O Ministério da Economia decretou sigilo sobre os estudos e pareceres técnicos que serviram de base para a proposta da reforma da Previdência.
A medida impede que pessoas interessadas ou atingidas pelas mudanças colocadas no texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 6), encaminhada ao Congresso Nacional em fevereiro, tenham acesso a estatísticas, dados econômicos e sociais que teriam embasado as mudanças pretendidas na seguridade.
Segundo o jornal “Folha de S. Paulo”, que teve um pedido de acesso aos dados negado, o governo sonegou pelo menos nove vezes o acesso de cidadãos – todos feitos com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Entre as justificativas, a desculpa que o sigilo seria crucial para evitar “interpretação equivocada” da reforma e para que a divulgação não “afete os mercados” nem “a tramitação no Legislativo”.
A sociedade saber se os números de Guedes e sua turma é uma fraude afetaria o mercado? Como assim? Das duas uma, ou eles não têm número nenhum e, aí, fica claro que o tal rombo da Previdência não existe, e eles se desmoralizariam de vez, ou, o que é mais provável, os números estão tão escandalosamente fraudados que sua revelação causará uma derrota fragorosa da proposta no Congresso.
Para o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, as respostas não têm embasamento jurídico.
“As únicas hipóteses que poderiam resultar em negativa de acesso a informações seriam aquelas previstas na Lei de Acesso à Informação. E não há, na lei, a previsão de que ‘a divulgação prematura ou assimétrica de informações pode afetar inclusive os mercados’”, afirmou Galdino, que é economista e doutor em ciência política pela USP.
Em um dos pedidos negados, a coordenadora-geral de Assuntos Previdenciários da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), Thaísa Juliana Sousa Ribeiro, alega que as informações têm “alta sensibilidade política e econômica” e sua divulgação poderia “afetar inclusive os mercados”.
“Registra-se que se trata de matéria com alta sensibilidade política e econômica, na qual a divulgação prematura ou assimétrica de informações pode afetar inclusive os mercados. Portanto, entende-se que neste momento os documentos devem ser mantidos como de acesso restrito. A antecipação de documentos, dados e informações antes que se inicie a discussão de mérito da proposta no Congresso Nacional pode trazer prejuízos à sua tramitação, por interpretações equivocadas ou utilização inadequada, em prejuízo do interesse público envolvido”, disse Thaísa.
Segundo o dirigente da Transparência Brasil, o argumento usado para negar o pedido é frágil. “Se o governo entende que a informação deve ser sigilosa, deve seguir a lei, que determina enquadramento em um dos motivos listados. Por exemplo, artigo 23, inciso IV: ‘oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do país’”, afirmou.
Galdino ressalta que os integrantes do governo não fizeram isso provavelmente porque “sabem que não se sustentaria encaixar nesse inciso, pois não há risco elevado à estabilidade monetária”.
A oposição quer suspender a votação da admissibilidade da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, até que o sigilo determinado pelo governo sobre estudos que embasam a proposta seja revogado.
De acordo com a líder da Minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), se foi feito estudo no âmbito da administração pública sobre a reforma da Previdência os dados devem ser públicos. “Bolsonaro e Paulo Guedes escondem porque não há estudo ou embasamento técnico para a lorota que propagam ao povo”, denunciou.
O deputado Aliel Machado (PSB-PR) entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a suspensão da tramitação na CCJ. A oposição também deve entrar com um mandado de segurança na primeira instância da Justiça Federal, pedindo o levantamento do sigilo.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avaliou que a decisão do governo federal de tornar os dados sigilosos pode não ter sido boa.
“Não sei se foi a melhor decisão, mas quando a reforma chegar na comissão especial não tem jeito”, disse na segunda-feira (22), acrescentando que os dados terão que “estar abertos, senão não tem como começar a trabalhar”.