
O licenciamento da pilha de rejeitos da multinacional francesa Vallourec que cedeu, causando o transbordamento em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, no último sábado, foi realizado pelo governo de Romeu Zema (Novo) em janeiro de 2021 após uma convocação extraordinária em regime de urgência pedido pela própria mineradora.
A denúncia, do portal Observatório da Mineração, aponta que ambientalistas alertaram sobre os riscos do aumento da pilha, mas que as críticas foram ignoradas, assim como a devida análise da documentação para a autorização de mudanças nas estrutura que cedeu e provocou o transbordamento de um dique inundando de lama trecho da BR-040, que liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro.
A Pilha Cachoeirinha foi interditada pela Agência Nacional de Mineração, que exige um certificado de estabilidade e o restabelecimento das condições de segurança. O Dique Lisa foi elevado para a classificação 3 de risco pela ANM, o que requer a implementação do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM). Na tarde de domingo, a ANM rebaixou o risco do Lisa – chamado de barragem pela agência – para nível 2 dizendo não haver “iminência de ruptura”. A BR 040 foi liberada.
Segundo o jornalista Maurício Ângelo, fundador do Observatório da Mineração, a multinacional francesa Vallourec entrou com pedido de licenc]iamento de várias estruturas, incluindo a Pilha de Rejeito/Estéril Cachoeirinha para expandir sua atuação na região. A urgência pedida pela Vallourec foi acatada pela Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), após recomendação da Secretaria de Meio Ambiente (Semad).
O licenciamento correu na modalidade concomitante, com Licença Prévia, de Instalação e de Operação ao mesmo tempo.
A Vallourec alegou que, se não fosse atendida nas primeiras semanas de janeiro de 2021, a produção da empresa precisaria parar porque a pilha de estéril já tinha alcançado o limite de área permitido.
O prazo exíguo para análise dos documentos e manifestação oficial foi alvo de críticas de entidades ambientalistas que atuam na região, como a Associação de Proteção do Vale do Mutuca (Promutuca) e o Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM) .
Julio Grillo, ex-superintendente do Ibama em MG e representante da Promutuca, registrou em parecer que, no status da época, o empreendimento da Vallourec já representava um caminhão por minuto na BR 040, com alto risco de “desastres, mortes e poluição”.
“Ao concordarmos com o aumento das pilhas, estamos concordando com a continuidade deste transporte e com todas as suas potenciais consequências”, disse Grillo, que também questionou a necessidade de rebaixamento do lençol freático até 2028.
Os ambientalistas repudiaram a convocação da reunião extraordinária de 14 de janeiro de 2021 em 30 de dezembro de 2020, após as 18 horas, época de recesso, alegando que precisariam analisar 412 páginas de processo no total da pauta da reunião em pouco tempo, incluindo apenas 5 dias úteis para os licenciamentos pedidos.
No fim, Grillo registrou que, caso o processo não fosse retirado de pauta diante dos problemas, a sua posição era pelo indeferimento. A reunião foi mantida, as críticas foram contemporizadas pela maioria dos presentes e a CMI aprovou por 11 votos favoráveis e 1 abstenção – da Promutuca – em 14 de janeiro de 2021 a expansão da Pilha de Estéril que, em parte, desabou dia 08 de janeiro de 2022, menos de 1 ano depois.
“A sociedade não pode ser míope ao analisar estes empreendimentos com rebaixamentos de lençol freático. Eles são divididos em pequenas partes e obtêm licenças sem que possamos analisar as consequências cumulativas e sinérgicas do que estamos licenciando”, diz o parecer de Grillo da época.
A CMI é formada por diversos representantes do poder público mineiro, pelo Ibama, ANM e representantes da sociedade civil como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), a Sociedade Mineira de Engenheiros e a já citada Promutuca. Ambientalistas costumam ficar isolados nas decisões da CMI.
Em 23 de janeiro de 2019, dois dias antes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), celebrou a expansão da Mina Pau Branco em reunião com os representantes da Vallourec.
Exaltando a previsão de investimento de R$ 220 milhões na ampliação das instalações do grupo francês em Brumadinho e Nova Lima, Zema afirmou em post no Twitter e no Instagram que o governo iria “trabalhar para trazer investimentos, gerar emprego e renda aos mineiros”.
No próximo dia 25 de janeiro, o rompimento da barragem da privatizada Vale, uma das maiores tragédias registradas no país, completa três anos. Até hoje, diretores e executivos da mineradora, apontados pelas investigações policiais como responsáveis pelo crime que matou 370 brasileiros, seguem sem ser responsabilizados pela justiça.
SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES
No domingo, a justiça acatou em parte os pedidos da ação movida pelo Ministério Público de Minas Gerais e a Advocacia-Geral do Estado e suspendeu toda e qualquer atividade de disposição de material de qualquer natureza, incluindo estéril e rejeitos na Mina de Pau Branco, na Pilha Cachoeirinha e a execução de todas as medidas emergenciais previstas no Plano de Ação, como base no pior cenário, inclusive contemplando a mancha de inundação na totalidade e potenciais efeitos cumulativos e sinergéticos com outras estruturas, com conferência e adequação de rotas de fuga, pontos de encontro, sinalização de campo e sistemas de alarme.
A expansão da Mina Pau Branco contou também com obras da estatal de energia Cemig, que Zema tenta privatizar, em março de 2021. Uma nova linha de distribuição foi construída para atender a mineradora. De acordo com a Cemig, ao garantir disponibilidade de sistema para a expansão da Vallourec, o empreendimento “reforça a parceria entre as empresas e contribui para o desenvolvimento econômico do estado”.
O Observatório da Mineração procurou o governo de Minas Gerais para comentar o licenciamento expresso, mas não obteve resposta.
A Vallourec também não respondeu as perguntas específicas da reportagem sobre o processo de licenciamento acelerado e a relação da empresa com o governador Romeu Zema e se limitou a enviar uma nota atualizada sobre a situação do transbordamento. “Neste momento, a Vallourec está com todas as equipes e recursos focados na adoção de providências e na realização das ações necessárias. Por isso, não conseguiremos dar um retorno sobre os seus questionamentos”, disse a mineradora.
Assista a um vídeo inédito sobre a situação da Mina Pau Branco em imagens registradas por drone na tarde de domingo (09) por Bruno Costalonga Ferrete, para o Observatório da Mineração: