Na última segunda-feira (12) índios Pataxó da Aldeia Nova, da Terra Indígena Comexatibá, em Prado (BA) foram atacados novamente por pistoleiros. A comunidade denunciou que os ataques ocorreram desde o final da tarde e se intensificaram durante a noite de segunda. Esse é o segundo ataque após o assassinato de um menino Pataxó de 14 anos por pistoleiros contratados por latifundiários locais.
As denúncias são que além dos pistoleiros, policiais militares estão sendo contratados por latifundiários para atuarem como milícia para atacar as retomadas Pataxó.
VIOLÊNCIA
Um grupo de pistoleiros atacou indígenas Pataxó numa fazenda retomada, dentro da Terra Indígena (TI) Comexatibá Cahy Pequi, no sul da Bahia. Gustavo Silva da Conceição, um adolescente de 14 anos, foi morto com um tiro de fuzil na nuca. Outro indígena, de 16 anos, ferido no braço. O ataque aconteceu na semana passada, no município de Prado.
De acordo com um cacique da TI Comexatibá, o sol começava a despontar quando um carro encostou na rodovia em frente à sede da Fazenda Samambaia, que foi ocupada pelos Pataxó.
“Já a 50 metros o carro vinha com a porta traseira aberta. Os meninos viraram ‘ih, está vindo com a porta aberta’, quando falou assim já encostou no portão dando rajada. Uns correram para dentro da casa, outros para o mato, 10 minutos de tiro sem parar”, relata a liderança. No chão, ficaram o menino, o sangue e os cartuchos de armas de calibre 12, 32, fuzil .40 e bombas de gás lacrimogêneo. “Armamento de polícia”, descreve.
Em protesto, os indígenas bloquearam a estrada em direção à cidade de Corumbau (BA). “E agora estão juntando indígenas da região toda aqui na retomada, chegando gente de tudo quanto é lugar”, conta a liderança Pataxó.
O ataque, para o cacique, é uma tentativa de intimidação por parte de fazendeiros e pistoleiros ao processo de auto-demarcação do povo Pataxó, que está sendo feito desde 2000 e se intensificou nos últimos três meses, com cinco retomadas.
A TI Comexatibá Cahy Pequi – composta por nove comunidades – já teve o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (RCID) publicado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), ainda em 2015. Apesar disso, a retirada dos não indígenas da área de 28 mil hectares e a homologação não avançaram. Assim, os indígenas vêm recuperando suas terras por conta própria.
“Tem muita venda de terra dentro do território, exploração de madeira, de areia, construção civil irregular. A invasão está demais. Então a gente começou a ocupar pacificamente as áreas”, explica o cacique. Em 22 de julho, os Pataxó retomaram a fazenda Santa Bárbara. Desde então, afirmam estar sendo monitorados por drones. E em 3 de agosto, ocuparam a Fazenda Samambaia. Foi ali que, pouco tempo depois, houve o ataque.
“Nós estamos cercados de pistoleiros, de organizações criminosas dos fazendeiros: estamos acuados dentro do nosso território sagrado”, resume a liderança Pataxó.
GRILAGEM
A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS) acompanha a comunidade atacada na Aldeia Nova. Na última quarta-feira (7), o superintendente de Direitos Humanos da SJDHDS, Jones Carvalho, esteve pessoalmente no local e deu um panorama da situação.
“É um cenário de muita desolação, de muito medo, porque foi um ataque muito violento. São crianças, idosos, mulheres – inclusive mulheres grávidas –, que foram atacados com armamento pesado, bombas de gás lacrimogêneo”.
https://0f1beae9d74e9bab49e5ebdbaa19eb4d.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html “O Departamento de Polícia Técnica, da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), já recolheu material para fazer as devidas investigações, mas o que a gente encontrou foi uma ação de uma milícia fortemente armada, com o intuito de matar”.
Os ataques às comunidades indígenas, que possuem o reconhecimento da terra pela Fundação Nacional do Índio (Funai), é promovido por fazendeiros, por meio da grilagem de terra. Grilagem é quando uma pessoa falsifica documentos para tomar posse de terras ilegalmente.
