
A cassação sumária da procuradora que encabeçou a investigação sobre o pedófilo bilionário Jeffrey Epstein, Maurine Comey, pelo governo Trump, na quinta-feira (17), só jogou mais lenha na fogueira em que o governo de Donald Trump vem ardendo, desde que, contrariando inúmeras promessas feitas na campanha, passou a sustentar que “não havia arquivos escondidos” do escândalo, “não havia lista de clientes” e chamando tudo de “embuste”.
O novo escândalo acontece ao mesmo tempo em que desencadeia, contra o mundo inteiro, sua guerra tarifária, ameaça o Brasil, apoia o genocídio em Gaza e envia armas para o regime neonazi de Kiev.
Há alguns dias, vazou um documento do DOJ dizendo que o caso seria arquivado, a partir de investigação do FBI que concluiu que Epstein de fato cometeu suicídio, não tinha uma lista de clientes e nem havia extorquido autoridades.
O “caso Epstein” expôs a podridão nas altas rodas dos EUA, sob o processo de hiperfinanceirização e desindustrialização, em que banqueiros, um ex-presidente, ex-governadores, senadores – dos dois partidos -, juristas e até um príncipe inglês, por décadas perpetraram suas taras, na “Ilha Pedo”, ou em seu jato Lolita Express, contra meninas pobres menores de idade.
Até a casa cair e, depois de condenado, Epstein aparecer morto na cela em Manhattan, onde deveria estar sob vigilância 24 horas por dia, o que convenientemente foi considerado “suicídio” mas percebido pela maioria como uma queima de arquivo em prol dos “clientes”.
A reiteração do escândalo começou a sair do controle quando, em meio à trocação do rompimento de Elon Musk com o presidente norte-americano, o homem mais rico do planeta desvendou que Trump estava na lista, embora haja depois recuado.
Embora mais de mil vítimas tenham sido identificadas, o governo dos EUA se recusou a nomear até mesmo um único dos magnatas e figurões que se valeram da exploração sexual de menores propiciada por Epstein.
A tentativa da titular do Departamento de Justiça nomeada por Trump, Pam Bondi, na semana passada, de abafar o escândalo, divulgando um relatório de duas páginas declarando que nenhuma “lista de clientes” havia sido encontrada nos arquivos de Epstein, que não havia suspeita de crime em sua morte e que não haveria mais informações divulgadas sobre os crimes de Epstein, só causou mais indignação, inclusive nas bases de Trump, agravando a crise política.
Três meses antes, logo após sua confirmação pelo Senado, Bondi garantira à Fox News que a lista de clientes de Epstein estava “na minha mesa” e logo seria tornada pública.
Na manhã de quarta-feira, Trump tentou deter a avalanche, postando em seu Truth Social que seus ex-apoiadores haviam caído em uma trama do Partido Democrata: “Seu novo EMBUSTE é o que chamaremos para sempre de Fraude Jeffrey Epstein, e meus apoiadores do PASSADO compraram essa “besteira”, anzol, linha e chumbada …”
Postagem que buscava responder a manifestações dentro das próprias fileiras do trumpismo, como o âncora Tucker Carlson, que repeliram o anúncio de Bondi e pediram a divulgação da lista de clientes, cuja ocultação atribuíram aos democratas, em cujas fileiras havia notórios caronas do Lolita Express, como o ex-presidente Bill Clinton.
Na noite de quinta-feira, em uma expressão do nível de tensão nas mais altas rodas de Washington em meio à guerra tarifária, o Wall Street Journal, cujo proprietário é o magnata Rupert Murdoch e até aqui apoiador do presidente, detonou as alegações de Trump, publicando uma mensagem de aniversário escrita por ele próprio para Epstein, que prova a intimidade e afinidade entre os dois. Publicação aliás feita após ameaça de Trump de processar o WSJ.
Mensagem que integrava um álbum de mensagens para o 50º aniversário de Epstein, em 20 de janeiro de 2003, organizado pela parceira de tráfico de menores, Ghislane Maxwell. Agora condenada a 20 anos e que vem cobrando de Trump um indulto.
