Desprezo de Bolsonaro atinge principalmente as populações mais carentes que necessitam desses serviços. Orçamento da Assistência Social, que já foi de R$ 3 bilhões em 2014, será de apenas R$ 48 milhões em 2023
Jair Bolsonaro é conhecido por odiar as mulheres, por desrespeitá-las, ameaçá-las e agredi-las com frequência, como fez recentemente, por exemplo, com as jornalistas Vera Magalhães e Amanda Klein. No entanto, uma análise mais detalhada da proposta de orçamento para o ano de 2023, enviada por ele ao Congresso Nacional no mês passado, revela que não é só as mulheres que ele odeia.
Pois bem, agora vem a constatação, feita pela equipe de reportagem da BBC News, e reproduzida em reportagem desta sexta-feira (16), do site G1, que o orçamento previsto por Jair Bolsonaro para a Assistência Social caiu para o nível mais baixo da última década. Ele era de R$ 3 bilhões em 2014, caiu para R$ 1,36 bi em 2020, depois para R$ 1,1 bi em 2021 e, para 2023, o valor será de apenas e somente R$ 48 milhões, o menor em mais de uma década.
Sua proposta de orçamento mostra que o atual inquilino do Planalto tem um profundo desprezo também pelo povo brasileiro, principalmente pela população mais pobre. A atenção de Bolsonaro se concentrou no abastecimento do orçamento secreto, um instrumento ilegal e imoral de desvio de verbas públicas para viabilizar o suborno e a compra de votos por parte do Planalto e de seus apaniguados no Congresso Nacional. Para este fim foram reservados R$ 19 bilhões em 2023.
Já falamos aqui dos cortes de 60% das verbas do programa Farmácia Popular, que garante medicações gratuitas ou a preços acessíveis aos portadores das doenças mais comuns como diabetes, hipertensão e outras às populações de baixa renda. Dos R$ 2,04 bilhões do orçamento destinados a este programa no ano de 2022, os recursos cairão para R$ 804 milhões em 2023.
Já falamos também da decisão do governo de não reajustar os valores repassados para ajudar no custeio da merenda escolar nos municípios, agravando a fome que atinge hoje 33 milhões de brasileiros, dos quais boa parte são crianças que dependem da merenda para se alimentar. Grande parte das crianças desprezadas por Bolsonaro têm a merenda como sua única refeição.
Vimos também que o governo acabou como o programa “Minha Casa Minha Vida”, responsável pela construção de habitação popular, e criou o programa “Casa Verde e Amarela”. Só que, ao mesmo tempo em que Bolsonaro anunciou o seu novo programa, veio também o anúncio de que as verbas para a construção de habitações populares em 2023 seriam cortadas em 95%. Dos R$ 665,1 milhões para a construção de casas populares em 2022, valor que já era insuficiente, ele cortou para míseros R$ 34,1 milhões no ano que vem. Ou seja, não vai construir casa nenhuma.
Segundo a reportagem, a verba para Assistência Social não cobre nem as despesas mais simples dos órgãos responsáveis pelo setor. E são exatamente as pessoas mais pobres que usam e necessitam dos serviços prestados pelos Cras (Conselhos Regionais de Assistência Social).
Para especialistas e gestores municipais ouvidos pela BBC News Brasil, as filas nas portas dos Cras em todo o país são um resultado direto da perda de espaço dos serviços de assistência social no Orçamento federal, além de mudanças na forma de gestão dos programas sociais feitas de forma unilateral pelo governo. Segundo eles, a queda nos recursos revela a falta de prioridade do governo na assistência social.
Os serviços de assistência social, diz a reportagem, são a rede de equipamentos públicos que possibilita o acesso a benefícios como o Auxílio Brasil, BPC (salário mínimo pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda) e encaminhamento a abrigos para crianças e mulheres vítimas de violência doméstica, por exemplo. Apesar do recente aumento de recursos para o Auxílio Brasil, essa rede de serviços contínuos, que exigem financiamento de caráter permanente, têm perdido cada vez mais espaço no Orçamento federal.
A BBC cita um estudo da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), mostrando que o orçamento federal para cofinanciamento dos serviços de assistência – que inclui a manutenção dos Cras, Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e abrigos, por exemplo – diminuiu de cerca de R$ 3 bilhões em 2014, ano de maior orçamento do período recente, para valores próximos a R$ 1 bi em 2021 e 2022, conforme a Lei Orçamentária Anual (LOA).
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado ao Ministério da Economia, também mostrou a mesma tendência. “Este volume de recursos chama atenção porque configura o menor montante proposto pelo governo federal nos últimos dez anos. Com isso, sinaliza-se a ausência de prioridade dada a esta política, ainda mais no contexto de uma crise com impactos duradouros na economia e na sociedade e que demandará um longo processo de recuperação”, escreveram os técnicos do Ipea, comentando o orçamento para a assistência social.
Jucimeri Isolda Silveira, professora da Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da PUC-PR e responsável pelo estudo Proteção Social, Desproteção e Financiamento do Suas também fala na reportagem da BBC News.
“Desde que a Emenda Constitucional 95 [que estabeleceu o teto de gastos, limitando o crescimento da despesa do governo à variação da inflação no ano anterior], os recursos para a assistência social vêm sendo reduzidos. Então é essa rede, que atua lá na ponta, que faz o cadastramento das famílias, que visa o acompanhamento integrado dessa população que acessa os benefícios, que está sendo comprometida”, diz Silveira.
Ela dá outro exemplo prático dessa perda de recursos: o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) não recebe recursos federais para ações de enfrentamento desde 2019. Com a redução dos repasses federais, também ficam prejudicados serviços prestados pelos municípios como atendimento à população em situação de rua, imigrantes e mulheres vítimas de violência. “Quem faz esse atendimento na ponta é a assistência social, é ela, por exemplo, que garante a proteção integral de crianças em situação de acolhimento institucional, que são mais de 30 mil hoje no Brasil”, exemplifica a professora e pesquisadora da PUC-PR.