Governo gasta R$ 70 mil/mês com empresa alvo da CPI para guardar produtos vencidos

O ex-diretor de Logística Roberto Dias e o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no centro de armazenamento e distribuição de Guarulhos. Foto: Reprodução - Twitter - Ministério da Saúde

O estoque de produtos sem validade é avaliado em R$ 243 milhões. E o Ministério da Saúde gasta cerca de R$ 70 mil por mês para armazená-los. Valor referente somente aos produtos vencidos. São medicamentos, testes e insumos do SUS (Sistema Único de Saúde) vencidos.

O valor para manter os produtos na central de distribuição do Ministério da Saúde, em Guarulhos (SP), foi confirmado por autoridades do governo federal que acompanham as discussões.

A VTCLog, investigada pela CPI da Covid-19 no Senado, administra o armazém. Cabe à empresa informar à Saúde sobre produtos prestes a vencer, além de separar os insumos sem validade ou interditados.

Procurado, o Ministério da Saúde não quis se manifestar sobre o estoque vencido e não confirmou se o pagamento é inteiramente feito à VTCLog. A pasta colocou sob sigilo de cinco anos todas as informações sobre os produtos vencidos.

O caso foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo.

RISCO À VIDA, SEGURANÇA OU SAÚDE DA POPULAÇÃO

Em resposta a questionamentos apresentados via LAI (Lei de Acesso à Informação), o ministério informou que os dados podem colocar em risco à vida, segurança ou saúde da população.

A Saúde também afirmou que divulgar as informações ofereceria “elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País”, além de risco à segurança de “instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares”.

A Folha de S.Paulo perguntou sobre o estoque atual vencido, valor de armazenamento, e qual volume foi incinerado nos últimos anos. A Saúde informou que os dados são de “caráter reservado”.

“UM PROBLEMA”

Após a revelação do estoque, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu que o cemitério de insumos do SUS “é um problema”, mas negou negligência.

O ministro ainda tentou jogar sobre gestões anteriores a responsabilidade por perder os produtos.

“Em relação a insumos vencidos, realmente esse é um problema. Não é que o ministério deixa vencer por negligência, é porque se compra em quantidade, há insumos que foram adquiridos nos dois governos anteriores ao governo do presidente Bolsonaro e eles não foram distribuídos”, disse Queiroga em audiência no Senado.

Marcelo Queiroga é o quarto ministro da saúde em 2 anos e 10 meses de governo Bolsonaro, que tratou o Ministério da Saúde com todo o desprezo e desdém. Inclusive criou uma equipe paralela ao ministério para lhe auxiliar, o chamado “gabinete das sombras” ou “gabinete paralelo”, integrado por, entre outros, Osmar Terra, deputado do MDB-RS, e Nise Yamaguchi, médica.

Antes de Queiroga foram ministros Luiz Henrique Mandetta (de 1 de janeiro de 2019 a 16 de abril de 2020 – 1 ano e 4 meses), Nelson Teich (de 17 de abril de 2020 a 15 de maio de 2020 – menos de 1 mês), Eduardo Pazuello (de 2 de junho de 2020  a  23 de março de 2021 – 1 ano e 5 meses).

Entre Teich e a efetivação de Pazuello, o ministério ficou 17 dias sem titular nomeado. Pazuello assumiu interinamente esse período vago.

DEPOIS DE O ‘LEITE DERRAMADO’

Auxiliares do ministro tentam agora entender a razão de cada item ter vencido. Integrantes da Saúde afirmam que os produtos devem ser incinerados quando alcançarem, reunidos, uma tonelada.

Oficialmente, o governo também não disse quanto falta para atingir esse volume e se irá incinerar todos os produtos ou dar outra destinação a esses.

O ministério se recusou a informar há quanto tempo paga cerca de R$ 70 mil para manter os itens vencidos no armazém.

VTCLOG

Em nota, a VTCLog escreveu que “cumpre fielmente as obrigações contratuais” e afirmou que mensalmente informa sobre estoque crítico de produtos a vencer e vencidos.

“Toda responsabilidade de gestão sobre a distribuição das vacinas compete à pasta [Ministério da Saúde]”, escreveu na nota a empresa.

Deputados de cinco partidos da Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara pediram auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre possíveis omissões “que levaram ao desperdício de R$ 243 milhões em vacinas, testes e medicamentos que perderam validade em posse do Ministério da Saúde”.

A proposta foi aprovada pelos congressistas em 15 de setembro.

DESPERDÍCIO ESTRUTURAL

Segundo levantamento de agosto obtido pela Folha de S.Paulo, o centro de distribuição da Saúde guarda 3,7 milhões de itens que começaram a vencer pelo menos em 2018. Quase todos expiraram durante a gestão Bolsonaro.

Há vacinas de gripe, cerca de 2 milhões de testes RT-PCR da Covid-19 e medicamentos de alto custo para doenças raras, entre outros itens sem validade.

O ministério se debruçou sobre os dados do estoque a partir de meados de setembro, após a Folha de S.Paulo revelar o caso. Em análise prévia, integrantes da pasta avaliaram que o prejuízo é reduzido em alguns casos, pois fornecedores trocaram os produtos vencidos por novos.

Essa compensação ocorreu com os exames da Covid-19, pois os lotes que restavam na Saúde haviam sido reprovados em testes de qualidade.

TCU

O Tribunal de Contas da União analisa um contrato do Ministério da Saúde com a empresa VTCLog. O ex-diretor de Logística do MS, Roberto Dias, aceitou pagar 18 vezes o valor recomendado pelos técnicos do ministério.

O tribunal investiga a execução do contrato desde 2018, quando foi questionado por concorrentes que perderam a licitação. A VTCLog foi selecionada para cuidar da armazenagem e distribuição de medicamentos, como vacinas.

O Ministério da Saúde tinha um departamento próprio para o serviço, mas ele foi extinto pelo deputado Ricardo Barros, atual líder do governo na Câmara, quando era ministro da Saúde, no governo de Michel Temer. Em resumo, o serviço foi privatizado com prejuízos para os cofres públicos.

O processo do TCU já avaliava se a extinção do departamento e contratação da VTCLog geraram economia aos cofres públicos e eficiência para o ministério.

O ministro Benjamin Zimler, relator do caso, quer analisar também aditivos feitos ao contrato, que podem ter beneficiado a empresa.

M. V.

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