Sem atuação do governo, situação só piora. Reduzir taxas de importação de alguns produtos ajuda, mas dolarização de combustíveis e a falta de estoques reguladores precisam ser enfrentados com urgência
O presidente Lula já havia manifestado, na primeira reunião ministerial do ano, no último da 20 de janeiro, o seu incômodo com a alta dos preços dos alimentos. “Os preços dos alimentos estão muito altos. Temos que fazer os alimentos chegarem na mesa do trabalhador com preços compatíveis com a sua renda”, disse o presidente aos seus ministros, reconhecendo a gravidade do problema.
REUNIÃO MINISTERIAL
Nesta sexta-feira (24), nova reunião foi realizada, desta vez para discutir estratégias concretas e de curto prazo a fim de conter a alta dos preços dos alimentos da cesta básica. Durante o encontro, foram avaliadas possíveis medidas, como a redução da alíquota de importação de alimentos que estiverem com preços mais elevados no mercado interno em relação ao mercado internacional e incentivo à produção para consumo da população.
A pedido do presidente Lula, o governo decidiu que será dada maior atenção à definição de políticas públicas e recursos já existentes para o estímulo da produção, com foco em produtos que fazem parte da cesta básica. “É importante dizer que o presidente determinou que a gente já comece a discutir medidas de estímulo, um novo Plano Safra que estimule mais, principalmente os produtos que chegam à mesa da população. E é a partir disso então que nós vamos nos debruçar”, afirmou o chefe da Casa Civil, Rui Costa.
A preocupação manifestada pelo governo começa a direcionar o debate – depois de um bom tempo – na direção dos problemas reais que estão pressionando a inflação e provocando grande insatisfação da população.
DESEQUILÍBRIO DE PREÇOS
Não pode haver uma ausência do poder público no enfrentamento dos desequilíbrios nos preços. O “mercado” não regula nada e na maioria das vezes acentua os problemas. Isto pode ser visto, por exemplo, com a dolarização interna nos preços de diversos produtos e o desabastecimento de outros por conta de se privilegiar os ganhos com as vendas no exterior. Só o governo pode interferir nessas situações direcionando as soluções para atender também as necessidades da população e não somente os ganhos dos negociantes.
A primeira forma de enfrentar a inflação é fazer um diagnóstico correto do problema. Quais são as causas da carestia dos alimentos que atingem tão fortemente a população brasileira mais humilde? Os economistas neoliberais, sempre com o objetivo aumentar os ganhos dos banqueiros e rentistas, recomendam mais arrocho. Repetem a todo momento que há um excesso de demanda e que a solução é aumentar os juros para provocar uma redução do consumo e da atividade econômica. Aliás, para qualquer problema, eles só recomendam subir os juros e cortar verbas da população.
DIAGNÓSTICO INTERESSEIRO
As pessoas sérias desmentem esse diagnóstico interesseiro, de um suposto excesso de demanda, e ainda mostram que, mesmo que a inflação fosse causada por excesso de consumo, a alta dos juros não resolveria o problema. Ela é completamente ineficaz contra a aceleração dos preços. Juros altos só abaixam os preços se eles provocarem uma depressão profunda na economia e uma quebradeira generalizada no país.
Como se diz por aí, qualquer estudante de economia sabe que a verdadeira solução para problemas de desequilíbrio entre consumo e demanda, quando há excesso de demanda, é a elevação da produção, ou seja, a elevação dos investimentos para resolver a insuficiente oferta de bens e serviços. Todo governo sério, que não se submete aos dogmas neoliberais, segue esta visão. Fazer um diagnóstico correto e levar em conta os interesses da maioria na solução do conflito inflacionário.
Como demonstrou recentemente o economista David Deccache, diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD) e doutorando em Economia (UnB), no caso brasileiro em 2024, quando a inflação fechou em 4,83%, acima do teto da meta que é de 4,5%, as causas não têm nenhuma relação com o alardeado “excesso de demanda”. Para ele, (leia aqui) a energia e a falta de estoques reguladores cumprem um papel importante na alta de preços. Preços monopolizados e muitas vezes dolarizados também exercem forte pressão inflacionária.
DESMONTE DE ESTOQUES REGULADORES
Em seu diagnóstico, publicado recentemente pelo HP, o economista evidencia a continuidade de graves problemas estruturais herdados, em grande parte, dos governos Temer e Bolsonaro e que ainda não foram resolvidos. Entre os problemas apontados está a política de Preço de Paridade de Importação (PPI) da Petrobrás, que, segundo ele, “mesmo suavizada, segue amplificando os impactos da pressão cambial sobre o custo de vida”. Não há porque dolarizar os preços dos combustíveis já que eles são produzidos internamente.
O segundo problema é a ausência de instrumentos não monetários para controle da inflação, como estoques reguladores de alimentos. A política do governo Temer e Bolsonaro desmantelou várias estruturas de Estado, entre elas as unidades de armazenamento da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) que permitiam que houvesse políticas de estoques reguladores. O governo podia comprar dos produtores, armazenar e enfrentar os períodos de escassez, atuando contra a alta dos preços.
TROCA DE HÁBITOS NÃO RESOLVE
O ministro da Casa Civil afirmou que não haverá controle de preços e recomendou que a população mude de hábitos e deixe de consumir os produtos que estão caros. Falou especificamente da laranja. Evidentemente que medidas paliativas como esta são pouco eficazes e é notório que há urgência em se tomar decisões de governo para enfrentar esse problema que está prejudicando a vida das pessoas mais necessitadas. É positivo quando se fala em apoiar a produção da cesta básica, afinal, é básico garantir o abastecimento da população. Mas há necessidade de uma ação mais firme do governo.
Medidas de curtíssimo prazo, como taxar importação de alguns produtos pontualmente, podem ajudar, mas são claramente insuficientes. Para 2025, como diz Deccache, “é urgente abandonar a lógica do PPI, que prioriza os lucros de acionistas às custas da população. É igualmente essencial retomar estoques reguladores de alimentos”.
O humor da população vai melhorar também se for implementada uma política robusta de valorização do salário mínimo e de reajuste do Bolsa Família acima da inflação. O economista sugere que a meta de inflação seja ajustada para “níveis mais condizentes com a realidade econômica e social do Brasil, como 4% ou 4,5%, possibilitando uma política monetária menos restritiva”.
SÉRGIO CRUZ