Medida foi tomada após reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que disse que o governo ainda não tem votos para aprovar o pacote fiscal, que prejudica o salário mínimo e os benefícios aos pobres
O governo publicou, nesta terça-feira (10), no DOU (Diário Oficial da União), portaria que detalha procedimentos e prazos para a liberação de emendas parlamentares, instrumento legislativo que está no centro do mal-estar entre o Executivo e o Legislativo.
Com a publicação da portaria, o governo espera destravar a pauta do Congresso que inclui proposições do pacote fiscal, em discussão na Câmara, e a regulamentação da Reforma Tributária, no Senado.
As proposições estavam na pauta do plenário da Câmara, inclusive com urgência aprovada na semana passada. Mas foram retiradas de pauta, em razão desse problema da liberação das emendas, porque o Congresso não cumpriu todos os procedimentos pactuados com o Supremo.
Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o pacote pode ser votado inclusive essa semana. “Nós estamos na terça-feira e vamos com sessão até sexta-feira (13). Nós temos tempo para construir consensos e acordos”, disse após tarde de reuniões com lideranças.
Ele admitiu, no entanto, que o governo ainda não tem votos e que as medidas tratam de temas polêmicos, além da insatisfação de parlamentares com a questão das emendas.
A rigor, o problema não está no STF e muito menos no governo. O problema é que os presidentes da Câmara e do Senado quiseram dar um “passa moleque” no Supremo e o ministro Flávio Dino, do STF, não aceitou.
EMENDAS PIX
Um dos dispositivos da portaria publicada nesta terça-feira prevê que a execução orçamentária e financeira das transferências especiais — as chamadas “emendas PIX” — empenhadas no exercício de 2024 pode ser realizada antes de a apresentação dos planos de trabalho previstos em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
O governo mantém a expectativa de ver aprovadas as medidas do pacote fiscal —projeto de lei, projeto de lei complementar e PEC (proposta de emenda à Constituição) — ainda neste ano.
PACOTE
Um conjunto de medidas de cortes nos ministérios, programas sociais e no aumento real do salário mínimo foi anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no final de novembro, em cadeia nacional de TV.
Ele propôs um mecanismo de reajuste menor para o salário mínimo, que é índice para reajustar os Benefícios de Prestação Continuada (BPC), pagos pela Previdência a aposentados, portadores de invalidez, auxílio doença para acidentados do trabalho.
O pagamento do abono salarial aos trabalhadores também será restringido e não estará mais vinculado ao reajuste do salário mínimo. O abono salarial terá redução de R$ 18,1 bilhões (5,5%) até 2030. Também nesse período, serão cortados R$ 109,8 bilhões (33,5%) do salário mínimo.
O corte no Ministério da Educação, somente entre 2025 e 2026, é de R$ 10,3 bilhões, representando 14% do montante pretendido por Haddad em todas as áreas. Até 2030 serão R$ 42,3 bilhões retirados do setor.
Do Bolsa Família serão cortados R$ 17 bilhões (5%), do BPC: R$ 12 bilhões (3,6%) e da Lei Aldir Blanc: R$ 7 bilhões (2%);
5 DIAS PARA O CONGRESSO SE MANIFESTAR
O ministro Flávio Dino determinou, nesta segunda-feira (9), que o Congresso se manifeste, em até 5 dias úteis, sobre o relatório da CGU (Controladoria-Geral da União), que apontou falta de dados para a rastreabilidade e transparência das emendas parlamentares.
No prazo determinado, Dino pede que sejam disponibilizados, no Portal da Transparência, os documentos, planilhas e linques de acesso aos sistemas indicados — como o sistema de Registro de Apoio às Emendas Parlamentares — apresentados pelo Congresso.
De acordo com o relatório da CGU, não existem “elementos essenciais” para garantir a rastreabilidade das emendas, como a falta de correlação direta entre os recursos executados e os parlamentares patrocinadores.
FRAGMENTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
Além disso, a instituição cita a fragmentação de informações fornecidas e a falta de conexão entre os dados apresentados pelo Legislativo e os sistemas de execução financeira do Poder Executivo.
“A CGU concluiu que, apesar dos esforços empreendidos pelo Congresso Nacional para atender as demandas de transparência decorrentes das decisões desse Pretório Excelso, a análise dos dados apresentados pelos órgãos legislativos revelou limitações”, consta no relatório citado na decisão.
“Intimem-se as partes — incluindo as Casas do Congresso Nacional — e os amici curiae admitidos no feito para que se manifestem sobre o Relatório da CGU (e-docs. 1.030 e 1.031), no prazo de 5 (cinco) dias úteis, requerendo o que entenderem cabível para que se concluam os procedimentos conducentes à transparência e à rastreabilidade determinadas pela Constituição Federal”, escreveu o ministro no despacho.
Ainda, nesta segunda-feira (9), Dino rejeitou pedido da AGU (Advocacia Geral da União) para reconsiderar trechos da decisão que liberou as emendas.
A AGU havia contestado 3 pontos na decisão de Dino:
• a exigência de “plano de trabalho”, com aprovação do Poder Executivo (ministério setorial), para o pagamento das chamadas “emendas PIX”;
• a identificação nominal dos parlamentares solicitantes ou autores das emendas de comissão; e
• a regra estabelecida para corrigir o valor das emendas parlamentares (de todos os tipos) a partir de 2025.
O QUE SÃO EMENDAS PARLAMENTARES?
As emendas parlamentares são instrumentos utilizados por deputados e senadores que permitem que alterações sejam feitas no Orçamento anual.
Essas podem ser usadas, por exemplo, por parlamentares para enviar recursos a Estados e municípios.
As emendas individuais são impositivas, ou seja, a União é obrigada a executá-las quando são aprovadas.
JULGAMENTO DESCUMPRIDO
Com base em relatórios apresentados pela CGU, Flávio Dino observou o descumprimento dos requisitos de transparência e rastreabilidade nas execuções das emendas parlamentares de todas as modalidades. Entre 2019 e 2024, o montante pago foi de R$ 186,3 bilhões, com origem e destino não sabidos.
Em razão de descumprimento parcial da decisão do STF na ADPF 854, realizada em dezembro de 2022, o relator passou a adotar série de medidas para garantir a transparência e rastreabilidade na execução do Orçamento Público.
Para a tomada de decisão pactuada entre governo, Legislativo e STF foram realizados diálogos com representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, reuniões técnicas e também audiência de conciliação ocorrida em agosto de 2024.
Durante o julgamento, o plenário do STF determinou que órgãos da Administração Pública em geral publicassem dados de serviços, obras e compras realizadas com as emendas parlamentares referentes aos anos de 2020 a 2022.
Na ocasião, os ministros destacaram a importância da transparência na execução do Orçamento e a obrigação de divulgar informações claras e precisas, de modo a permitir a atuação eficiente dos órgãos de controle interno e externo.
M. V.
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