O advogado Marcelo Feller, que apontou a responsabilidade do governo pelo caos na saúde, lembrou que “hoje todos dizem que o presidente tem responsabilidade sobre a política que resultou nessa multidão de mortos”
O ministro André Mendonça, da Justiça, pediu a abertura de mais um inquérito com base na Lei de Segurança Nacional (LSN) para investigar falas críticas ao presidente Jair Bolsonaro.
O alvo desta vez é o advogado Marcelo Feller, de São Paulo. O ministro já havia pedido investigações com base na Lei de Segurança Nacional também contra os colunistas da Folha, Ruy Castro e Helio Schwartsman, o jornalista Ricardo Noblat e o cartunista Aroeira por críticas a Bolsonaro.
A Polícia Federal seguiu as ordens do ministro e já abriu uma investigação contra o advogado baseada na Lei de Segurança Nacional. A acusação é a de que o advogado citou, no programa “O Grande Debate”, da CNN, em julho que o discurso do presidente era responsável por pelo menos 10% das mortes por Covid-19 no país.
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes tinha acusado o Exército de, ao respaldar as posições negacionistas do presidente da República e de seu governo, se associar a um “genocídio” na crise do novo coronavírus. O advogado vai impetrar um habeas corpus pedindo o trancamento da investigação.
“Hoje todos dizem que o presidente tem responsabilidade sobre a política que resultou nessa multidão de mortos”, afirma Feller. O inquérito para investigar a declaração foi aberto em agosto pelo delegado Victor Barbarella Negraes, da Divisão de Contrainteligência Policial.
O dispositivo citado pelo ministro para perseguir o advogado é o artigo 26, que prevê como crime “caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”. A pena é de um a quatro anos de prisão.
“Fiquei surpreso com a ligação da escrivã. Fui comunicado de que a pessoa a ser ouvida era eu próprio. Uma maneira como eu recebi a notícia até, certa forma, cômica”, lembra. Logo que a confusão foi esclarecida, o sentimento que ficou foi o de “choque”, segundo contou ao Estadão.
“Uma lembrança anterior à ficha a cair: ver sua foto incluída nos documentos preparados pelo setor de inteligência da PF. A minha foto, aquela descrição, o que normalmente é usado em investigações de associações criminosas, foi chocante”, disse.
A Lei da Segurança Nacional foi sancionada em 1983, durante a ditadura militar, pelo presidente João Figueiredo, para listar crimes que afetem a ordem política e social – incluindo aqueles cometidos contra a democracia, a soberania nacional, como instituições e a pessoa do presidente da República.
Na avaliação de Marcelo Feller, a abertura do inquérito é uma tentativa de silenciamento. “Eu não sou um analista ou um cientista político, mas creio que existia um ônus político ao próprio Bolsonaro em mover um processo. Afinal, de um lado você tem um Presidente da República, e de outro você tem um advogado de 34 anos chamado para debater em um programa”, disse.