Leilão da ANP, programado para este mês, incluiu áreas de proteção ambiental da Cadeia de Fernando de Noronha
O governo federal prepara para o próximo dia 7 de outubro um leilão que prevê a entrega de 92 blocos de exploração marítima de petróleo – incluindo áreas de reserva biológica integrais que podem desequilibrar importantes ecossistemas de recifes do Brasil.
Trata-se da inclusão da chamada “Cadeia de Fernando de Noronha” no rol de áreas que serão entregues para a exploração de grandes petroleiras, envolvendo uma sequência de montes submarinos que formam o arquipélago de Fernando de Noronha e a reserva biológica Atol das Rocas.
A região possui biodiversidade única e de preservação integral – com reconhecimento internacional desde 2001 como Patrimônio Natural Mundial pela ONU.
Pesquisadores veem irregularidades na oferta dos blocos da região e afirmam que a exploração de óleo e gás nesses blocos pode causar impactos ambientais irreversíveis.
Um estudo técnico realizado pelo Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) e do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo ao qual o Estadão teve acesso questiona os dados fornecidos pela ANP (Agência Nacional do Petróleo) para justificar a inclusão das áreas no leilão.
“As pessoas conhecem o arquipélago de Noronha e o Atol, mas esses bancos que fazem parte desse ecossistema, e que são pouco conhecidos, têm a mesma relevância e riquezas e são vitais para que tudo seja preservado, todo o conjunto, porque estão conectados”, diz o professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (Docean/UFPE), Mauro Maida.
Segundo estudo técnico realizado por pesquisadores e professores do Departamento de Oceanografia da UFPE e do e do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), entre os 92 blocos que a ANP vai ofertar para exploração de grandes petroleiras, estão aqueles da chamada “Bacia Sedimentar Potiguar”, uma área que tem blocos com impacto direto em três bancos submarinos da cadeia de Fernando de Noronha. São os chamados bancos Guará, Sirius e Touros.
Os estudos revelam que dois desses blocos atingem diretamente cerca de 50% da área da base do monte Sirius e 65% de seu top, diz a reportagem do Estadão que teve acesso ao estudo. Do fundo do mar, o Sirius avança sentido à superfície e chega a ficar a apenas 54 metros abaixo do nível do mar. Trata-se, portanto, de uma área extremamente rasa. O mesmo impacto direto foi identificado sobre os bancos Guará e Touros.
O Sirius é o banco mais importante para manter a ligação dos ecossistemas oceânicos da região Nordeste. Entre ele e o arquipélago de Noronha está localizado o Atol das Rocas. Dada a sua importância ecológica, o Atol se tornou, ainda em 1979, a primeira unidade de conservação marinha do Brasil.
O Atol das Rocas é classificado como uma reserva biológica, com os mesmos critérios de conservação adotados em reservas como o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (1983) e o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha em (1988), que no ano seguinte teve as áreas do arquipélago e de seu entorno decretadas como Área de Proteção Ambiental.
A ANP nega irregularidades na oferta dos blocos. Questionada sobre o assunto pela reportagem, a agência declarou que “não foram identificadas pelos ministérios envolvidos (Meio Ambiente e Minas e Energia) restrições à oferta dos 14 blocos exploratórios na Bacia Potiguar”.
“As arrecadações costumam ser irrisórias para o setor se comparadas ao grande risco que essas explorações representam. Na contramão do mundo, estão querendo leiloar blocos em cima de áreas recifais. Com todas as alternativas de matriz enérgica que temos, não faz o menor sentido colocar em risco algo tão importante para o Brasil e o planeta”, comenta o especialista Mauro Maida.
Os impactos associados estão desde à fase de prospecção sísmica e ao processo de instalação de plataformas no fundo do mar – a perfuração pode causar dispersão de contaminantes oriundos de fluidos e problemas com derrames de petróleo causados na produção. Isso tem sido historicamente responsável por grandes desastres ambientais.
“Explorar petróleo em áreas de singular biodiversidade aumenta a vulnerabilidade do país e da Petrobrás diante do mundo e dos potenciais investidores. Certamente é a visão de um Brasil do século 20”, comentou à reportagem Fábio Feldmann, ex-deputado federal responsável pelo capítulo de meio ambiente incluído na Constituição Federal.