O longo artigo de primeira página do WSJ, que detalha o relacionamento de mais de 15 anos de Trump e Epstein – eram vizinhos em Palm Beach – e reproduz a carta, que tem várias linhas de texto datilografado emoldurado pelo contorno de uma mulher nua, que parece ter sido desenhado à mão. Um par de pequenos arcos denota os seios da mulher, e a assinatura do futuro presidente é um “Donald” ondulado abaixo da cintura, imitando os pelos pubianos.
A carta conclui: “Feliz aniversário – e que todos os dias seja outro segredo maravilhoso”. A que o WSJ acrescentou uma grande foto de Epstein e Trump juntos parecendo os melhores amigos.
O artigo também reproduziu conhecido relato da revista New Yorker de 2002, em que Trump chama Epstein de “cara fantástico” e, tratando-o pelo diminutivo, diz que “conhece Jeff há 15 anos.” “É muito divertido estar com ele. Diz-se até que ele gosta de mulheres bonitas tanto quanto eu, e muitas delas são mais jovens. Sem dúvida – Jeffrey gosta de sua vida social”.
Posteriormente, Trump passou a dizer que mal o conhecia. Analistas consideram que a publicação do WSJ reflete as contradições nas altas rodas dos EUA em relação à guerra tarifária, com seu prazo de 1º de agosto, e às ameaças de remover o presidente do Fed, Jerome Powell.
Quando Trump em 2 de abril decretou seu “dia da libertação”, anunciando o tarifaço, o mercado de títulos do Tesouro norte-americano quase quebrou, o que só parou quando ele anunciou a trégua de 90 dias.
Tentando remendar o estrago, nesta sexta-feira Bondi e Trump passaram a anunciar que iriam divulgar os depoimentos do processo contra Epstein. O que foi considerado pela oposição democrata uma farsa, após a bomba do WSJ.
“E quanto a vídeos, fotografias e outras gravações? E quanto aos 302s do FBI (entrevistas com testemunhas)? E quanto a textos e e-mails? É aí que estarão as evidências sobre Trump e outros”, denunciou o deputado Dan Goldman.
O deputado Ro Khanna disse em comentários no plenário da Câmara que “o testemunho do grande júri é em grande parte sobre Epstein” e sua associada, Ghislaine Maxwell – e “não sobre todos os homens ricos e poderosos … que abusaram de nossos filhos”.
“O público quer toda a informação relacionada a Epstein e quer justiça completa para as vítimas”, afirmou a deputada Omar, apontando que privadamente Trump sabia que seria danoso para ele e esperava que o público “esqueceria”.
Segundo o portal Politico, a esperança entre os legisladores do Partido Republicano “é que o presidente da Câmara, Mike Johnson, e o líder da maioria, Steve Scalise, decidam cancelar a sessão programada da Câmara para a próxima semana e, em vez disso, mandem os membros para casa para um recesso prolongado de verão, assim que a votação terminar na quinta ou sexta-feira”.
Assim como a ascensão de Trump faz lembrar figuras como Nero, Epstein expressa outro aspecto da decomposição do império norte-americano, com sua trajetória pessoal se confundindo com a da degeneração vivida sob a ascensão unipolar.
De origem humilde no Brooklyn, nos primeiros anos da financeirização da economia dos EUA, ele encontrou guarida em figuras como o executivo-chefe da Bear Stearns, Andrew Greenberg, e depois o fundador-proprietário da The Limited, Leslie Wexner, por sua falta de caráter, depravação e prontidão para a fraude.
Escalando de corretor para gerente financeiro pessoal da fortuna de bilhões de dólares de Wexner e, depois cafetão bilionário, aliciador de menores, “garotas que estavam em um caminho ruim, garotas que eram basicamente sem-teto”, no relato de uma testemunha, sempre com a colaboração de Ghislaine Maxwell.
Em 2007, quando Epstein se declarou culpado de solicitar a prostituição de um menor – um crime grave pelo qual qualquer outra pessoa teria sido presa por anos -, para escapar de uma pena maior, o procurador dos EUA para o sul da Flórida, Alexander Acosta, fez um acordo de bastidores que lhe permitiu administrar seus empreendimentos comerciais de uma ala de prisão de luxo que Epstein pagou por si mesmo. E pelo acordo judicial, nenhum dos clientes de Epstein, que não foram identificados, seria processado pelo uso de seus serviços de tráfico sexual.