
No fundo, no entanto, bravata é a mais nova revelação da marcha inexorável dos EUA rumo à sua decadência econômica, política e moral
O governo do ditador Donald Trump decidiu escalar as ameaças contra o Brasil, diante do julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, que caminha celeremente para uma condenação exemplar do chefe da trama golpista e dos demais integrantes do “núcleo crucial” da intentona.
Dessa vez, coube a Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca, afirmar que os EUA não terão medo de usar seu “poder econômico e militar” para defender “a liberdade de expressão” que lhes interessa.
“Então, não tenho nenhuma ação adicional para antecipar para vocês hoje, mas posso dizer que esta é uma prioridade para a administração, e o presidente não tem medo de usar o poder econômico e o poder militar dos Estados Unidos da América para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”, concluiu a porta-voz.
Leavitt não explicitou que tipo de ação militar seria essa, além do tarifaço unilateral imposto contra as exportações brasileiras, apesar da balança comercial, nos últimos anos, ser favorável aos EUA e não ao Brasil, como já foi demonstrado sobejamente pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento e da Indústria, Geraldo Alckmin, escalado pelo presidente Lula para buscar uma saída negociada diante da muralha da ignorância em que se transformou a Casa Branca desde que Trump passou a ser o seu inquilino.
As medidas de Trump, esclareceu a porta-voz, tiveram e tem o objetivo de “proteger a liberdade de expressão”, a mesma que o governo dos EUA, reiteradamente, rasga diante de seus opositores domésticos.
Que autoridade moral têm o governo Trump para falar em “liberdade de expressão”, quando, muito recentemente, patrocinou uma perseguição atroz ao jornalista Julian Assange por ter revelado alguns podres da política externa norte-americana, tendo que viver no exterior para não ser perseguido e preso em seu próprio país?
A “liberdade de expressão” apregoada por Trump e seus lacaios é a “liberdade” dos grandes cartéis digitais, os principais financiadores da campanha do republicano à Casa Branca, continuarem agindo pelo mundo afora sem nenhuma regulação, permissivos com os crimes mais hediondos contra crianças e adolescentes, o discurso do ódio, a prática do racismo e outras formas de atentado à dignidade humana.
Assim caminha a Humanidade foi um dos grandes clássicos do cinema americano dos anos 50, quando os EUA, fortalecidos por escaparem do grande teatro de conflitos da 2º Grande Guerra que se deu na Europa, consideraram que tudo podiam em qualquer parte do mundo.
Mas, mesmo com todo seu poderio, naquela mesma quadra histórica, colheram uma derrota amarga na Coreia e outra mais amarga ainda no Vietnã, na década seguinte. A partir daí, os sucessivos governos, democratas ou republicanos, foram definitivamente capturados pelos grandes conglomerados econômicos, notadamente o das armas e o do petróleo, associados sempre ao das finanças. Um presidente e vários líderes que resistiram a essa lógica tiveram um fim trágico, como sabemos.
Foi em busca do domínio do ouro negro que invadiram o Iraque, a Líbia e, depois, o Afeganistão. A narrativa era a defesa da “democracia” e da “liberdade”. Hoje, na era das big techs, a “liberdade de expressão” passou a ser o mantra sagrado.
Com Trump à frente da Casa Branca, revelou-se, como nunca, para onde caminham os Estados Unidos da América nos dias de hoje: em direção à barbárie, face ao estágio de falência econômica, política e moral do império decadente. Algo muito diferente do que disse Leavitt ao descrever, cinicamente, a liberdade de expressão como “a questão mais importante do nosso tempo”.
Sim, importante, o mantra para proteger os amiguinhos das corporações digitais e os que, como Bolsonaro e seu bando, desfraldam a bandeira americana em pleno 7 de Setembro pelas ruas do Brasil e apoiam as medidas de Trump contra a economia nacional.
O surgimento dos BRICS, a posição decidida da China na busca soberana de seu desenvolvimento, a firmeza patriótica da Rússia na defesa de sua integridade territorial e econômica, a determinação do Brasil frente às ameaças trumpistas, entre outros elementos do novo cenário mundial, revelam que a questão mais importante do nosso tempo – para usar a mesma construção de Leavitt – é a defesa da soberania das nações, sem a qual não há democracia, muito menos liberdade de expressão no sentido pleno desse valor civilizatório.
A nova ameaça de Trump, no entanto, revela, como já nos ensinou a psicanálise, algo mais profundo.
Quando Leavitt diz que “o presidente (Trump) não tem medo de usar o poder econômico e a poder militar dos EUA”, além de uma bravata, muito típico da atual administração americana, o inconsciente de Trump, na verdade, mascara exatamente o oposto: o medo de enfrentar uma situação adversa em que seus oponentes não se submeterão às suas ameaças e chantagens, como já deixou claro o presidente Lula e o ministro Moraes.
Quem, de fato, não tem medo, não precisa dizê-lo, e, ao dizê-lo, exprime um ato falho que revela a presença do mesmo sentimento no inconsciente, que busca, na fala, seu disfarce.
E mais, a nova ameaça também é reveladora da marcha inexorável dos EUA, com Trump, rumo à sua decadência econômica, política e moral.
MARCO CAMPANELLA