A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi impedida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) de prestar socorro médico aos povos Yanomami. O grupo, formado por profissionais de saúde e de outras áreas não pode entrar na reserva indígena para atender à população que sofre com surtos de malária, desnutrição, falta de medicamentos e omissão do governo.
A intenção da equipe era atender cerca de 1.200 indígenas. “Por que a Funai não proíbe a entrada dos garimpeiros? Por que está proibindo os médicos na Terra Yanomami para fazer exame? Então, isso é muito revoltante, é muito absurdo”, questionou o vice-presidente da Hutukara, principal associação que representa o povo Yanomami, Dário Kopenawa.
Além dos serviços de saúde, a equipe também faria um estudo sobre o impacto do garimpo na reserva, que é a maior do país e, nos últimos anos, sofre com o avanço da mineração ilegal do ouro que é incentivada pelo governo Bolsonaro.
“É, no mínimo, uma tremenda falta de sensibilidade e uma contradição a Funai negar acesso a uma equipe multidisciplinar de saúde formada por oito médicos com diferentes especialidades, enfermeiros, psicólogos, biólogos, geógrafos”, critica o pesquisador da Fiocruz, Paulo Basta, que comporia o grupo.
Basta é médico e especialista em saúde indígena e foi um dos responsáveis pela pesquisa que apontou que oito em cada dez crianças menores de 5 anos têm desnutrição crônica na Terra Yanomami, divulgada em outubro.
Essa é uma realidade dolorosa que as crianças Yanomami enfrentam na maior Terra Indígena (TI) do País, apontada, por especialistas como um dos resultados da “política anti-indigenista” do governo federal. Em 2019, oito em cada 10 crianças de 5 ano ou menores sofriam com a desnutrição. Atualmente, com a pandemia da Covid-19 e o avanço do garimpo ilegal, a situação chegou a níveis alarmantes, como mostrou reportagem do Fantástico, realidade denunciada também pelo HP na última semana. O estudo, divulgado no ano passado, abrangeu as regiões de Auaris e Maturacá e teve o apoio do Unicef (fundo da Organização das Nações Unidas para a infância).
A pediatra e nutróloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Maria Paula Albuquerque explica essa condição. “Revela uma possível infestação de parasita, ou uma possível síndrome de má-absorção, que é quando o intestino não tem como absorver os ingredientes, então ele distende”. Ela destacou ainda as consequências da desnutrição na saúde das crianças. “Quanto mais desnutrida a criança é, maior as chances dela ter a infecção por qualquer causa, pode ser respiratória, intestinal”, destaca.
Na semana passada, duas crianças que estavam com sintomas de malária faleceram, evidenciando ainda mais o caos na saúde Yanomami. Elas morreram com três dias de diferença e viviam em Xaruna, umas das comunidades visitada pelo Fantástico, da Rede Globo. Segundo a reportagem, levada ao ar dia 14 de novembro, é uma das comunidades que apresenta um dos piores quadros de desnutrição infantil.
Os problemas de saúde não se restringem apenas à escassez de alimentos e negligência médica. A atividade de mais de 20 mil garimpeiros que invadiram o território contamina os rios com mercúrio e tem sido a causa de deformidades e de doenças em mulheres e crianças, segundo denúncia do líder Dário Kopenawa, no mês passado.
“As crianças estão saindo com malformações. Mulheres e crianças já estão com sintomas de coceira e também apresentam dor de barriga, diarréia e infecção urinária, porque a gente está tomando água suja. Não é só água, todo o território Yanomami está poluído”, denunciou.
Após a reportagem do Fantástico, o Ministério Público Federal (MPF) cobrou da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Mistério da Saúde, responsável pelo atendimento médico nas comunidades Yanomami um plano de reestruturação da assistência básica para reverter o caótico cenário da saúde Yanomami e auditoria na contas do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y) e da própria Sesai para identificar como o dinheiro está sendo usado. Esse plano deve incluir reforço no quadro de funcionários que atuam dentro da reserva, além de logística aérea adequada para atender às comunidades.
Na quarta-feira (17), o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o Governo Federal preste esclarecimentos sobre a situação de abandono dos Yanomami. O prazo se encerra nesta terça-feira (23).
Presida por Marcelo Xavier, indicado por Jair Bolsonaro, a Funai alegou que “pesquisas e ingressos em terras indígenas estão provisoriamente suspensos, devido à Covid-19. Xavier é alvo de inquéritos na Justiça por descumprir determinações que obrigava o órgão a dar prosseguimento aos processos em andamento de demarcação de terras indígenas, algumas em fase final. Apesar de ser um dos indicados de Bolsonaro com maior tempo de permanência no cargo, sua gestão é marcada pela redução, quase a zero, da delimitação de terras indígenas em um espaço de dois anos e quatro meses. Essa “performance” é inédita desde o fim da ditadura militar.
O indicado do governo também é réu na Justiça do Pará pelo descumprimento de uma ordem judicial que o obrigava a dar continuidade a demarcação do território Munduruku. O Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União (DPU) já moveram mais de 40 ações para revogar portarias, rever nomeações e avançar nas demarcações pendentes, que já somam cerca 832 mil hectares, segundo a DPU – área equivalente a seis vezes o território do Rio de Janeiro.