Montante é quase o dobro dos R$ 44 bilhões que Bolsonaro destinou ao mísero auxílio emergencial este ano
Ignorando a gravidade da crise sanitária e a crise econômica que foi agravada com a pandemia do novo coronavírus no ano passado, o governo Bolsonaro decidiu prosseguir com a sua agenda de austeridade fiscal e, para cumprir suas metas de arrocho, decidiu não gastar R$ 80,7 bilhões do Orçamento que foi destinado para conter os efeitos da pandemia, denunciou o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Insc), nesta quarta-feira (7).
“A pandemia da Covid-19 aprofundou as crises econômicas e sociais pré-existentes no País. Assim, o ano fechou com recessão, aumento do desemprego e do subemprego e com cerca de 200 mil pessoas mortas em decorrência do vírus Sars-CoV-2”, escreveram os membros do colegiado de gestão do Inesc, Iara Pietricovsky e José Antônio Moroni, no prefácio do estudo “Um país sufocado – Balanço do Orçamento Geral da União 2020”.
Ao sublinhar que o ano de 2021 poderia ter sido diferente, os técnicos do Inesc afirmaram que, “apesar da aprovação, pelo Congresso Nacional, de importantes recursos para conter a crise, eles não foram suficientes nem para enfrentar os impactos da pandemia e nem tampouco para assegurar a continuidade dos programas” e, “como se não bastasse a escassez de recursos”, “houve, e ainda há, ação deliberada por parte do Governo Federal para promover a pobreza, a fome, a doença e a morte. Prova disso é a sabotagem diuturna das medidas sanitárias necessárias para conter, tratar e prevenir a Covid-19”..
“Como se não bastasse, o Executivo federal decretou o fim da doença no Brasil no começo de 2021, quando encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta orçamentária que não somente ignorava as crises – sanitária, econômica e social –, como incluía medidas de austeridade fiscal que agravavam o quadro alarmante no qual o País se encontra”, denunciaram os membros do Inesc.
Na avaliação dos pesquisadores do instituto, a não execução da totalidade dos R$ 604,7 bilhões destinados a combater a pandemia contribuiu para que o país fechasse o ano com 200 mil mortos pelo vírus e com taxa de desemprego recorde, atingindo 13,4 milhões de pessoas.
“Na situação de emergência e calamidade que o Brasil se encontrava em 2020, o governo tinha a obrigação de gastar o máximo de recursos disponíveis para proteger a população. Mas o que vimos foi sabotagem, ineficiência e morosidade no financiamento de políticas públicas essenciais para sobreviver à crise”, declarou a assessora política do Inesc, Livi Gerbase, que é especialista em orçamento.
A equipe do Inesc apurou os gastos federais de 2020, tanto com despesas extraordinárias para enfrentar as consequências da pandemia quanto com políticas públicas das áreas de Saúde, Educação, Meio Ambiente e Direito à Cidade, além da gestão dos recursos destinados à políticas que atendem grupos intensamente afetados pela crise, como mulheres, crianças e adolescentes, e povos tradicionais.
Lentidão nos gastos com Saúde
Quatro meses após a declaração de emergência nacional, o governo Bolsonaro havia executado apenas 40,1% do valor planejado no orçamento para combater a pandemia. Para o instituto, a pressão da sociedade exigiu que o governo aumentasse a execução do orçamento no final do ano, mas ponderou que isto não foi suficiente para evitar o colapso no âmbito do SUS em alguns Estados brasileiros. A baixa execução orçamentária foi notada em julho pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que emitiu um relatório informando que, desde março, o Ministério da Saúde havia executado apenas 29% da verba prevista para o enfrentamento da crise sanitária.
Para a Saúde, ao todo, foram autorizados para o enfrentamento da pandemia cerca de R$ 66,5 bilhões, entre créditos extraordinários e remanejamento de recursos. Deste montante, cerca de R$ 40 bilhões foram efetivamente executados ou pagos. “Somente 15% foram aplicados de forma direta pela União, 58% desses recursos foram transferidos para municípios e 23% para os estados e o Distrito Federal. Os recursos destinados aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios foram pagos em praticamente sua totalidade. O que não foi o caso dos recursos de aplicação direta pelo Ministério da Saúde (MS) destinados integralmente à aquisição e produção de vacinas, cujo pagamento correspondeu a apenas 20% do total dos recursos autorizados”.
Lentidão na compra de vacinas
Em dezembro, Bolsonaro assinou a medida provisória que liberou 21,5 bilhões em créditos extraordinários para a compra de vacinas, no entanto, o gasto só será executado neste ano. Para o instituto, “a condução adotada pelo Governo Federal em 2020 dificultou bastante a vacinação em 2021”.
