Aposta, agora, no dólar nas alturas como panaceia para a economia
Depois de mais um giro pelo exterior, dessa vez nos Emirados Árabes, onde acompanhou Jair Bolsonaro e, mais uma vez, pintou um quadro cor-de-rosa do quadro nacional na obsessão de atrair “investimentos”, no caso, os petrodólares, para o processo em curso de alienação do patrimônio nacional, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma exaltação do papel do dólar nas alturas para a economia brasileira.
Além de assegurar que os “fundamentos econômicos estão sólidos – gatilhos fiscais, marcos regulatórios, BC independente, déficit em queda”, disse ele:
“Os fundamentos estão aí e o dólar está lá em cima ainda por causa da barulheira infernal. Não tem problema, quem entrar agora [para investir no país] tem uma margem adicional de ganho. Além do que vai ganhar no projeto em si, está entrando com um dólar favorável, que está acima da taxa de equilíbrio”.
Estamos diante de um ministro da Economia de um país da importância do Brasil preocupado com os detentores de mais de 500 bilhões de dólares contratados, para os próximos anos, e cujo endereço, segundo ele, será o Brasil. Trata-se, como se vê, da apologia do capital estrangeiro como panaceia para a crise que Guedes e Bolsonaro aprofundaram no país desde os primeiros dias de 2019.
Uma demonstração cabal que o ministro continua aferrado à sua aprendizagem na escola de Chicago, a mais conservadora do pensamento econômico mundial, que inspirou e vitaminou as políticas neoliberais que desaguaram no arraso de economias em todo mundo, inclusive a brasileira. Importante salientar que essa mesma corrente econômica perdeu credibilidade nos próprios EUA e na Europa, repercutindo no reposicionamento de economistas que defendiam o tripé macroeconômico neoliberal no Brasil a partir da década de 90, principalmente.
Mas Guedes não foi afetado por nada disso e continua apostando piamente na capacidade do capital externo constituir o eixo central da retomada do crescimento, daí o argumento de que o dólar alto será um elemento a mais para atrair esses supostos “investimentos”, algo que nunca aconteceu, pois, como já nos ensinava Barbosa Lima Sobrinho, “capital se faz em casa”.
No fundo, Guedes sabe disso, mas insiste na sua condição de mercador de ilusões, no caso, a ilusão de que esses “investimentos contratados” provocarão o crescimento em “V” da economia nacional que ele promete, cínica e demagogicamente, desde os primeiros dias de sua desastrosa gestão.
Trata-se de um verdadeiro escroque, trapaceiro, a serviço desses capitais que nada produzem ou empregam, apenas saqueiam o esforço do trabalho e da produção alheias, como é o caso dos milhões que mantém em paraíso fiscal.
Não é preciso ser economista para saber das consequências nocivas do dólar valorizado frente à moeda nacional no país.
Primeira: todos, governos, empresários e outras instituições que contraíram empréstimos em dólar, têm as dívidas turbinadas em moeda nacional.
Segunda, as empresas que necessitam de insumos provenientes do estrangeiro, e não são poucas, hoje, no país, diante da reprimarização e desindustrialização brutais que atingiram a economia brasileira nas últimas décadas, são gravemente prejudicadas, uma vez que elas devem optar por passar os maiores custos de produção para o consumidor (o que pode diminuir as vendas e incrementar a inflação) ou diminuir sua margem de lucro.
Os únicos beneficiários da apreciação da moeda americana em relação ao real são os setores exportadores, como os do agronegócio, por exemplo, que pouco empregam e, invariavelmente, estão situados nos segmentos primários da economia.
Terceira – e mais grave, do ponto de vista social, a valorização do dólar tem um impacto direto na vida do consumidor brasileiro, em razão do fato de que parte relevante dos produtos têm alguma relação com os produtos importados. Dessa forma, quando a moeda americana está em alta, a tendência é que repercuta negativamente nos preços, fenômeno que está acontecendo hoje numa intensidade dramática para o bolso dos brasileiros.
