O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu na sexta-feira (8) que a denúncia de que possui uma empresa offshore, a Dreadnoughts (Encouraçados), com uma fortuna escondida num paraíso fiscal está ficando feia para ele.
Em um evento virtual do banco Itaú, sem que ninguém perguntasse, saiu em sua defesa dizendo que não teve movimentação do dinheiro que levou para lá desde que assumiu o Ministério.
Ele apresentou um documento para dizer que se desligou da empresa e que declarou tudo legalmente.
Disse ainda que as denúncias são um “barulho” e que vão “piorar” com a chegada das eleições.
As denúncias são gravíssimas e Guedes está querendo minimizá-las e tergiversar para tentar abafar o assunto. Mas suas “explicações” cada vez mais lhe complicam.
“Não foi perguntado, por elegância, mas sobre a offshore, tudo é legal”, disse na live.
Ele falou que não há conflito de interesses, porque deixou a empresa antes de assumir um cargo no governo federal. “Ela (a empresa) foi declarada, não houve movimento cruzando as fronteiras, trazendo dinheiro do exterior ou mandando dinheiro ao exterior. Desde que eu coloquei dinheiro lá, em 2014 e 2015, eu declarei legalmente”, disse o ministro.
Mas houve, sim, conflito de interesses e Guedes ganhou diante da sua deliberada política cambial de desvalorização do real e de valorização do dólar e da ação igualmente deliberada para não tributar esses recursos. O dinheiro do ministro movimentou-se e muito, rendendo-lhe lucros milionários, conforme as informações já divulgadas e não desmentidas por ele.
O documento que ele apresentou é da empresa que cuida da contabilidade e registros de sua offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. O documento chamado “Registered Agent’s Confirmantion Certificate” (certificado de confirmação de agente registrado) é assinado pela Trident Trust Company.
O papel diz que houve uma mudança registrada na composição da diretoria do empreendimento em 28 de janeiro de 2019: o ministro deixou o cargo de diretor da offshore em 21 de dezembro de 2018 – ou seja, antes de tomar posse como titular da economia do governo de Jair Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019.
Contudo, não há no papel apresentado por Guedes informações sobre quem o sucedeu na empresa no cargo de diretor.
E também não há informações sobre como foram as atuações de sua mulher, Maria Cristina Bolivar Drumond Guedes, e de sua filha, Paula Drumond Guedes. As duas são acionistas da empresa.
Guedes não esclarece se com seu afastamento da diretoria da Dreadnoughts deixou de ser sócio ou acionista.
Paulo Guedes não informou se havia se desligado da Dreadnoughts ao relatar seus bens à Comissão de Ética Pública da Presidência da República ao tomar posse no ministério. Nem se a empresa permanecia com duas pessoas de sua família (a mulher e a filha) como acionistas.
Com sua mulher e filha como sócias da empresa em nada muda o conflito de interesses.
A Lei de Conflito de Interesses diz que configura o conflito “praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão”.
Quanto ao ganho, mobilização dos valores da offshore, já foi demonstrado que Guedes se beneficiou com suas ações à frente do Ministério da Economia. Ele depositou lá US$ 9,5 milhões.
A offshore que Paulo Guedes tem nas Ilhas Virgens Britânicas esconde uma fortuna de R$ 52,6 milhões no paraíso fiscal caribenho ao câmbio de hoje que é de US$ 5,516 por real.
Com a crise econômica que o governo Bolsonaro tem causado no Brasil, os dólares de Guedes se valorizam.
No último dia do governo de Michel Temer, em 31 de dezembro de 2018, o dólar comercial custava R$ 3,87. Desde 2019, quando ele foi indicado para o Ministério, o valor passou de R$ 37 milhões para R$ 52 milhões, um lucro de R$ 15 milhões.
Ele nem precisou movimentar. Só a variação cambial abarrotou os cofres secretos do ministro.
Ele ainda interferiu legislando em causa própria ao mandar retirar, em julho deste ano, o artigo 6º da Reforma Tributária que determinava a taxação dos recursos de pessoas físicas brasileiras alocados em empresas mantidas em paraísos fiscais, as chamadas offshore, como a de Paulo Guedes.
Ele não deu justificativas sobre a retirada do artigo na época, mas agora se sabe porquê. “Ah, ‘porque tem que pegar as offshores’ e não sei quê. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Estamos seguindo essa regra”, disse o ministro.
“Não vamos botar em risco a retomada do crescimento econômico sustentável, que é o que está acontecendo”, continuou durante um debate público promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação Brasileira de Bancos (Febraban) na época.
A regra para tributação de offshore estava no projeto de lei original do governo, mas foi retirada na versão seguinte, apresentada em 13 de julho, escrita por Guedes e pelo relator do projeto, o deputado Celso Sabino (PSL-PA), que foi admoestado pelo ministro de que o dispositivo seria “negativo” para o mercado e “afastaria” investidores.
Segundo o economista Eduardo Moreira, só há três motivos para um ministro da Economia esconder dinheiro fora do país. O primeiro é que, ninguém sabendo da existência desse dinheiro, ele não vai precisar pagar imposto. Então, o motivo nada mais é do que sonegação de impostos.
O segundo é esconder a origem do dinheiro. Se a origem do dinheiro fosse lícita não haveria motivo para esconder a sua existência. Não haveria nenhum problema em tornar pública a existência de sua fortuna. Esconder patrimônio ilícito, portanto, é outro tipo de crime.
O terceiro motivo para Paulo Guedes esconder dinheiro fora do país é ele saber de alguma catástrofe econômica que estaria por vir, e, então, para se proteger, esconde seu dinheiro lá fora. Este é um crime de sabotagem à economia nacional e de traição pátria.
No mais, na live, Paulo Guedes tentou pintar de rosa e mentir sobre a situação econômica trágica do país.
Ele disse que a economia voltou em V (queda brusca e rápida recuperação), com o suposto aumento da atividade e do emprego. Ele insinuou que só ele está certo e todos no mundo estão errados sobre a avaliação da economia, criticando especialistas nacionais e internacionais que previram queda de até 10% do crescimento.
O ministro admitiu também que, agora, o grande problema é a inflação, mas disse que ela acontece em todo o mundo e que ela também está sendo “debelada” pelo Banco Central (BC), agora independente, sem se dar ao trabalho de demonstrar.
Onde o ministro viu a miragem da inflação “debelada” não se sabe, com os preços disparando no país e a alimentação cada vez mais cara para os brasileiros. Provavelmente ele não viu o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial no país, que teve alta de 1,16% em setembro, após ficar em 0,87% em agosto.
É o maior resultado para o mês desde 1994 (1,53%) e foi puxado pela alta na conta de luz.
No acumulado de 12 meses, a inflação chega a 10,25%, bem acima da meta estabelecida pelo Banco Central para este ano, que é de 3,75%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, ou seja, podendo variar entre 2,25% e 5,25%.
Esta é a primeira vez que a inflação passa de 10% desde fevereiro de 2016 (10,36%). Em setembro do ano passado, a variação mensal foi de 0,64%. No ano, o IPCA acumula 6,9%.
Relacionadas: