
Alagoas e Piauí foram abastecidos por pedidos de governistas; Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte estão entre os que menos receberam recursos, apesar de mais necessitados
A distribuição das emendas parlamentares para a área social, no governo de Jair Bolsonaro (PL), segue critérios nada técnicos. Desse modo, privilegia Estados aliados do governo, e não tem seguido o critério de pobreza, que seria o mais adequado tecnicamente falando.
E ele ainda diz que em seu governo “não tem corrupção”.
A assimetria na divisão e distribuição das emendas de relator — as do chamado “orçamento secreto” — no ano eleitoral é mais evidente no Nordeste, região onde ficam as 10 cidades mais pobres do País.
Dos 5 Estados que mais receberam recursos por habitante em 2022, apenas 2 são da região: Alagoas, reduto político-eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e Piauí, do ministro da Casa Civil, o senador licenciado Ciro Nogueira (PP).
Outros Estados, como Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco, cujos governadores são de partidos que fazem oposição a Bolsonaro, que também estão entre os mais pobres do país, ficaram no fim da lista de beneficiados — atrás, até mesmo, dos três da região Sul.
As comparações levam em consideração o número de habitantes em cada local.
GOVERNO ANTIRREPUBLICANO
Esses 5 Estados do Nordeste são governados por partidos que fazem oposição a Bolsonaro, inclusive Alagoas e Piauí, no Congresso Nacional. Mas o dinheiro enviado a esses dois Estados foi apadrinhado por aliados de Lira e Ciro Nogueira e para seus redutos eleitorais.
Duas cidades do Nordeste podem ser usadas como exemplo da distorção: Roteiro, em Alagoas, e Cacimbas, na Paraíba.
Essas são as duas cidades mais pobres do país, de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, que utiliza dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Roteiro entrou na lista das emendas. Cacimbas, não.
A liberação da verba para a cidade alagoana foi pedida por secretário do prefeito Alysson Reis. O valor é de R$ 336,5 mil.
OBRAS SEM NECESSIDADE
Os locais para onde vão os recursos liberados para os aliados do governo muitas vezes não são destinados para as necessidades reais e mais urgentes dos munícipes.
Em Roraima, depois da capital Boa Vista, a campeã de emendas foi Iracema, que tem cerca de 10 mil habitantes e recebeu R$ 8,5 milhões. Há Cras (Centro de Referência de Assistência Social) na cidade, mas R$ 2 milhões do total de emendas foram enviados para construir novo Cras no município.
De acordo com pessoas que trabalham no Cras já existente, que falaram reservadamente com a imprensa, não há a necessidade de novo estabelecimento.
Há dois problemas mais urgentes. O menor é a compra de carro 4×4, por conta da má qualidade das estradas na região. Há emenda reservada no valor de R$ 1 milhão para a compra de equipamentos, mas não é possível afirmar se essa vai ser usada para adquirir veículo do tipo.
O maior problema é a falta de pessoal. Os relatos feitos à imprensa indicam que o repasse do governo federal para o pagamento de funcionários caiu 60%, rombo que até o momento foi coberto pela prefeitura.
ALIADOS DO DINHEIRO DO GOVERNO
As emendas de relator somam R$ 16,5 bilhões no Orçamento e são hoje o principal mecanismo para garantir apoio político para o presidente Jair Bolsonaro no Legislativo.
A distribuição dessas emendas depende de acordos costurados entre o relator da lei orçamentária, Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A emenda de relator é um tipo de recurso que foi incluído no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba de anos anteriores.
Os Estados que mais receberam verba social por habitante foram Amazonas e Roraima. Ambos são governados pelos chamados políticos alinhados a Bolsonaro.
PRÓXIMOS À CÚPULA DO LEGISLATIVO
Neste ano, parlamentares governistas e próximos à cúpula do Legislativo têm usado brecha nas regras do Congresso para destinar emendas às suas bases eleitorais sem revelar o chamado padrinho político do recurso. Para isso, essas são registradas por usuário externo, que pode ser qualquer pessoa.
Responsável pela liberação das emendas, o relator do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), disse que quer divulgar, após as eleições, lista com o parlamentar responsável pelo apadrinhamento de todos os recursos, o que incluiria mostrar quem está por trás dos usuários externos.
O prefeito Alysson Reis também é do PP e é próximo de Lira.
A emenda destinada a Roteiro tem o objetivo de mitigar danos provocados pelas chuvas e enchentes em Alagoas. A tabela com recursos liberados pelas emendas de relator deste ano não indica outras cidades no Nordeste atendidas por causa das chuvas.
Cacimbas, na Paraíba, entrou em estado de emergência no fim do ano passado e em abril de 2022. O motivo foi a estiagem, mas a cidade não foi beneficiada com recursos para a área social.
AOS AMIGOS, TUDO
O prefeito Nilton de Almeida (PSDB) defende a reeleição do governador João Azevêdo (PSB), opositor de Bolsonaro. O presidente da República apoia Nilvan Ferreira (PL).
Alagoas entrou no topo da lista de destino de recursos da área social por intermédio de outros aliados do governo.
Entre os padrinhos das emendas estão o deputado Marx Beltrão (PP), o senador Fernando Collor (PTB), que é próximo de Bolsonaro, e Rodrigo Cunha (União Brasil), que se licenciou do Senado para concorrer ao governo estadual — e conta com o apoio de Lira.
ALIADOS DE NOGUEIRA
O Piauí também recebeu mais que a média de outros Estados. As cidades piauienses foram abastecidas por emendas de pessoas próximas a Ciro Nogueira. É o caso do senador Elmano Férrer (PP) e do prefeito de Campo Maior, Joãozinho Félix (MDB).
As 7 emendas com mais dinheiro para a área social no Estado estão em nome de Férrer e Félix, que teve o apoio do ministro da Casa Civil na campanha à eleição de prefeito. Cada um indicou pelo menos R$ 2 milhões em emendas.
Em março de 2022, Félix escreveu nas redes sociais: “Ministro Ciro Nogueira trabalha mais um pacote de investimentos que vai nos permitir construir mais calçamento, revitalizar estradas, adquirir equipamentos, e custeios para fortalecer a saúde, além de emendas para realização de diversas obras em nossa cidade, incluindo asfaltamento de ruas”.
Os recursos para Campo Maior também são voltados para o sistema de atendimento ao público que necessita de assistência social.
Procurados pela imprensa, o Ministério da Cidadania e as prefeituras de Campo Maior, Iracema e Roteiro não responderam aos questionamentos feitos pelos jornalistas.
M. V.