Basta usar o exemplo costumeiro de que o pão que a maioria dos brasileiros consome todos os dias é produzido no país, mas, o trigo, insumo básico de sua produção, é importado.
Além disso, há outros casos nos quais essa relação é mais direta, como nos produtos eletrônicos, como celulares, computadores e outros equipamentos: esses itens são produzidos no exterior e o produto final é importado pelo país. Outro exemplo é o preço da gasolina e outros insumos derivados da cadeia produtiva do petróleo. Com a política míope, para não dizer criminosa, de Bolsonaro e Guedes, de alinhamento aos preços internacionais, a chamada PPI, os preços são empurrados para a estratosfera, como está acontecendo tragicamente na atual realidade, afetando gravemente milhões de brasileiros.
Mas nada disso sensibiliza o ministro, preocupado exclusivamente com os lucros dos “investidores” externos, muito menos os milhões de desempregados, subempregados e outros tantos que perderam renda e se endividaram como nunca. Guedes, na ânsia de atrair (ou engabelar) esses investidores, falando em Dubai, chegou a ignorar uma carta do próprio Ministério fazendo previsões de crescimento bem menos otimistas – e mais condizentes com a situação do país.
A Secretaria de Assuntos Econômicos (SAE), em relatório recente, estimou a piora nas expectativas de juros e de inflação. O IPCA para 2021 aumentou de 7,9% para 9,7%. Para 2022, a projeção, que era de 3,75%, saltou para 4,7%. Quanto ao Produto Interno Bruto (PIB), as previsões, presentes e futuras, não são nada animadoras, muito pelo contrário, diante de um cenário de fragilidade com empresas e famílias afogadas em dívidas, enquanto o “BC independente” de Guedes promete novos aumentos na taxa básica de juros, a Selic, que continuarão tendo impacto negativo na economia e na inflação que atormenta os brasileiros.
O consumo dos mais vulneráveis, diante da redução nos valores e da abrangência dos auxílios emergenciais, com a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, também não terá o condão de alterar qualitativamente o desempenho econômico nacional.
Diante desse cenário tenebroso, o ministro resolveu apostar suas fichas no dólar alto e nos “investidores” externos. Quanto ao povo, parodiando o personagem João Plenário, “eu quero que o povo se lasque todo”…
Não por acaso, em entrevista nesta quinta-feira (18), tentou explicar as razões que o levaram a trabalhar no Chile durante a ditadura do sanguinário Augusto Pinochet, nos anos 80, argumentando que recebera, à época, um convite muito atrativo do ponto de vista salarial.
“Ditadura por ditadura, era Figueiredo [João Baptista Figueiredo, ditador no Brasil entre 1979 e 1985] contra Pinochet. Eu não estava nem aí. Hoje eles falam: ‘Ah, trabalhou para o Pinochet’. Eu nunca vi o Pinochet na vida, não sei nem o que ele fez ou o que ia fazer”, tentou se explicar.
Certamente, seu recrutamento, à época, não foi casual, depois que passara pela universidade inspiradora das políticas neoliberais que a ditadura chilena promoveu a soldo dos interesses financeiros e econômicos norte-americanos da época, em contrapartida ao apoio que recebeu para golpear o governo democrático e popular de Salvador Allende.
Guedes não precisava ter conhecido Pinochet pessoalmente, pois já lhe prestava serviços como defensor da política econômica chilena de então – patrocinadora de um ciclo inédito de espoliação das riquezas naturais do país, especialmente o cobre, entre outras barbaridades. Quanto a Figueiredo, que encabeçou o último governo militar no Brasil antes da redemocratização, trocado por Guedes pelo ditador chileno, comparado historicamente a Pinochet, pode ser considerado um santo.
Todavia, o ministro diz não saber sequer o que Pinochet fez ou deixou de fazer. Até nisso, na tentativa de conquistar os incautos, não passa de um trapaceiro.
(MAC)