As mudanças propostas pelo governo no Código de Trânsito Brasileiro foram duramente criticadas, durante audiência pública da comissão especial que analisa o Projeto de Lei 3267/19. A proposta, entregue pessoalmente por Bolsonaro à Câmara dos Deputados, faz diversas alterações no CTB (Lei 9.503/97) para tornar a legislação atual menos rigorosa para os infratores.
O projeto muda regras sobre renovação de carteira, transporte de crianças, uso de faróis de dia e emissão do documento do carro. Em um de seus dispositivos, dobra a pontuação limite para suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Hoje o motorista que acumula 20 pontos em um ano perde temporariamente o direito de dirigir. O projeto eleva esse limite para 40 pontos.
O deputado Mauro Nazif (PSB-RO) avaliou que o governo deveria retirar a proposta e discutir o tema com todas as partes relacionadas ao trânsito. Ele apontou que o texto do executivo dá muito foco à desburocratização e à flexibilização, mas esquece da segurança à vida.
“Aqui não está sendo discutido qual é a segurança para as pessoas que andam dentro de um veículo, para o pedestre e para os ciclistas, então esqueceram de discutir a vida. Só estão discutindo aqui como o Denatran vai aperfeiçoar o seu sistema”, afirmou Nazif.
Para o parlamentar, em vez de colocar em discussão a situação das rodovias, a segurança no trânsito, o projeto do governo só fala em questão financeira, em desburocratização. “Nós estamos retrocedendo com esse projeto. Não estamos avançando”, disse.
O deputado Fábio Henrique (PDT-SE) concordou com o colega e apresentou à comissão dados da página SOS Estradas, que mostram as consequências do desligamento de 2.500 radares nas rodovias federais.
Segundo as estatísticas, até o final de março, enquanto os radares ainda estavam em funcionamento, ocorreram 21% acidentes a menos do que no mesmo período de 2018. No primeiro trimestre, houve 90 mortes a menos do que no mesmo período do ano passado. Já nos quatro meses seguintes, sem os radares, foram registradas 46 mortes a mais.
“Isso aqui são dados, dados não são de cor vermelha, ou azul, não são de esquerda ou direita. Esses dados devem ser analisados pelo governo e não é vergonhoso retroceder às nossas decisões. Vergonhoso é continuar errando”, afirmou o parlamentar.
Os parlamentares também questionaram o diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Jerry Adriane Dias Rodrigues, sobre a proposta de fim da multa para o condutor que transportar crianças sem a cadeirinha.
Fábio Henrique considerou “um equívoco” a mudança que está sendo colocada no CTB. Hoje, quem comete essa infração é punido com multa de R$ 293,57 e sete pontos na carteira, além da apreensão do veículo. A proposta do governo mantém a retenção, mas dá apenas uma advertência ao infrator, sob a justificativa de dar um caráter mais educativo à medida.
“O que o (novo) Código está propondo é letra morta. Não vai servir para nada você dizer ao motorista que se ele não utilizar a cadeirinha para garantir a segurança do filho dele, ele será apenas advertido. Ou seja, isso não vai servir para nada”, observou o deputado.
O diretor do Denatran alegou que as normas sobre as cadeirinhas estão apenas sendo adequadas, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 2998). De acordo com Rodrigues, recentemente houve uma decisão do STF que considerou inconstitucional uma parte do Código de Trânsito que permitia ao Contran (Conselho Nacional de Trânsito) criar infrações.
“A infração sobre cadeirinha não está no Código de Trânsito. Está prevista em uma resolução. O código fala tão somente sobre a obrigatoriedade do transporte de crianças no banco traseiro”, disse.
Após dez anos de vigência da resolução do Contran, que em 2008 passou a exigir o uso de cadeiras especiais para crianças, houve redução de 12,5% nas mortes de crianças de até 9 anos de idade. Já o número de internações caiu 18%. Porém, apesar dessa redução, a gerente executiva da ONG Criança Segura, Vania Schoemberner, apresentou dados à comissão mostrando que os números atuais ainda são assustadores.
“Por dia, morrem mais de dez crianças em acidentes. Só no trânsito, são três crianças por dia. Isso tendo a penalidade (pela falta de cadeirinha) há dez anos. Se a gente tira a penalidade, pode aumentar muito o número de acidentes, que já é grande, e ter mais crianças morrendo e sendo internadas vítimas de acidentes de trânsito”, alertou Schoemberner.
WALTER FÉLIX