ao crescente mercado chinês”. As empresas de tecnologia – acrescenta – argumentam que as medidas de Trump “poderiam acabar penalizando a indústria americana, elevando custos e fazendo suas companhias menos competitivas globalmente”. “Os fazendeiros americanos parecem ser as primeiras baixas na escalada de uma guerra comercial”, alertou o dirigente de uma entidade de exportadores agrícolas. Quanto a essas preocupações, o conselheiro de comércio exterior da Casa Branca, Peter Navarro, afirmou: “relaxem, a economia está forte como um touro”.
A.P.