Greve geral, convocada pelas centrais CGTP e UGT, teve a participação de 3 milhões de trabalhadores segundo os organizadores
Uma greve geral parou Portugal na quinta-feira (11) para exigir a retirada da reforma trabalhista apresentada pelo governo do primeiro-ministro Luis Montenegro, que agrava o corte dos direitos, aprofunda a precariedade e a terceirização, enfraquece a negociação coletiva, ataca as proteções à maternidade e facilita demissões, atendendo à convocação das centrais sindicais Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical (CGTP) e União Geral dos Trabalhadores (UGT).
Sob a palavra de ordem “O povo não quis o pacote do Luis”, protestos tomaram conta das ruas de Lisboa, com os manifestantes marchando do Rossio ao Largo de São Bento, e das principais cidades do país.
O jornal Expresso mostrou Lisboa vivendo um dia de feriado, com as avenidas vazias e sem trânsito, em plena quinta-feira, enquanto o secretário-geral da CGTP, Thiago Oliveira, anunciava participação de “3 milhões de trabalhadores” e “cheiro de abril” (referindo-se à Revolução dos Cravos que derrubou a ditadura portuguesa).
“Estamos perante uma das maiores greves gerais de sempre, se não mesmo a maior delas”, ele acrescentou.
“Dizemos ao Governo: retirem o pacote laboral”, prosseguiu Oliveira, advertindo que a reforma Montenegro significaria «um profundo retrocesso nos direitos de quem trabalha».
Para a preparação da greve geral, foram centenas de plenárias, milhares de reuniões e ações de mobilização, com milhões de trabalhadores contatados.
Apresentado pelo governo neoliberal PSD/CDS, o projeto antitrabalhadores recebeu o apoio dos liberais (IL) e da extrema-direita do Chega. Na quinta-feira o governo insistiu em asseverar que “só 10%” aderiram à greve.
A UGT, próxima ao Partido Socialista, considerou uma adesão de 80% nas suas bases. “O Governo pode torcer os números, mas não pode torcer a realidade”, disse o secretário-geral Mário Mourão, sublinhando que “quem trabalha em Portugal não quer este anteprojeto e não pode ser desrespeitado”.
Para o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, essa greve geral é “uma das maiores de sempre”, com “uma grande adesão dos trabalhadores, muitos dos quais pela primeira vez e com significativo impacto em todo o País”.
Esta é a primeira vez desde 2013 – quando o país estava sob o tacão da Troika – que as duas centrais se unem para uma greve geral. O portal Esquerda.net mostrou a paralisação na Autoeuropa, a maior montadora de Portugal, da Volkswagen.
A greve geral em Portugal foi antecedida pelas greves geral na Bélgica e Itália, esta última aconteceu um dia depois da paralização em Portugal – o que reflete a crescente resistência ao arrocho dos gastos sociais nos orçamentos que estão sendo aprovados neste período, em busca de inflar os gastos com o rearmamento em curso na Europa, e o descontentamento com a estagnação e a carestia.
Portugal está aumentando drasticamente os gastos militares, elevando o orçamento de defesa de 2026 em 23 por cento — um dos maiores saltos em décadas. O governo pretende alcançar a meta da OTAN de 2% do PIB pela primeira vez desde 1982 e a nova diretriz de 5% da OTAN até 2035.
Em uma coletiva de imprensa, a CGTP destacou a força da greve “na indústria, nos serviços, no setor privado e público”, dando os exemplos da adesão “na Autoeuropa e no parque industrial, na Bosch, Superbock, Coca Cola, Valorsul, Visteon, Minas da Panasqueira”, entre outros.
Os portos portugueses pararam, assim como as frotas de pesca. Os serviços ferroviários pararam em todo o país quando os ferroviários se juntaram à greve, deixando estações desertas e linhas de longa distância e suburbanas paralisadas. Também o metrô de Lisboa e os transporte no Porto, Braga, Coimbra e Barreiro. Nos aeroportos, dois terços dos voos foram cancelados.
Também o setor financeiro foi afetado, assim como escolas, universidades, hospitais – que só atendiam urgências -, repartições, museus, correios, órgãos da administração local, coleta de lixo e outros serviços públicos. Motoristas de carga e caminhoneiros se juntaram à paralisação, interrompendo as entregas e a logística de combustível.
PROFUNDO RETROCESSO
Em seu discurso na manifestação em Lisboa, o secretário-geral da CGTP denunciou que, se não for derrubada, a reforma trabalhista significaria “um profundo retrocesso nos direitos de quem trabalha”.
“A normalização da precariedade, o embaratecimento do trabalho, a perpetuação da incerteza e da insegurança, a vida em suspenso. Significaria mais um ataque às famílias, aos pais e às crianças, à conciliação entre a vida pessoal e familiar com a vida profissional.”
Ele denunciou o ataque ao pagamento pelas horas extras, com a reforma impondo um banco de horas – mais duas horas por dia, 10 horas por semana, “a mercê dos patrões”, sem direito a pagamento.
A reforma de Montenegro – apontou – “significaria despedir ainda mais facilmente, limitando a defesa do trabalhador e colocando nos patrões todos os mecanismos necessários para usar e abusar da vida de cada um de nós, aumentar a exploração e as ameaças, inclusive consumando o despedimento sem justa causa.”
Ataca a própria democracia, ele acrescentou, “ao atacar a liberdade sindical e impedindo os trabalhadores de terem acesso à informação, à discussão coletiva, ao seu sindicato, impedindo os sindicatos de entrar nos locais de trabalho, reunir e organizar os trabalhadores”.
“Significaria atacar, mais uma vez, a contratação coletiva com a caducidade automática ao fim de quatro anos. Mais um golpe em cima de tantos outros que continuamente têm retirado poder negocial aos sindicatos e colocado nas mãos dos patrões a liberdade para o esmagamento de salários e direitos.”
Em suma, enfatizou, retira aos trabalhadores “aquilo que é um direito seu, o direito a lutar contra as injustiças, o direito a lutar pelos seus direitos e por aquilo que acreditam”.
Thiago de Oliveira também se referiu à cínica alegação do primeiro-ministro Montenegro de que sua reforma permitiria, no futuro, elevar o salário mínimo a 1.600 euros. O líder da CGTP lembrou como o governo acusava a proposta da central de aumentar o salário mínimo como sem pé nem cabeça, e como se opõe agora à proposta de elevação para 1050 euros em janeiro.
“É o mesmo governo que ainda há 1 ano, firmou um acordo que prevê durante 4 anos o aumento do salário mínimo em 50 euros….sim…..50 euros por ano.”
Mesmo governo que, perante a exigência da valorização das carreiras dos servidores públicos, “nomeadamente da saúde, da educação, da justiça, dos impostos, das forças de segurança, aquilo que propõe são 56 euros de aumento dos salários e 10 centavos de aumento no subsídio de alimentação…. Uma verdadeira provocação”.
Oliveira também fez questão de se dirigir aos trabalhadores jovens, que tanta importância tiveram no sucesso da greve geral. “Em nome da CGTP-IN envio a todos os trabalhadores uma forte saudação. Uma saudação particular aos jovens trabalhadores. Muitos assumiram e exerceram hoje, pela primeira vez, o direito à greve. Hoje assumimos, enquanto trabalhadores, a nossa condição de classe. Lutamos, juntos, por uma vida melhor.”
Na sexta-feira (12), os servidores públicos se mantiveram em greve, para exigir um reajuste digno.
SALÁRIO DE MENOS
“Portugal é um país em que se trabalha demais por salário a menos. Quando comparamos com a média europeia é isso mesmo” que vemos, disse ao Expresso Catarina Martins, do Bloco de Esquerda.
“O que o Governo quer fazer é conseguir que todas as gerações – desde as mais novas, que ainda não conseguem um contrato permanente, até às gerações que têm uma vida estável – fiquem numa situação em que as pessoas podem ser obrigadas a trabalhar mais horas do que já trabalham sem que isso seja pago como hora extraordinária”.
Martins considerou inviável continuar a alimentar uma “economia dos salários baixos”, instando o governo Montenegro a “pôr numa gaveta ou num caixote do lixo as suas propostas”.
“Nós não podemos pedir aos sindicatos para se sentarem a negociar quanto é que os trabalhadores vão perder, sem que ganhem em nada, sem que a economia fique melhor, pelo contrário, alimenta mais ainda a economia dos baixos salários em Portugal, que é desastrosa para nós no presente e no futuro”.