“São grileiros, ou seja: pessoas que tentam se apossar de terras alheias, inclusive usando documentos falsos. A coordenação de Desenvolvimento Agrário já analisou diversos documentos dos ditos fazendeiros, e não há nenhum que tenha legalidade. Então, é um ação de tentativa de tomar à força a terra, que é um processo histórico, infelizmente no nosso país”.
“Os povos indígenas estão sendo vítimas de um ataque absolutamente absurdo e desproporcional. Estamos ao lado dos povos indígenas, para defender a integridade deles”.
Leia na íntegra abaixo o documento emitido pelas lideranças Pataxó:
Profundamente abalado(a)s, tristes e indignado(a)s com mais uma vítima assassinada pelas forças do latifúndio que imperam na nossa região, vimos a público denunciar e informar das violências ataques e tocaias que temos sofrido nestas duas terras indígenas, sobretudo, nos três últimos meses. Cientes de que embora, venham sendo praticadas por meio de diferentes estratégias que vão, desde as balas dos trabucos e fuzis, até as setas envenenadas das fakenews, mentiras calúnias e difamações, direcionadas para nossas lideranças. No intuito de espalhar desconfiança, deslegitimar o movimento indígena por auto demarcação da nossa terra.
Por isso, com o objetivo de informar e melhor esclarecer o que está se passando, vimos expor o seguinte. No dia 23 de Junho 2022 a Secretaria de Assuntos Indígenas do município de Prado-BA, em nota encaminhada ao MPF, informou a decisão consensuada entre as lideranças da aldeia Alegria Nova e o Senhor Rodrigo Carvalho. Detentor da posse subtraída de forma violenta da família da Senhora Julice e Elviro no ano de 2002. O acordo previa a desocupação da fazenda e sua restituição à Terra Indígena Comexatiba.
Com base nesse acordo que seria selado com a FUNAI e MPF, 160 parentes Pataxó resolveram auto demarcar pacificamente a área com a construção de suas moradias. Este acordo só durou três dias, o suposto proprietário (invasor) do antigo Pequi Velho, atual “Fazendo Santa Bárbara/ Santa Rita” desistiu do acordo. Após ter sido contatado pela organização dos fazendeiros armados que vinham divulgando nos seus grupos de whatsapp a promessa de transformar a região no mesmo campo de guerra instalado no Mato Grosso do Sul. Ostentando uma carreata com 60 carros de carroceiras com homens exibindo suas potentes armas.
Desde então, os parentes da área retomada passaram a ser vigiados por drones, dia e noite direcionados à área em questão. Descobriram neste movimento que na fazenda São Jorge vizinha e limitante com o Pequí Velho (Fazenda Santa Barbara /Santa Rita) pertencente à TI Comexatiba, havia sido instalado um depósito de armas e munição. Além de servir de alojamento para os pistoleiros e milicianos que passaram a monitorar as imagens captadas pelos drones que circulavam e continuam circulando no entorno.
É importante situar estes acontecimentos no quadro geral da campanha de ataques e violências que vêm sendo metodicamente planejados contra nós, povos indígenas do Brasil da Bahia, especialmente nesta região, com a anuência da FUNAI e omissão dos órgãos de segurança pública. Mais grave ainda, com participação de militares que ‘prestam serviços’ extras aos fazendeiros em conflito. Porque neste caso, os nossos adversários invasores de nossas terras indígenas Barra Velha e Comexatiba, são os mesmos, os atos violentos vêm sendo protagonizados pela mesma associação de fazendeiros já citada.
É de conhecimento público, visto que a exibição de suas ameaças e atos violentos circulam nas redes de whatsapp da extrema direita Bolsonarista locais e regional. Muito desse material já foi anexado às denúncias que fizemos junto a FUNAI, MPF e DPU. Pelo exposto, os parentes pressionados por recorrentes invasões violentas de sua vizinhança decidiram expulsar os pistoleiros e auto demarcar a Fazenda São Jorge para fazê-la cessar. Essa propriedade já cumpriu esta mesma função há vinte anos atrás, quando serviu de abrigo para a pistolagem contratada pelos fazendeiros do vale da microbacia do rio Cahy.
No ano 2000, sobe o domínio do vulgo Betão esta área invadida foi vendida para o Senhor Nem Gomes. Este Senhor cultiva a fama de não ter compaixão com índio e se arroga ao contar sobre supostos massacres que já executou no Estado do Pará onde tambem afirma ter muitas posses. Em linha com os ataques citados uma verdadeira máquina de fake news vem sendo operada nesta guerra sem fim. Principalmente, por políticos representantes das elites locais que se mobilizaram em torno de uma suposta matéria jornalística, prometida pelo senhor Juliano Ceglia.Outro ator que é por nós, considerado parte no conflito. Se, levarmos em conta que, segundo ele próprio informou, no seu instagram e por meio de outros meios de comunicação, também, é parente consanguíneo próximo dos Srs. Normando Carvalho e Rodrigo Carvalho, supostos proprietários das áreas em litígio, sobrepostas a TI Comexatiba, autodemarcada.
Este tal jornalista Juliano Ceglia, sob o pretexto de estar produzindo uma matéria para o programa “Domingo Espetacular” da Rede Record, fez contato e se aproximou de parentes e lideranças da Aldeia Águas Belas, até conseguir do cacique Baia a narrativa que queria para sustentar a tese que ele mesmo criou com os fazendeiros: a de que o movimento das retomadas não vem sendo feito por parentes indígenas, mas por não-índios, milicianos e criminosos infiltrados.
Não corresponde em nada, a verdade dos fatos, tampouco, a força da autodeterminação de nosso movimento para garantir minimamente nossos direitos, nossas Terras Indígenas. Apesar da Funai que, em vez de nos defender e proteger, tem demonstrado que se encontra totalmente aparelhada por aqueles que querem invadir nossas terras, nos exterminar.
Somos todo(a)s indígenas, indígenas Pataxó. Não há infiltrados neste movimento que realizamos pacificamente. O Cacique Baia e sua comunidade Aldeia Águas Belas vêm sofrendo as mesmas ameaças e os mesmos ataques que nós temos sido vitimados. É um parente reconhecidamente cooptado e afagado por fazendeiros e políticos locais, a exemplo da família Brito e do vereador bolsonarista de Prado Brênio Pires, invasor da área da Aldeia Tibá, protagonistas locais de vários ataques contra nós e nosso território.
Sua fala manipulada nos vídeos que o tal jornalista passou a veicular, não nos representa, tampouco, seu conteúdo corresponde à verdade dos fatos, nem sua veiculação teve nosso pleno e informado esclarecimento. O mais grave é que tudo isso serviu para atirar mais combustível na fogueira das violências autorizadas neste território, cujo consentimento vem sendo conquistado através de notícias, matérias caluniosas espalhadas nos grupos de wattsapp e redes sociais que só desqualificam nossas lideranças, aliado(a)s histórico(a)s e apoiadore(a)s locais.
Foi usando deste artifício de manipulação da opinião pública por meio da veiculação de supostos ‘vazamentos’ de trechos da matéria jornalística citada que ameaça ser veiculada no próximo domingo dia 11 de setembro, pelo próprio autor e suposto jornalista Juliano Ceglia que, na última madrugada do domingo dia 4 de setembro, o jovem Gustavo Silva da Conceição, foi cruelmente assassinado com vários tiros de fuzil disparados covardemente contra ele durante o ataque, enquanto dormia de madrugada.
Um verdadeiro massacre teria se consumado, caso os próprios combatentes não tivessem alvejado acidentalmente, dois de seus comparsas no grupo. Cuja estratégia se configurou numa verdadeira tática de guerra com o uso recursivo de equipamentos e tecnologias altamente sofisticadas, registradas somente nas ações da segurança pública, a exemplo do emprego de toucas ninjas, gás lacrimogênio, fuzil, escopetas calibre 12, rifles 38.
Por tudo isto, clamamos por justiça, que seja impedida a veiculação pela Rede Record ou qualquer outro meio de comunicação, da matéria caluniosa anunciada para o programa domingo espetacular. Que sejam identificados e criminalizados os assassinos de nosso(s) parente(s), os agentes locais que operam na propagação de mentiras e fakenews para dar suporte e justificar as violências. Que a polícia federal assuma o comando para desintrusão e retirada das milícias e pistoleiros contratados para espalhar a morte e o terror no nosso território, ao longo das estradas de servidão e acessos vicinais. Que a nossa Terra Indígena Barra Velha e Comexatiba seja, finalmente, demarcada!