Uma das pontas do iceberg pode estar começando a se revelar sobre a fixação do governo Bolsonaro com o chamado “tratamento precoce”, o kit Covid distribuído pelo Ministério da Saúde.
A propaganda é insistente do presidente e seus apoiadores dos medicamentos cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina, já comprovados pela ciência sem eficácia no tratamento do coronavírus e que, inclusive, podem levar à morte e agravar o quadro de pacientes conforme já assinalado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Esta semana, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem denunciando que a principal associação de médicos que defende o “tratamento precoce” contra a Covid-19 com o uso desses medicamentos é apoiada financeiramente por um grupo empresarial goiano que fabrica a ivermectina.
Segundo a reportagem, é a empresa que desenvolve e administra a plataforma online no site da Associação Médicos pela Vida oferecida aos médicos interessados no “tratamento precoce”.
Apesar da relação de médicos com a indústria farmacêutica não ser proibida pelo Código de Ética Médica, essa relação deve ser clara, ou poderá configurar conflitos de interesse, conforme o artigo 109 do código.
Coincidentemente, ou não, essa mesma entidade publicou, em fevereiro desse ano, informes publicitários defendendo o “tratamento precoce” em oito jornais de grande circulação no país e espalhou outdoors sobre o tratamento em várias cidades brasileiras.
Também coincidentemente, ou não, representantes da Associação Médicos pela Vida se encontraram com o presidente Bolsonaro, em setembro de 2020, sem a presença do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Segundo o site Brasil de Fato, o encontro foi intermediado pelo ex-ministro Osmar Terra, que falou como membro da associação em defesa do uso dos medicamentos que compõem o “Kit Covid”.
Ainda coincidentemente, ou não, para tornar mais eficaz a propaganda do “kit Covid”, e institucionalizar a recomendação do tratamento, que já se sabe, é ineficaz, o governo federal lançou, no início de 2021, o aplicativo TrateCOV, destinado a profissionais de saúde, em que recomenda o uso dos medicamentos cloroquina, azitromicina, doxiciclina, e o ivermectina, fabricado pela empresa goiana que financia a associação de médicos cujo representante se encontrou com o presidente em 2020.
A ponta do iceberg, na verdade, revela uma verdadeira teia envolvendo o tal “kit Covid” de Bolsonaro.
Na quinta-feira (15), a coluna de Ancelmo Gois, no jornal O Globo, denunciou que “médicos de Goiânia que estão à frente do combate da Covid-19 do hospital da rede Hapvida afirmaram que estão sendo assediados para usar o Kit Covid do presidente Jair Bolsonaro”.
“Aliás, o médico que se recusa é chamado atenção e até demitido, além de ser constrangido na frente de outros colegas”, diz a coluna.
O mais grave nessa teia, onde talvez escondam-se muitos interesses escusos, foi o ocorrido na tragédia de Manaus, entre o final de 2020 e o início deste ano.
Em meio ao acelerado aumento no número de casos de Covid, colapso no sistema de Saúde Pública com falta de leitos e falta de oxigênio para atendimento dos pacientes, que morriam asfixiados nos hospitais ou em casa, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi ao Amazonas para recomendar o “tratamento precoce”, ou o “kit Covid”.
Em 11 de janeiro, uma das primeiras atividades do ministro em Manaus foi uma entrevista coletiva em que, mentindo, afirmou: “senhores, senhoras, não existe outra saída: nós não estamos mais discutindo se esse profissional ou aquele concorda. Os conselhos federais e regionais já se posicionaram, os conselhos são a favor do tratamento precoce, do diagnóstico clínico”, disse.
“Os diretores dos hospitais devem cobrar na ponta da linha da UBS como o médico está se portando. O cara tem que sair com um diagnóstico, até porque a medicação pode e deve começar antes dos exames complementares. Caso o teste depois der negativo por alguma razão, reduz a medicação e tá ótimo, não vai matar ninguém, agora salvará no caso da COVID-19”, disse o ministro.
São muitas coincidências… e muitas, muitas mortes…
ANA LÚCIA
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