“O governo federal negou ajuda para trazermos os respiradores da China”, denunciou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), ao detalhar a “nova rota” de comércio estabelecida pelo governo maranhense para garantir a chegada de 107 respiradores e 200 mil máscaras vindas da China para o estado.
Em entrevista ao economista e escritor Eduardo Moreira, numa “live” nas redes sociais, Flávio Dino explicou como conseguiu driblar a pirataria promovida por Trump e pelo governo Bolsonaro para trazer os equipamentos.
O governador relatou a criação de um comitê com empresários após o estado ter um lote de respiradores reservado em uma fábrica de Santa Catarina e Bolsonaro bloquear a transação para distribuir os equipamentos segundo seus critérios.
Além deste episódio, 150 respiradores não chegaram ao Maranhão porque a Alemanha passou na frente. Poucos dias depois a situação se repetiu, mas quem interferiu nas negociações e bloqueou a vinda das mercadorias ao Brasil foi os Estados Unidos.
Moreira perguntou para Dino como ele organizou o esquema e questionou a necessidade do Maranhão precisar “se defender do próprio país para acudir as pessoas”.
“É um dos sintomas, das anomalias que nós vivemos na hora presente, dessa ausência de coordenação federativa em que, por vezes, acaba sendo uma espécie de batalha robesiana, em que todos lutam contra todos”, explicou o governador.
“Nós pedimos ajuda e o governo federal negou”
“Não há de fato um trabalho, de garantir o provimento de insumos hospitalares de modo adequado. Então o que nós vimos no nosso caso, uma sequência de frustações de operações que nós tentamos, às vezes solitariamente, às vezes em nível de consórcio Nordeste. E acabamos tendo uma grande dificuldade que não é apenas do Maranhão. Outros estados do Norte e Nordeste com dificuldades similares, então nós fizemos esse fundo, essa espécie de condomínio com os empresários do Maranhão. Eles nos ajudaram na aquisição desses equipamentos, empresas, empresários que atuam no nosso estado. Eu sou muito grato a eles, pois é um gesto de responsabilidade social. E com isso nós fizemos a aquisição”, disse o governador.
“Quando veio a parte do transporte, nós pedimos ajuda ao Governo Federal. Porém o Governo Federal disse que não dispunha de meios para ajudar, não a mim, ajudar a população do meu estado, que integra naturalmente a nação brasileira, o que me causa muita estranheza. Então nós tivemos a ajuda de duas empresas privadas, que nos auxiliaram na montagem da logística, exatamente porque não tivemos a centralização, a coordenação por parte do Governo Federal”, explicou Dino.
O governador ainda detalhou como procedeu a operação. “Então nós tivemos que fazer essa operação, há de fato uma luta muito dura no mercado internacional, em que, os governos procuram proteger o abastecimento de seus próprios sistemas de saúde e nós pactuamos enfim, com essas empresas privadas que atuam no Maranhão, grandes empresas que tem escritório na China. Encontraram esse caminho de trazer pela Etiópia, que acabou sendo um caminho bem seguro, bem tranquilo. China -Etiópia, Etiópia-São Paulo, ai nós fretamos um avião e trouxemos diretamente para o Maranhão, fizemos todo o procedimento alfandegário aqui no nosso estado”, afirmou Flávio Dino.
GOVERNADORES DO NORTE E NORDESTE
A iniciativa de Dino ganhou apoio de outros estados brasileiros. Os governadores do Ceará, Piauí, Amapá e Amazonas entraram em contato com o maranhense para saber como importar respiradores e máscaras chinesas sem que a carga fosse desviada para outro país ou ainda confiscada pelo governo Bolsonaro.
O interesse na estratégia adotada por Dino se deu pelo nível de dificuldade que os estados estão tendo para comprar equipamentos para combater o coronavírus.
O Pará aguarda a chegada de 400 respiradores até o final da próxima da semana, também com parada na África. “Temendo qualquer intercorrência que pudesse colocar em risco a chegada dos equipamentos comprados pelo governo do estado, também adotamos procedimentos cautelares. Contratamos frete aéreo exclusivo para nossos equipamentos, que chegarão diretamente a Belém”, diz Alberto Beltrame, secretário estadual de Saúde do Pará.
DEMISSÃO DE MANDETTA
Durante a conversa com Eduardo Moreira, Flávio Dino considerou que “o ministro vinha mais acertando do que errando”. “Por mais que estejamos em um governo bastante confuso e atrapalhado, a equipe do Ministério da Saúde conseguia ir bem na resposta contra a pandemia e o Bolsonaro consegue ainda brigar com seu ministro”, disse o governador.
“Não que a gestão do ministro fosse imune a críticas, ele cometeu erros vitais, como praticamente a extinção do programa Mais Médicos, em razão de preconceitos ideológicos. Como já mencionado observa-se bem como os médicos cubanos são recebidos nos países europeus em meio à pandemia, ajudando a população desses países. No caso do Brasil por fatores puramente ideológicos, ocorreu a restrição e a atuação do programa, que hoje estaria ajudando muito no enfrentamento ao coronavírus”. “Eu sinto muita falta. Nós tínhamos 700 médicos aqui no Maranhão, que hoje seriam muito úteis no auxílio aos municípios”, destacou.
INDÚSTRIA NACIONAL
O chefe do poder executivo do Maranhão ainda destacou o quão deficitário está o parque industrial brasileiro e como a pandemia evidencia a crise da industrialização que o país enfrenta.
“Os militares gostam muito do conceito de Segurança Nacional. Acho que nada viola mais a soberania e a segurança nacional nesse momento do que saber, que mesmo produtos de tecnologia relativamente simples como respiradores não estão disponíveis no parque industrial brasileiro, com que faz que nós tenhamos uma dependência gigantesca da importação de outros países. Então isso de fato é uma ameaça objetiva, e creio que deva haver uma reflexão de mais longo curso, quanto ao papel estratégico da indústria da saúde para prover serviços adequados. A China fez isso em outras crises e por isso teve uma grande capacidade de atendimento do seu próprio mercado e hoje ser o principal fornecedor em escala global. Espero também que passada a fase mais aguda da crise, nós tenhamos reflexões a cerca de modelos institucionais que garantam que o parque industrial brasileiro possa ser orientado”, frisou.
Veja a entrevista: