Não era para abrir o jogo tão cedo
Quer elevar Imposto de Renda dos pobres para 20% e reduzir o dos ricos
Campanha eleitoral – mais ainda quando há uma eleição para presidente da República – é um momento para discutir propostas, programas, para o Brasil.
Quando aparece um candidato que faz tudo para não discuti-las, é porque quer esconder qual é o seu programa.
Por exemplo, o que mais define a campanha de Bolsonaro é sua completa alergia a qualquer discussão sobre suas propostas. Basta aparecer alguma coisa sobre seu programa de governo, que os bolsonaristas entram em crise, com chiliques, faniquitos e fricotes de variada gama.
Bolsonaro é uma fraude completa. Concentra-se na palhaçada, fazendo provocações em assuntos secundários (o uso individual de armas, o homossexualismo, etc.), exatamente para que não se discuta o mais importante: que propostas ele tem para o Brasil?
Quando aparece alguma coisa, haja confusão para escondê-la, como aconteceu na quarta-feira, depois que o seu pajé econômico, um certo Paulo Guedes – mais conhecido por uma fraude na Bolsa de Valores (v. a reportagem “O lucro do guru”, na insuspeita, nesse caso, revista “Crusoé”) do que por algum conhecimento sobre qualquer coisa – falou, para alguns pistoleiros financeiros, o que pretende fazer, se seu candidato for eleito.
Até o candidato a vice de Bolsonaro, o fino Mourão, com a perspicácia de um labrego, se meteu a dar palpites para desmentir o que todos sabiam que era verdade. Por fim, depois de um esculacho de Bolsonaro, Guedes fez um desmentido que é uma confirmação daquilo que vazou.
Toda essa gente é muito estúpida. Mas, qual é o programa de Bolsonaro?
Naquilo que foi obrigado a registrar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro promete acabar com a Previdência Social – e instalar no seu lugar uma espoliação, a chamada “capitalização”, exatamente como Pinochet, obedecendo ao Banco Mundial, fez no Chile, com consequências funestas (v. Sem previdência pública, Chile tem suicídio recorde entre idosos com mais de 80 anos).
Promete privatizar tudo para entregar o dinheiro aos bancos, fundos estrangeiros e outros rentistas que parasitam os juros sobre o Tesouro (diz o programa de Bolsonaro: “todos os recursos obtidos com privatizações e concessões deverão ser obrigatoriamente utilizados para o pagamento da dívida pública”).
Promete um arrocho geral e brutal sobre os gastos públicos – uma devastação no já devastado atendimento ao povo e no investimento em Saúde e Educação –, também para aumentar os gastos com os juros aos rentistas (é o que significa o seguinte trecho do programa de Bolsonaro: “Os cortes de despesas e a redução das renúncias fiscais constituem peças fundamentais ao ajuste das contas públicas. O déficit público primário precisa ser eliminado já no primeiro ano e convertido em superávit no segundo ano”).
Promete o fim de todas as leis trabalhistas, com a substituição da carteira de trabalho “azul” por outra, que ele tem o desplante de chamar de “verde e amarela”, onde vale o acordado, isto é, o que o patrão quiser pagar ou conceder (nas palavras do próprio Bolsonaro: “Por que quando um brasileiro vai para os Estados Unidos e começa a entregar pizza não volta mais pra cá? Lá não tem direito nenhum”).
Promete mais importação, menos produção, menos empregos, menos indústria (“Propomos a redução de muitas alíquotas de importação e das barreiras não-tarifárias, em paralelo com a constituição de novos acordos bilaterais internacionais” – ou seja, acordos com os EUA, diretamente, ou indiretamente, através da União Europeia).
Promete a mais agachada, a mais acoelhada, a mais servil, a mais subserviente postura em relação aos EUA e Israel (v. a parte do programa de Bolsonaro intitulada “ O novo Itamaraty”, onde propõe a integração do Brasil com os “EUA, Israel e Itália”. O que está a Itália fazendo nessa lista? Só pode ser alguma nostalgia de Mussolini, já que citar a Alemanha não seria do gosto dos israelenses).
RIFIFI
Voltemos, agora, ao que aconteceu na terça e na quarta-feira.
O caráter, digamos assim, da campanha de Bolsonaro, segundo ele mesmo, é dado por esse Paulo Guedes, sócio-fundador do BTG Pactual, aquele antro especulativo que ficou famoso na Sete Brasil e outros poços de corrupção da época de Lula e Dilma.
Bolsonaro chama esse Guedes de “posto Ipiranga” (nada como um sujeito original). Em suas palavras, trata-se de uma relação quase carnal:
“É quase como um casamento. Estou namorando o Paulo Guedes há algum tempo e ele a mim também. Somos separados. Até o momento da separação não pensamos numa mulher reserva para isso. Se isso vier acontecer – por vontade dele ou minha -, paciência. O que eu tenho de Paulo Guedes até o momento é fidelidade e compromisso enormes para com o futuro do Brasil. Acredito nas propostas que ele vai implementar. Se não implementar todas é porque temos um filtro chamado Câmara e Senado.”
Na terça-feira, esse Guedes disse a um grupo, reunido na GPS Investimentos – uma “gestora de grandes fortunas” – que, se seu candidato fosse eleito, pretendia unificar a alíquota do imposto de renda em 20%, o que é ótimo para os que ganham mais, que hoje estão na alíquota de 27,5%, e péssimo para os ganham menos, que hoje descontam 7,5% ou 15% de seus proventos para o imposto de renda.
Trata-se, pois, de diminuir o imposto dos mais ricos e aumentar o imposto dos mais pobres.
Além disso, disse Guedes, Bolsonaro eliminaria a contribuição das empresas para a Previdência Social, o que liquidaria a previdência pública, pois a contribuição das empresas para a Previdência é mais de 60% da contribuição previdenciária – constituída, exatamente, pelas contribuições dos trabalhadores e das empresas.
Também acabariam, disse Guedes, as contribuições sociais para a Previdência (Cofins, CSLL, PIS/PASEP), com a criação de um imposto geral, para colocar dinheiro público nos cofres dos exploradores privados do que ele chama de “capitalização” da previdência. Também ao modo de Pinochet, os cofres públicos serviriam para locupletar parasitas, que, por sua vez, explorariam os aposentados e os trabalhadores da ativa.
O que fez a conversa de Guedes vazar foi, exatamente, esse último imposto, pois ele aventou a hipótese dele incidir sobre as movimentações financeiras. Imediatamente, houve uma berraria contra uma suposta nova CPMF.
Além disso, segundo um dos presentes, Guedes disse que 100% dos dividendos do BNDES iriam para a dívida, ou seja, para os juros dos rentistas, pois um trilhão com a privatização é pouca coisa…
Na quarta-feira, a cúpula da campanha de Bolsonaro estava como barata tonta para desmentir o que Guedes dissera na GPS Investimentos. O candidato a vice, Mourão, disse que era “um tiro no pé”.
Bolsonaro, depois de esculhambar com Paulo Guedes ao telefone, convocou Mourão ao Hospital Albert Einstein, onde está internado, e proibiu-o de continuar falando com a imprensa. Resta saber se Mourão vai obedecer.
Só faltou algum deles, como aquele bêbado da piada, lamentar: “só porque eu disse a verdade…”.
CARLOS LOPES
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