A política anti-imigratória do governo Trump, com o estímulo à perseguição e à multiplicação de prisões de seres humanos desesperados, em que crianças – e até bebês – são separados de seus pais e amontoados em centros de detenção, é por si só algo que merece o nosso mais profundo repúdio. Mas quando temos descrições tão eloquentes como a desta reportagem da EFE na Guatemala, país que tem 1,6 milhão de seus filhos no estrangeiro pela mais completa falta de condições de sobrevivência, é preciso aprofundar a reflexão. E ser ainda mais contundentes na crítica. Principalmente porque foram os Estados Unidos quem, por meio da CIA, derrubaram em 1954 o presidente guatemalteco Jacobo Árbenz. Seu governo democrático-popular havia implantado uma série de reformas estruturais, como a agrária, que batia de frente com os interesses da multinacional bananeira United Fruit Company. Sua sangrenta deposição trouxe trágicas consequências não só para o país, como para toda a América Latina. Superadas longas décadas de ditadura, que deixaram um saldo de 250 mil a 400 mil mortos entre os anos 60 até 1996, o país segue sendo criminosamente gerenciado por marionetes, conforme os interesses de Washington. Os números do abandono de prioridades como a água potável e a ausência de sanitários retratam esta calamidade
LWS
Sem água potável ou sanitários. Assim são as casas dos mais pobres na Guatemala, um dos países mais desiguais do mundo. Moradias como a de Isaías e sua esposa, Silvia, são a mostra da miséria que você não quer ver.
Uma latrina à beira de um barranco, a 100 metros de sua casa, e a água que coletam da chuva ou da nascente em um bosque próximo suprem as necessidades básicas de que carecem quase metade dos guatemaltecos, como evidenciaram os dados do último censo populacional e de moradia.
41% das residências guatemaltecas não têm água potável. Um cano do lado de fora, um jato público, um poço ou a chuva suprem uma das necessidades básicas dessas pessoas.
Pedreiro por profissão e quando o mercado de trabalho lhe permite, Isaías Juárez, 39 anos, vive numa casa na cidade colonial de Antígua com a esposa há nove anos. Eles não têm água e recolhem o que podem da chuva. E se não chover? “Vamos buscar numa nascente na montanha”, diz. Lá eles pegam e a carregam nas costas. Se não encontrarem, então a comprarão dos caminhões cisternas que chegam à cidade, um gasto extra que custa para ser enfrentado.
44,4% dos lares guatemaltecos não têm banheiro. Estes são os que vão para o mato ou os que usam “latrina, poço negro ou um penico”. E embora o percentual tenha diminuído ao longo dos anos, ainda é alto para o país.
Isaías e Silvia são exemplo disso. Na casa onde moram com a filha pequena não há banheiro. Em vez disso, eles têm uma latrina a 100 metros de sua casa, quase à beira de um barranco.
COM LENHA
Este casal caminha entre 30 e 45 minutos até uma vila próxima para obter lenha em um bosque. Sua casa é como a de 54,4% dos mais de 3 milhões de moradias registradas na Guatemala, onde a lenha segue sendo o combustível mais utilizado para cozinhar.
A utilizam para aquecer a água e para comer, inclusive para preparar as tortilhas que vendem de forma improvisada em seu pátio para ajustar o orçamento. Mesmo que a utilização de lenha tenha se reduzido 3% em comparação com o censo de 2002, este material segue sendo o mais usado, seguido do gás, com 43,7% (5% a mais) e o 1,1% que usa eletricidade.
E mesmo que a cobertura de luz elétrica nas residências seja de 88,1% – a de Isaías e Sílvia pertence a este grupo – ainda há 6,89% que utiliza velas, enquanto 1,18% usa gás e 3% painel solar.
COMO SÃO AS CASAS?
Há alguns anos que uma organização social colocou cimento no chão do lar deste casal (37,8% das casas na Guatemala são assim), que antes era de terra, como seguem sendo 26,5%.
As moradias particulares, como esta, são em sua maioria de ladrilho, bloco e concreto (64,7%), embora ainda haja adobe (15,3%), madeira (12,1%) e as de chapa metálica (4,1%).
As 14,9 milhões de pessoas apuradas pelo censo vivem em 3,2 milhões de moradias, o que supõe haver 4,5 pessoas por residência. Em média, há quatro que dividem um mesmo dormitório, mas no caso de Isaías e Sílvia são três: os dois e sua pequena filha.
A MARCA DA POBREZA
Estas características são a mostra da pobreza no país, considerado um dos dez mais desiguais do mundo e onde este flagelo afeta quase 60% da população.
Além disso, este país da América Central, onde o salário mínimo é de US$ 388 mensais e o custo da cesta básica ultrapassa os US$ 467, tem uma em cada duas crianças menores de cinco anos com desnutrição crônica, a taxa mais alta de toda a América Latina.
O Instituto Centro-Americano de Estudos Fiscais assegura que 1% dos habitantes mais ricos da Guatemala soma 40% da renda dos mais pobres e que essa desigualdade social priva de serviços essenciais como água potável, saúde e eletricidade os mais vulneráveis, especialmente os povos indígenas.