A palavra “economia” tem um sentido peculiar para o atual governo. “Economia” é espoliar o povo, é tirar dele o que é seu direito, é deixá-lo na miséria – ou na miséria maior ainda. Ao mesmo tempo, e como consequência, é jogar e manter o país em um pântano econômico sem fundo.
Primeiro, foi a Previdência. Agora, a intenção é alvejar o salário mínimo. Segundo eles, para fazer “economia”.
Resumindo: membros da equipe econômica revelaram que a próxima proposta do governo Bolsonaro é tirar da Constituição o reajuste obrigatório pela inflação, do salário mínimo – ou seja, acabar com a manutenção do valor real do salário mínimo.
Embora nos pareça evidente que o leitor percebeu, não resistimos, pelo absurdo, a frisar: trata-se daqueles que ganham um salário mínimo, que o governo pretende atingir – é verdade que com outras repercussões, mas o golpe imaginado pelo sr. Guedes e caterva é sobre aqueles trabalhadores que, mantendo ainda seu emprego, ganham menos.
Para quê?
Para que ganhem ainda menos.
O salário mínimo no Brasil é um dos menores do mundo – é inferior, por exemplo, ao salário mínimo do Paraguai. Mas o atual governo quer tirar até mesmo o direito a esse salário mínimo.
Uma das grandes conquistas do povo brasileiro, após a derrubada da ditadura, foi, com a Constituição de 1988, o reconhecimento de alguns direitos sociais, entre eles:
“Artigo 7º inciso IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.
O que Guedes e Bolsonaro querem tirar é, exatamente, o direito a “reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.
Com isso, é o próprio direito ao salário mínimo que acabaria – é óbvio que, se o poder aquisitivo do salário mínimo puder ser rebaixado à vontade pelos escroques que estão no poder, ele deixa de ser salário mínimo para ser uma ficção, uma mentira.
E com um efeito sobre os outros salários: o salário mínimo é, como está em seu nome, o piso salarial do país. Se ele for rebaixado – por não ser reajustado, pelo menos, de acordo com a inflação – isso determinaria um rebaixamento geral dos salários no país.
Não estamos, no momento, discutindo se uma monstruosidade como essa teria ou não condições de ser aprovada pelo atual Congresso.
Independente de tal questão, o simples fato de se cogitar em tirar da Constituição o reajuste obrigatório do salário mínimo pela inflação – e, inclusive, dessa intenção ser comunicada à imprensa (v., por ex., OESP 16/09/2019) – é um escândalo, e, também, a marca da infâmia sobre esse governo.
Para que, segundo eles, querem tirar da Constituição o reajuste do salário mínimo pela inflação?
Segundo a corriola de Guedes declarou, para “economizar entre R$ 35 bilhões e R$ 37 bilhões”. Uma autoridade do governo disse ao jornal O Estado de S. Paulo: “Podemos apresentar uma proposta que preveja, por exemplo, não ter o reajuste por um ou dois anos em momentos de dificuldades fiscais. E isso abriria espaço para que outros benefícios também não sejam corrigidos”.
Em outras palavras, querem rebaixar o salário dos servidores e as aposentadorias de todos, já que estas têm como piso, precisamente, o salário mínimo.
Mas não é somente isso: o salário mínimo não é válido apenas para os servidores ou para os aposentados. É válido para todos os trabalhadores, ainda que muitos nem isso consigam ganhar.
O governo não tem nenhum problema para pagar os servidores ou as aposentadorias. E não apenas pelo fato evidente de que pode emitir dinheiro para esses pagamentos – o que, na situação atual, nada teria de inflacionário.
Além disso, o governo mantém R$ 1,2 trilhão parados na conta do Tesouro no Banco Central (cf. J.L. Oreiro, O Saldo da Conta Única do Tesouro em Reais e outros esclarecimentos).
Então, o que significa falar em “economia” de R$ 1 trilhão na reforma da Previdência ou “economia” de R$ 35 bilhões com a retirada da Constituição do reajuste pela inflação do salário mínimo?
Significa o que o leitor já deve ter concluído: vigarice, pretexto para saquear o povo e destruir o país – pois esse é o projeto do governo Bolsonaro e das quadrilhas que o compõem. Aliás, foi o próprio Bolsonaro, na presença de Paulo Guedes e Olavo de Carvalho, quem proclamou esse projeto – e, ainda por cima em Washington (“O Brasil não é um terreiro aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos que desconstruir muita coisa, desfazer muita coisa”, disse ele).
Para que o país precisa de uma “economia” de R$ 1 trilhão em dez anos, assassinando idosos pela fome, pela doença, pela aflição?
Para que o país precisa de uma “economia” de R$ 35 bilhões ou R$ 37 bilhões, sabe-se lá em quanto tempo, rebaixando, arrochando ainda mais o salário de todos os trabalhadores, especialmente dos que ganham menos?
A última característica é o traço patognomônico (isto é, aquele que define, por si só, a doença) do governo Bolsonaro: o ataque é sempre em cima dos mais pobres, dos que ganham menos, dos mais desvalidos.
O que significa um ataque à toda coletividade. Se o povo não tem dinheiro para comprar mercadorias, o empresário – e a empresa – nacional torna-se inviável.
Alguns economistas se espantam porque, em meio a uma crise provocada pela escassez de demanda (isto é, achatamento do mercado interno pela falta de recursos para a compra de mercadorias), toda a política de Guedes é no sentido de diminuir ainda mais essa demanda – a reforma de Previdência e essa intenção de rebaixar o salário mínimo, retirando seu reajuste da Constituição, são exemplos evidentes (e criminosos).
Mas, para Guedes, o Brasil não é um país – simplesmente é um espaço para ganhar dinheiro arrancando o couro dos “incapazes”, isto é, todos nós, que não demos golpes na praça, não roubamos fundos de pensão das estatais, nem subornamos parlamentares para que eles aprovem um assalto ao povo.
Para Bolsonaro, o Brasil também não é um país – mas um lugar sobre o qual, finalmente, pode expelir o seu ressentimento contra o povo, o seu fascismo, o seu ódio à democracia, e, pelo menos em sua fantasia, substituir o Estado por uma milícia corrupta da sua família.
Nisso, os limites são aqueles que podem ser estabelecidos – e estão sendo – pela sociedade. Bolsonaro, por si só, não tem os limites civilizatórios mais elementares. Daí as exaltações à tortura e ao assassinato políticos, os ataques à ciência, à arte, à cultura; daí, as perseguições declaradas a entidades populares, a jornais, a pessoas que nada mais fizeram do que cumprir as leis.
Neste momento, no país, tudo se transforma em pugna, em luta. Porque se trata da sobrevivência do Brasil, da existência de seu povo.
Daí a união de tantos setores – e tão diferentes -, que se acelerou nos últimos dias.
É verdade, existem aqueles que preferem uma oposição de fancaria a Bolsonaro, na ilusão de que, em 2022, voltarão ao poder.
Somente que, sem a união e o combate efetivo à Bolsonaro, não haverá 2022.
Mas até dentro do PT, como vimos nos últimos dias, essa política, tão oportunista quanto suicida, está com dificuldades de se manter (HP 14/09/2019 Defesa de frente democrática pelo governador Rui Costa aprofunda divisão do PT).
C.L.