“A imunização caminha a passos lentos, pois o governo demorou muito a fechar contratos de aquisição de vacinas e, como existe uma escassez global, acabou ficando para trás nessa corrida. O resultado é a situação catastrófica vivenciada nos primeiros meses deste ano, em que são registrados recordes de mortes por vários dias consecutivos e vários estados estão com seus serviços de saúde à beira do colapso”, denunciaram os pesquisadores que ressaltaram ainda, que “apesar do desgoverno, dois laboratórios farmacêuticos públicos brasileiros, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Butantã, firmaram contratos de transferência de tecnologia e produção de vacinas e já estão fornecendo-as para o Programa Nacional de Imunizações (PNI)”.
Auxílio Emergencial
Além de ter demorado muito para liberar o auxílio emergencial de R$ 600 aos brasileiros que perderam renda na pandemia, o governo deixou gastar R$ 28,9 bilhões, dos R$ 322 bilhões em recursos – que foram aprovados pelo Congresso Nacional – para o auxílio emergencial no ano passado. Isto foi possível, explicou Livi Gerbase, porque “os recursos demoraram muito tempo para chegar às mãos das pessoas que precisavam e acabou sobrando dinheiro” e “porque houve uma redução do benefício”, lembrou. O valor pago pelo programa foi cortado pela metade, passou de R$ 600 para R$ 300, a partir de setembro, por iniciativa do governo.
Os técnicos do INESC destacaram no documento que o auxílio foi central para reduzir os impactos socioeconômicos da pandemia e para fornecer um alívio imediato à população. “Avalia-se que a queda do PIB brasileiro seria da ordem de 8,4% a 14,8% se o Auxílio Emergencial não tivesse sido adotado, ou seja, pelo menos o dobro da queda” que foi observada no PIB do ano passado ( -4,3%). As projeções citadas pelos técnicos são da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.
Na terça-feira (6), após três meses de atraso, o governo retomou o pagamento do auxílio emergencial para apenas 45,6 milhões de pessoas – são 22,6 milhões a menos do total de 68,2 milhões de pessoas que receberam no ano passado. Foram cinco primeiras parcelas no valor de R$ 600 e a partir de setembro mais quatro de R$ 300, sendo além do corte, o governo também reduziu o número de beneficiados. Os valores a serem pagos, em 4 parcelas mensais, nesta nova rodada que teve início este mês são muito menores dos que os pagos em 2020. Elas variam de R$ 150 a R$ 375, a depender da composição de cada família – limitado a um benefício por família.
A maior parte dos contemplados irão receber apenas R$ 150 mensais, segundo informações do Ministério da Cidadania. Segundo a pasta, receberão R$ 150 mensais aproximadamente 19,994 milhões de pessoas, que estão contempladas na categoria “unipessoal” – apenas uma pessoa. Outras 16,373 milhões receberão R$ 250, destinados à famílias (independentemente do número de filhos), e 9,47 milhões de mulheres que são as únicas provedoras do lar receberão R$ 375.
Diferente do ano passado, quando foram reservados R$ 322 bilhões ao programa, este ano a programação orçamentária para o auxílio emergencial foi limitada em R$ 44 bilhões, pela proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial de iniciativa do governo, que foi aprovada pelo Congresso Nacional. Para se ter uma ideia, os quase R$ 29 bilhões que não foram gastos com o programa do auxílio emergencial no ano passado equivalem a 66% do orçamento reservado em 2021.
Para enfrentar a crise sanitárias e a recessão econômica o INESC propõe a retomada do Auxílio Emergencial de R$ 600 até o fim da pandemia, entre outras medidas como: o fim do teto de gastos (EC 95 de 2016) e a revisão das regras fiscais vigentes no Brasil; decretar o Estado de Calamidade Pública e voltar a implementar um Orçamento de Guerra para facilitar e agilizar os gastos para o enfrentamento da pandemia; e estabelecer, para 2021, um piso emergencial para a saúde de R$ 168,7 bilhões.
“O auxílio emergencial diminuiu temporariamente a pobreza extrema no Brasil e o SUS foi injetado de recursos para combater a crise sanitária. Logo, ficou mais uma vez evidenciado que, quando há vontade política e eficiência do governo, o Estado consegue cumprir seu papel de proteger a população dos impactos da crise. Porém, esses ganhos estão ameaçados em 2021, devido à escolha governamental de reduzir o Orçamento e voltar à austeridade fiscal”, ressaltam os pesquisadores do INESC.