“O Congresso é soberano, independente e não tem prensa por aqui”, disse o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE), sobre as declarações de Paulo Guedes, que Bolsonaro quer entronizar como “ministro da Economia”, de que é necessário dar uma “prensa” nos parlamentares, para que eles aprovem o ataque à Previdência antes do fim do ano – ou seja, antes da posse de Bolsonaro.
“A primeira coisa que esse governo vai ter de aprender”, disse Jereissati, “é a ter mais cuidado com as palavras”.
Um dos mais notórios apoiadores de Bolsonaro, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), também repeliu as declarações de Guedes: “O ministro Paulo Guedes precisa entender que aqui, para votar, tem de ter voto. E hoje não tem. Quem tem de ficar com esse ônus é o novo governo”.
REUNIÕES
Bolsonaro, no sábado (10/11), cancelou as reuniões que estavam marcadas com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), depois que o primeiro defendeu que Bolsonaro encaminhasse sua proposta de “reforma da Previdência” depois de empossado – e o segundo declarou que “o importante é ver se há ou não condições de votar”.
A assessoria de Bolsonaro, no entanto, não informou o motivo do cancelamento. Apenas emitiu um breve comunicado: “O presidente eleito cancelou a visita ao Congresso Nacional que faria na próxima terça-feira. Seguirá da Base Aérea direto para o CCBB [Centro Cultural Banco do Brasil, onde está sediada sua equipe de transição]”.
Após o cancelamento das reuniões, a presidência do Senado emitiu nota, em que Eunício afirma que continua pronto “para o diálogo e o entendimento sobre assuntos que ele [Bolsonaro] achar que o Congresso e o Senado devem avaliar”.
“NÃO QUERO”
Na terça-feira (06/11), Guedes, em reunião com os presidentes do Senado e da Câmara – e com o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE) – exigiu que o Congresso aprovasse imediatamente a mal chamada “reforma da Previdência”, porque, disse ele, fazer isto no ano que vem seria “tumultuado”.
“Se o sr. acha que vai ser tumultuado ano que vem, imagina como vai ser esse ano”, respondeu Eunício Oliveira, segundo seu relato ao site BuzzFeed.
No entanto, Eunício disse a Guedes que “o que eu puder fazer para ajudar, estou pronto”, referindo-se a modificar o Orçamento – a Lei Orçamentária Anual (LOA) – de acordo, pelo menos parcialmente, com o que Bolsonaro e Guedes quisessem.
Mas, disse o presidente do Senado, “ele [Guedes] olhou para mim e disse que orçamento não é importante, importante é aprovar Reforma da Previdência. Ele me disse: ‘vocês não aprovam orçamento, orçamento eu não quero que aprove não‘”.
Eunício respondeu: “Mas não é o senhor querer, a Constituição diz que só podemos sair em recesso após a aprovação [do Orçamento]”.
Guedes ignorou Eunício (e a Constituição): “Não, eu só quero Reforma da Previdência. Se vocês não fizerem vou culpar esse governo, vou culpar esse Congresso e o PT volta, e vocês vão ser responsáveis pela volta do PT”.
Eunício lembrou que uma proposta de emenda constitucional, como a “reforma da Previdência” que Temer enviou ao Congresso – era essa a que Guedes se referia – não pode ser votada enquanto existir a intervenção federal no Rio de Janeiro.
Porém, Guedes continuou:
“Se vocês não aprovarem tudo aquilo que nós queremos esse ano, o PT volta. Se aprovar a reforma o Brasil vai crescer a 6%, se não aprovar o Brasil não vai crescer, eu vou culpar vocês.”
Todo o programa de Guedes (inclusive aquele registrado no TSE, mas também suas declarações após a eleição de Bolsonaro) implicam na redução, ainda maior, do crescimento do país – isto é, em uma brutal recessão, pior ainda que aquela de Dilma e Temer.
