
“O governo brasileiro tem que atentar mais para o que nós estamos fazendo”
Com muita paciência, os senadores presentes ao debate com o ministro Ernesto Araújo, realizado na Comissão de Relações Exteriores do Senado, em meados de abril, conseguiram pinçar, de tudo o que ele disse sobre “sentidos”, “razões”, “recuperação de personalidades”, e outras esquisitices, que a prioridade da política externa do governo Bolsonaro não passa mesmo é de “reconectar o Brasil” ao que ele chamou de os “seus grandes parceiros: os Estados Unidos e Israel”.
Alguns senadores não acreditaram no que estavam ouvindo quando o ministro argumentou que não se deve supervalorizar as correntes de comércio do país, na busca de relações com os demais países.
“Não se pode pensar apenas quantitativamente, em termos de comércio, mas sim na qualidade da relação”, argumentou Araújo. Por essas e outras é que Bolsonaro iniciou o governo criando atritos com os chineses, nosso principal parceiro comercial, e com os árabes, maiores compradores mundiais de proteína animal brasileira.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), que é um conhecido representante dos setores empresariais e do mundo dos negócios, não se conteve diante de tamanha subserviência aos governos de Israel e dos EUA, demonstrada na fala do ministro.
Amin rebateu Araújo dizendo que “a personalidade que o Brasil tem que recuperar é a capacidade de aprender com o que os outros fazem”. A ironia veio junto com comentário de que os governos dos EUA colocam em primeiro lugar, em segundo lugar e em terceiro lugar os seus interesses. e, no fim, defendem mais uma vez os seus interesses.
Ele sugeriu ao ministro que o Brasil deveria fazer o mesmo. Ou seja, colocar os interesses do Brasil em primeiro lugar.
Amin criticou o governo por ele “não saber o que é feito no Brasil”. “O governo brasileiro tem que atentar mais para o que nós estamos fazendo”, ponderou.
“Tecnologia sensível, por exemplo, que é especialidade de Israel, é especialidade de Santa Catarina”, observou o senador, lembrando que apesar de Santa Catarina possuir o Sapiens Parque, um centro de alta tecnologia, Bolsonaro vai buscar tecnologia lá fora “e, até hoje, não se dignou a visitar-nos”.
Quando Araújo, sem a menor cerimônia defendeu que o Brasil devia mesmo “incomodar o mundo” assumindo a defesa das posições agressivas dos EUA e Israel pelo mundo, que segundo ele, são posições “discriminadas por grupos ideológicos”, Amin respondeu. “Eu gostei quando o senhor falou em incomodar. Só que eu acho que nós incomodamos os outros quando desenvolvemos tecnologia”, destacou.
“O Guardião foi concebido e é fabricado lá em Santa Catarina, ministro, e não mereceu ainda a atenção do governo federal”, informou Esperidião Amin, dirigindo-se a Ernesto Araújo. A empresa catarinense de tecnologia, citada pelo senador, criadora do Guardião, é a Dígitro, que responde por 95% das soluções de inteligência de segurança pública no Brasil, de parte dos serviços de inteligência do Paraguai e Uruguai.
“Cerca de 6% do nosso produto, da nossa renda, deriva da tecnologia, da informação e da comunicação ‘Made in Brasil’, como faz o Donald Trump”, seguiu ironizando o senador.
“Nesta questão da tecnologia, o Itamaraty tem que consultar os interesses da nossa indústria, que, certamente, não serão o de importar produtos dos outros, de alto valor agregado”, cobrou Amin, após apontar a ignorância do governo sobre o que se desenvolve dentro do Brasil em termo de tecnologia.
Isso foi dito pelo senador catarinense depois de Ernesto Araújo ter rasgado elogios à capacidade das empresas de Israel e dizer que elas podem suprir o mercado brasileiro. O ministro chegou a dizer que depois passava o nome de algumas empresas israelenses para o senador.
Amin resolveu balizar o deslumbramento de Araújo com o ‘desempenho econômico’ de Israel, citando o exemplo do Vietnam. Segundo o parlamentar, o país asiático “já passou o Brasil nas exportações”.
“Acho auspicioso que Israel tenha alcançado esta renda toda, mas fico impressionado mesmo com o Vietnam que ultrapassou as exportações brasileiras. E não obteve esse êxito exportando matéria prima. Isso é uma singularidade que deveria nos emular”, afirmou Amin.
O senador tem razão. O Brasil realmente foi ultrapassado pelo Vietnã e caiu da 26ª para a 27ª posição entre os 30 maiores exportadores do mundo em 2018, segundo relatório anual divulgado no início de abril pela OMC (Organização Mundial do Comércio).
Para terminar sua interpelação, o senador do PP, que não tem nenhuma afinidade ou simpatia por posições progressistas e de esquerda, cobrou do pupilo do astrólogo Olavo de Carvalho, coerência na política externa assumida pelo governo Bolsonaro em termos de direitos humanos.
“Do que eu levantei, me desculpe, mas é altamente contraditório que consigam liderar na América Latina, como o Brasil está fazendo com posições em relação à Venezuela, e, quando termina a investigação do outro tema [o conflito Israel/Palestina], o Brasil se isola e vota contra. É um sinal contraditório do país. É uma interrogação sobre o nosso sentido”, completou Esperidião Amin.