No entanto, ele acha que pode dizer coisas como “se aprovar a reforma o Brasil vai crescer a 6%, se não aprovar o Brasil não vai crescer”.
Guedes, afeito ao cassino financeiro, acredita que pode mentir publicamente, tal como os pistoleiros financeiros costumam mentir (é verdade que nem todos com tanta falta de escrúpulos) para trapacear seus colegas de ofício.
Aliás, a piora da recessão seria, exatamente, a consequência de não aprovar o Orçamento: as despesas mensais (isto é, os gastos públicos) estariam limitadas, até à aprovação, a 1/12 do Orçamento anterior. O que seria ainda mais criminoso que a proposta de Orçamento atual, submetida à camisa de força imposta pelo congelamento, por 20 anos, dos valores reais, por Meirelles/Temer.
Portanto, a tentativa de chantagem de Guedes sobre o Congresso não é coisa de um histérico. Ela tem um objetivo: jogar sobre o atual governo e o atual Congresso a responsabilidade da destruição, ainda maior que a atual, que Bolsonaro e Guedes querem fazer no país, deixando indene o governo deles.
Bem entendido, não é o que pensamos que aconteceria. Mas é o que essas cabeças privilegiadas (Bolsonaro, Guedes, etc.) acham. Muito esperto, como diria aquele personagem antigo da TV.
HORRORIZADO
Voltando ao relato de Eunício Oliveira, ao vislumbrar, de longe, a procuradora geral da República, Raquel Dodge, que chegara ao Congresso, ele interrompeu a conversa com Guedes e foi em direção à procuradora.
Essa conversa com Guedes ocorreu alguns momentos antes da cerimônia em comemoração aos 30 anos da Constituição de 1988.
Para participar dela, Raquel Dodge fora ao Congresso.
Guedes ficou, então, conversando com o líder do governo, Fernando Bezerra, que, na expressão de Eunício, “saiu de lá horrorizado”.
Logo depois, Guedes, que não ficou para a comemoração dos 30 anos da Constituição, ao entrar no Ministério da Fazenda, declarou que a política em relação aos parlamentares, para aprovar o ataque à Previdência antes da posse de Bolsonaro, era “prensa neles!”.
“Enquanto eu for presidente, ninguém diz aqui o que vamos fazer. Quem diz aqui é o dedinho de cada um que pode votar – não, sim ou abstenção”, disse o presidente do Senado, sobre a declaração de Guedes.
Bolsonaro, diante do desastre de Guedes, designou seu futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, como articulador no Senado. Na opinião de Eunício, não vai dar certo:
“Você acha que o Onyx é interlocutor com o Senado? Ele não é nem com a Câmara”, declarou.
E fez uma consideração mais geral:
“Esse povo que vem aí não é da política, é da rede social.”
E, sobre o Twitter do deputado eleito Luís Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), que o chamou de “pato manco” (uma tradução do inglês “lame duck”, utilizado pelos políticos dos EUA):
“Apareceu um bobinho aí, Orleans e Bragança, monarquista nesse Brasil, dizendo que sou pato manco. Pato manco é quando tem outro para botar no lugar. Eu não tenho ninguém eleito e posso até influenciar na eleição do próximo presidente [do Senado]. Até dia 31 de janeiro, quando termina meu mandato, não tem outro presidente eleito. Ele está ainda no Império, nós estamos numa democracia”.
E sobre as acusações de Bolsonaro e Guedes, depois da aprovação pelo Senado (por 41 votos contra 16 votos e uma abstenção) do aumento de salário dos ministros do STF e dos outros juízes federais:
“Vou só dizer o seguinte: não sei como eles estão fazendo, mas não aceito o Magno Malta (PR-ES) de manhã fazer discurso esculhambando a recomposição salarial dos magistrados, que troca o auxílio-moradia por salário, mas de tarde não vai votar. E mais oito, que se dizem bolsonaristas, não votaram – e eu sou culpado por isso?”
C.L.